O Presidente angolano, João Lourenço, recebe o primeiro-ministro português, António Costa, com o seu poder consolidado. Quase um ano depois, o país que foi de José Eduardo dos Santos durante 38 anos está definitivamente entregue ao seu sucessor, que no fim de semana passado substituiu o ex-chefe de Estado também na liderança do MPLA, acabando com quase um ano de poder bicéfalo.
Desde que assumiu o cargo a 26 de setembro de 2018, aquele a quem já chamam ‘exonerador implacável’ mudou muita coisa em Angola, afastou veteranos do MPLA (Higino Carneiro, Kundi Paihama, França Ndalu, Roberto de Almeida), apartou os filhos de José Eduardo dos Santos dos negócios do Estado, renovou os meios de comunicação do Estado e melhorou a liberdade de imprensa.
O país que António Costa visitar a partir de segunda-feira, e por dois dias, é diferente daquele que teria pisado se a viagem prevista para o ano passado se tivesse concretizado, ainda estava José Eduardo dos Santos no poder. Desde aí, o ‘irritante’ caso Manuel Vicente meteu-se pelo meio, os dois países estiveram de candeias às avessas diplomaticamente, enquanto João Lourenço reativava, renovava, aprofundava relações diplomáticas com outros países, procurando diversificar as parcerias (com Espanha, com Alemanha, com Estados Unidos, com França), para que a relação com Portugal não supere todas as outras.
«Portugal não deve temer a presença de outros parceiros internacionais em Angola, económica e financeiramente mais fortes», escreveu o diretor do Jornal de Angola, Victor Silva, num texto de opinião ontem no Negócios. São «tempos de mudança, com protagonistas diferentes, com novas mentalidades e com a certeza de que ambos os países farão os seus percursos sem estarem amarrados a um passado».
Se José Eduardo dos Santos evitou ao máximo as suas intervenções públicas e cingiu as suas visitas oficiais, João Lourenço tem-se multiplicado em viagens ao exterior, tentando cativar investimento estrangeiro, mas, sobretudo, procurando mostrar uma nova Angola ao mundo.
«O Governo está a fazer reformas importantes nos setores judicial e de investigação criminal, de maneira a lutar contra a corrupção e a impunidade de forma mais efetiva, assegurando a transparência nos negócios», afirmou João Lourenço no Parlamento Europeu, na primeira vez que um chefe de Estado angolano discursou no hemiciclo europeu. O afastamento do partido de pessoas envolvidas em processos judiciais (como o próprio Vicente que foi substituído no Bureau Político), querem demonstrar isso mesmo.
«Existe um enorme potencial a ser desenvolvido em todos os domínios, seja no plano da cooperação económica e do desenvolvimento, da tecnologia, das finanças, da saúde, da formação profissional e técnica, da ciência e investigação, da energia e águas e de muitos outros», afirmou o chefe de Estado angolano em Berlim, no final do mês passado.
Marcolino Moco, o ex-primeiro-ministro que chegou a ser muito crítico do Governo de José Eduardo dos Santos e que João Lourenço nomeou para administrador da Sonangol, garante, à Jeune Afrique, que «as medidas tomadas por Lourenço são encorajantes»: «Não as tomou para reforçou o seu poder pessoa, mas pelo bem de todo o país». No seu discurso no congresso extraordinário do MPLA, Lourenço reiterou as suas prioridades: lutar contra «a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade» que causaram «muitos danos» à economia angolana.
Os céticos continuam céticos, quase um ano depois, não acreditando em mais do que cosmética nas mudanças, mas o certo é que João Lourenço assumiu o poder no fim de semana no MPLA com uma limpeza no Bureau Político, substituindo 25 dos seus 52 membros, alguns deles nomes de peso (ver lista ao lado) e escolhendo pela primeira vez uma mulher para a vice-presidência, a deputada Luísa Damião.
E se já tinha arredado da esfera do poder altas figuras do Governo anterior, como os generais Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ e Leopoldino do Nascimento ‘Dino’, da banca, como Paulo Kassoma e Carlos Silva, e da economia, como Bento Kangamba.
Acrescentando ainda a exoneração de seis governadores na quarta-feira: João Baptista Kussumua, João Marcelino Tyipinge, José Joanes André, Kundi Paihama, Ernesto Kiteculo, Álvaro Boavida Neto. Paihama, de 74 anos, é um dos mais antigos governantes de Angola, foi ministro do Interior, ministro da Defesa, governador das províncias de Luanda, Huíla, Benguela, Huambo e Cunene, onde estava desde 2016.
Perante este cenário de mudança generalizada, os céticos sempre têm a contrapor que, por exemplo, Norberto dos Santos Kwata Kanawa, atualmente com 70 anos, escapou à limpeza no Bureau Político e de governadores, mantendo-se à frente de Malanje, apesar de em abril, por causa da contestação às políticas implantadas na província, a caravana do vice-presidente, Bornito de Sousa, ter sido apedrajada na denominada terra da Palanca Negra. Esta semana ficou, entretanto, também marcada pela polémica entrevista à TPA de Álvaro Sobrinho, o homem forte do Banco Espírito Santo Angola, que acabou na falência e refundado com o nome de Banco Económico. Sobrinho, seis anos depois, veio dizer que «o banco faliu por decisão política» e que foi obrigado a arcar com as culpas e que agora volta para investir no país. As reações dos acionistas do Banco Económico e do BNA não se fizeram esperar.