“A minha história foi escrita durante tanto tempo que cheguei à conclusão de que era a hora e que posso dar o meu contributo fora de campo para a reconquista.” Foi assim que Luisão, em pleno Estádio da Luz e rodeado dos colegas e de outras figuras ilustres da história do Benfica – mas sem público, o que mereceu muitas críticas nas redes sociais por parte dos adeptos encarnados -, anunciou oficialmente a despedida como jogador de futebol ao fim da tarde desta terça-feira.
Surpresa? Só pelo timing – já com a época desportiva em andamento, a exemplo do que aconteceu com o guardião Julio Cesar na época passada. O desfecho, porém, estava anunciado já há algum tempo: ainda em julho, no início da pré-temporada encarnada, Luisão renovava com o Benfica por mais uma temporada, anunciando ao mesmo tempo que esta seria a última como atleta profissional dos encarnados.
Na altura, a notícia do prolongamento do vínculo surgiu com algum espanto, até porque as águias já tinham assegurado a contratação de dois centrais argentinos (Conti e Lema) e tudo fazia prever que Jardel e Rúben Dias fossem continuar de águia ao peito – além dos jovens valores a afirmar-se na equipa B e nos demais escalões de formação, como Ferro ou Kalaica. Na época passada, Luisão já só foi opção até dezembro, quando sofreu uma lesão que o afastou um mês dos relvados; depois disso, jogaria apenas na antepenúltima jornada, quando protagonizou uma exibição medonha na derrota caseira frente ao Tondela (2-3) que ditou o adeus definitivo do Benfica ao sonho do penta, e na derradeira ronda, numa vitória magra sobre o Moreirense (1-0).
O facto de ter ficado de fora da lista para a Liga dos Campeões, ao contrário dos outros centrais citados anteriormente, era mais um sinal óbvio da queda de Luisão na hierarquia dos centrais encarnados. No reinado de Rui Vitória, de resto, o internacional brasileiro só foi aposta clara em 2016/17, época em que Jardel praticamente não atuou devido a problemas físicos: aí, Luisão fez uma dupla de ferro com Lindelof. Curiosamente, foi no início dessa temporada que o central canarinho esteve mais perto de abandonar a Luz: a transferência para o Wolverhampton, então na segunda divisão inglesa, chegou a estar praticamente fechada, mas divergências em relação às verbas envolvidas acabaram por fazer cair o negócio.
O adeus será provisório: aos 37 anos, Luisão vai pendurar as chuteiras mas deverá assumir, daqui a alguns meses, um cargo na estrutura encarnada, presumivelmente ligado às relações internacionais.
O mais titulado de sempre Há pouco mais de um ano, Luisão capitaneava o Benfica no triunfo da Supertaça sobre o Vitória de Guimarães (3-1) e tornava-se o jogador mais titulado da história do Benfica: 20 troféus, entre os quais seis campeonatos. Entrava aí no palanque destinado às maiores glórias da história das águias – um monstro sagrado, ao lado de lendas do imaginário encarnado como Germano, José Augusto, António Simões, José Águas, Humberto Coelho, Shéu, Nené, Mário Coluna ou, obviamente, Eusébio.
Pelos títulos, e também pela longevidade com o emblema encarnada ao peito: Luisão estava a iniciar a 16.ª temporada no Benfica, onde chegou com 22 anos, na já longínqua época 2003/04. Assumiu-se de imediato como titular no centro da defesa encarnada, ganhando rapidamente o estatuto de patrão do setor e, com o declínio de Nuno Gomes, também o de líder do balneário. “Pela sua forma de ser e personalidade, ele não usava a braçadeira mas fazia parte do grupo de capitães, não só pela posição e pela altura mas por aquilo que dizia a pensava. Era um líder nato”, frisava esta terça-feira Nuno Gomes.
O primeiro troféu de Luisão no Benfica foi precisamente nessa temporada 2003/04: a Taça de Portugal, ganha no prolongamento (2-1) ao FC Porto de José Mourinho que se sagraria campeão europeu poucos dias depois. Na época seguinte, o primeiro campeonato, onde teve papel decisivo: foi seu o golo que ditou o 1-0 ao Sporting na penúltima jornada e praticamente garantiu o título aos encarnados, liderados por Giovanni Trappatoni (o primeiro em 11 anos).
Daí para cá, nunca parou de somar, crescendo em palmarés (também pela seleção do Brasil) e ao mesmo tempo na consideração de Luís Filipe Vieira – por diversas vezes, uma das quais na homenagem desta terça-feira, o presidente do Benfica (condição que assumiu precisamente na altura da contratação de Luisão) se referiu ao central brasileiro como um “companheiro nesta caminhada”, numa relação quase como de pai e filho. Vieira, de resto, conseguiu por diversas vezes segurar o capitão, apesar das várias propostas financeiramente muito vantajosas para o jogador que foram surgindo ao longo dos anos. “Uma vez, vim treinar e acabei a chorar, dizendo que ia voltar ao Brasil porque não suportava a pressão. Mas o psicólogo disse-me que tinha de voltar como vitorioso e pus na cabeça que faria história aqui. O Benfica deu-me tudo”, contou Luisão esta terça-feira.
Terá faltado apenas um objetivo à dupla: uma conquista europeia. As duas finais da Liga Europa perdidas de forma consecutiva (2012/13 e 2013/14) acabaram por ser o canto do cisne, com ambos a referir em diversas ocasiões o sonho – utópico, percebe-se agora – de vencer a Liga dos Campeões. “É uma das coisas que lamento na carreira. Tivemos duas oportunidades e isso é algo que vou lamentar”, admitiu. Apesar dessa falha, e 538 jogos oficiais depois (o segundo melhor da história do Benfica, só atrás do recordista Nené, com 578, e único estrangeiro a ultrapassar o patamar das cinco centenas de partidas nas águias), o Luisão jogador parte com o sentimento de dever cumprido. Venha agora o Luisão de fato e gravata.