A venda da Muda, herdade na Comporta, está sob suspeita e ameaça também a transparência do negócio da venda da Herdade da Comporta. O SOL sabe que a Herdade da Muda foi vendida por João Espírito Santo de Brito e Cunha, membro da família, à petrolífera venezuelana PDVSA cerca de dois meses antes do colapso do Banco Espírito Santo – em 2014. Em causa, segundo apurou o SOL, está o acesso a informações privilegiadas. Estas suspeitas já estão nas mãos das autoridades.
A alienação foi feita à petrolífera venezuelana, que tem sido alvo de investigações por indícios de corrupção e branqueamento de capitais e com ligações duvidosas a Ricardo Salgado.
No ano passado, o Ministério Público (MP) venezuelano acusou o ex-presidente Rafael Ramírez e o seu primo, Diego Salazar, de branqueamento de capitais e tráfico de influências com fins de corrupção na PDVSA.
Só no ano passado, mais de 70 altos funcionários da petrolífera foram detidos pelas autoridades venezuelanas e acusados de «corrupção e sabotagem contra a indústria petrolífera estatal». Aliás, em dezembro último, o PGR anunciou que cerca de 200 empresas estão a ser investigadas por corrupção no acesso a divisas, a preços preferenciais, para importações, crime pelo qual já tinham sido detidos 21 empresários.
Os contornos desta venda adensam-se com a detenção de José Rincon Bravo, herdeiro do magnata venezuelano, em junho deste ano, em Espanha. Mais uma vez, por suspeita de branqueamento de capitais procendentes da PDVSA.
Nessa operação também foi arrestada uma propriedade de Brito e Cunha – conhecida por La Encomienda de la Losilla -, com 500 hectares, localizada nos arredores de Chinchón, em Madrid.
Relações estreitas com clã
Recentemente, foi revelado que, pelo menos dez empresas públicas venezuelanas investiram milhões de dólares do Banco Espírito Santo/Grupo Espírito Santo para favorecer as empresas do grupo então gerido por Ricardo Salgado, como a Rio Forte. Estes negócios estão sob investigação do Ministério Público no âmbito do processo Universo Espírito Santo, que começou em julho de 2008 e teve o seu pico em 2009, quando 8200 milhões de euros foram aplicados no GES por parte de empresas venezuelanas. O negócio durou até 2013, de acordo com a tese do Ministério Público.
A revista Sábado chegou a divulgar vários negócios com empresas públicas venezuelanas, como a PDVSA – Petróleos da Venezuela, Banco del Tesoro (que geria o fundo soberano Fonden- Fundo Nacional de Desenvolvimento), Electricidade de Caracas e Electicidade Del Caroni e empresas do setor mineiro, como a Carbozulia, no valor de vários milhões de euros. «Por determinação de Ricardo Salgado, foi desenvolvido um pagamento ocultos de comissões das contas oficiais do BES e GES, para iludir a sua existência» que terão servido para remunerar terceiros em cerca de «124 milhões de dólares [106 milhões de euros ao câmbio atual]», escreveu o Ministério Público, nas alegações que enviou, em 2017, ao Tribunal da Relação de Lisboa.
Venda da Comporta na reta final
A Muda acabou por ser vendida em julho passado à Vanguard Propertier, liderada pelo investidor suíço, Claude Berda que também está na corrida à compra da Herdade da Comporta em consórcio com a empresária Paula Amorim, cuja alienação está na reta final.
O seu primeiro investimento na Comporta passou pelo projeto Muda Reserve, que envolveu um montante de 200 milhões de euros e estende-se por uma área de 350 hectares. Este contempla 200 moradias de diferentes tipologias, com áreas de serviço, comércio e desportivas, junto à aldeia da Muda. Já o centro da aldeia conta com um conjunto de cerca de 50 unidades geminadas, designadas por Casas da Aldeia, com tipologias T0 e T3 e áreas entre 60 e 200 metros quadrados, com jardim e piscina. É também nesta zona que estão localizadas as denominadas Villas da Aldeia, um conjunto de cerca de 150 lotes com áreas entre 670 e 2.300 metros quadrados e uma área de construção entre 150 e os 700 metros quadrados.
Agora com a venda da Comporta na reta final e com a desistência da consórcio Oakvest/Portugália (ver caixa), a proposta do grupo Paula Amorim/Claude Berda é a mais bem posicionada para vencer o concurso.
Depois de os dois maiores participantes no fundo terem adiado o prazo do concurso, os atuais candidatos têm um novo prazo até, 20 de setembro, para a formulação das suas ofertas, que terão de ser todas vinculativas e cobertas por cartas de conforto dos bancos. Os acionistas do fundo vão voltar a reunir a 28 de setembro, em nova assembleia-geral, para decidir então quem fica com os ativos imobiliários que estão à venda.
Este adiamento deveu-se à falta de «elementos de informação inequívocos para valorar e hierarquizar as propostas recebidas» e do facto de nenhuma das ofertas contemplar «a globalidade dos ativos» à venda, nem atingir os valores apontados pelos avaliadores independentes, soube o SOL.
As duas entidades consideraram também que «só com a imposição de regras claras, transparentes e profissionais se poderá concluir com sucesso este processo».
A Herdade da Comporta – composta por mais de 12 500 hectares entre Alcácer do Sal e Grândola – era o retiro da família Espírito Santo, que a tinha comprado em 1987, e foi colocada à venda quando o Grupo Espírito Santo (GES) faliu. A venda deste ativo é uma das formas de obtenção de receitas pelos curadores de insolvência, de forma a conseguirem arrecadar algum valor para os seus credores. É o caso, por exemplo, da Pharol e do BES ‘mau’.
Avanços e recuos
O processo de venda da herdade tem sofrido vários avanços e recuos. A sua alienação recomeçou em setembro. Depois de uma tentativa falhada, os tribunais acabaram por autorizar o processo de venda, contornando assim a razão que anteriormente travou a operação: o arresto dos bens da família.
O empresário Pedro Almeida fez uma oferta, no verão passado, que não foi concluída porque o Ministério Público não levantou o arresto da Herdade da Comporta – à época, a avaliação era de 420 milhões de euros -, rejeitando a venda da propriedade por considerar que o processo não reunia condições de «isenção, transparência e objetividade». Na altura, o empresário pretendia transformar a Comporta num «resort exclusivo e altamente atrativo para o mercado internacional». O objetivo do empresário passava por comprar também a Herdade da Comporta – Atividades Agrossilvícolas e Turísticas, a empresa que gere os arrozais da zona.
O certo é que a alienação é necessária para evitar a insolvência do fundo da herdade localizada em Grândola e Alcácer do Sal. O risco de insolvência é real e foi já admitido pela entidade e pelos responsáveis da insolvência da Rio Forte.