A confirmação do juiz federal Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos sofreu este domingo um forte revés. Christine Blasey Ford, professora de psicologia clínica na Universidade de Palo Alto, na Califórnia, deu uma entrevista ao “Washington Post” em que acusa o juiz de a ter tentado violar, com mais um amigo, Mark Judge, no início da década de 80 numa festa de amigos do liceu. “Pensei que me poderia matar inadvertidamente”, disse Ford. “Ele estava a tentar atacar-me para me tirar as roupas”, contou.
Tudo terá acontecido quando os jovens se juntaram para uma festa numa casa no Condado de Montgomery, no estado de Maryland, no início do verão de 1982. A agora professora de 51 anos contou que os dois jovens a prenderam a uma cama, a apalparam por cima das roupas e, depois, começaram a despi-la. Ao tentar gritar, continuou Ford, Kavanaugh tapou-lhe a boca para a calar, quando Judge saltou para cima dos jovens Kavanaugh e Ford, fazendo-os cair para o chão, libertando-a. Aí conseguiu fugir do quarto e refugiar-se numa casa de banho até ganhar coragem para fugir da casa.
A então estudante remeteu-se ao silêncio durante várias décadas, mas o seu trauma veio ao de cima em 2012, quando começou a fazer terapia de casal com o seu marido, Russell Ford. “Acho que me desencaminhou substancialmente durante quatro ou cinco anos”, relembra, referindo que se viu incapaz de se dar socialmente com outras pessoas e até de manter relações amorosas. “Fiquei muito mal preparada para ter esse tipo de relações [amorosas]”, explicou. A ansiedade e sintomas de stress pós-traumático, garante a professora, passaram a fazer parte da sua vida.
Mesmo que tenha conseguido enfrentar o sucedido, remeteu-se ao silêncio por medo das consequências para si e para a sua família, mas quando Trump nomeou Kavanaugh para ocupar o lugar deixado livre pelo juiz Anthony Kennedy decidiu denunciar o que viveu. Enviou uma carta a descrever o caso à senadora democrata Dianne Feinstein, da Califórnia e membro do Comité Judicial do Senado – órgão que lida com este tipo de acusações. Na carta, assinou como Christine Blasey, o seu nome profissional, e, aos poucos, o relato por si descrito no documento começou a circular nos corredores do Capitólio até chegar à imprensa norte-americana.
Os pormenores da carta, uns verdadeiros outros falsos, foram surgindo na imprensa. No final, a versão integral do documento chegou ao público e jornalistas começaram a bater-lhe à porta de casa – ganhou coragem e divulgou a sua identidade. “Estes eram os males que estava a tentar evitar”, admitiu Ford. “Agora sinto que tenho uma responsabilidade cívica que ultrapassa a minha angústia e terror por retaliações”, contou ao “Washington Post” para explicar o que a motivou.
Os seus receios tinham motivo de ser. A sua identidade ainda não era conhecida quando começou a ser contestada por republicanos e apoiantes de Kavanaugh. Uma das iniciativas a defender o nomeado a juiz supremo partiu de um conjunto de 65 mulheres que frequentaram o secundário com ele. “Ao longo dos mais de 35 anos que o conhecemos, o Brett [Kavanaugh] destacou-se pela amizade, caráter e integridade”, pode ler-se na carta coletiva.
Reagindo às primeiras notícias da acusação, a Casa Branca enviou ao “Washington Post” uma declaração do juiz a afirmar que este “negava categórica e inequivocamente as alegações. Não o fiz no secundário nem em outro momento qualquer”. Ontem, a Casa Branca voltou a pronunciar-se afirmando que tanto “o juiz Kavanaugh como a Casa Branca mantêm essa declaração”.
Ainda que a administração Trump mantenha o apoio a Kavanaugh, há quem tenha dúvidas de que a confirmação da nomeação pelo Senado deva acontecer esta semana. Foram os casos do senador republicano Jeff Flake, do Arizona e membro do Comité Judicial do Senado, e do senador democrata Dick Durbin, do Illinois, que exprimiram desconforto em avançar com a confirmação sem se ter ouvido a versão de Ford.
Em reação, um responsável da Casa Branca disse sob anonimato ao “Político” que o presidente não irá retirar a nomeação – algo incomum na política norte-americana, com o último caso a remontar a 2005. O mesmo site avançou ainda que a Casa Branca espera que os republicanos avancem com uma estratégia para descredibilizar Ford, algo que a própria e a sua advogada já admitiam que poderia acontecer.
“Eles [republicanos] pretendem queimá-la”, disse Debra Katz, advogada de Ford. “Não será um exercício desenhado para se chegar à verdade. É um exercício desenhado para aterrorizar alguém que já foi traumatizado”. A advogada já anunciou que Ford está disponível para testemunhar sob juramento perante o Comité Judicial do Senado. Mas Kavanaugh também.