Venezuela: um caso concreto de moderação na diplomacia

«Há famílias inteiras a comerem lixo. Que já não sabem se fizeram bem em sair da Venezuela».                                                                            …

 

De país recetor e integrador de cidadãos portugueses na condição política e jurídica de imigrantes (em particular madeirenses), a Venezuela tem vindo a transformar-se em país emissor de cidadãos, seus nacionais e também estrangeiros, na condição de emigrantes, refugiados e exilados.

Em pleno século XXI – século do movimento dos povos – o caso da Venezuela tem várias particularidades políticas, económicas, sociais e culturais que não devem levar à fulanização da sua atual situação interna. Antes pelo contrário. 

O caso da Venezuela impõe que se travem vários ímpetos mais voluntariosos de caráter não só político mas sobretudo diplomático. Sobretudo para um país como Portugal. Desde logo, porque a comunidade portuguesa na Venezuela é não só gigantesca em número de pessoas mas, sobretudo, porque está presente em toda a sociedade. São cerca de 300 mil os portugueses e seus descendentes que lá vivem, criam riqueza e são sustentáculos relevantes da sua economia.

A situação da Venezuela tem vindo a perder fulgor mediático em relação aos últimos anos. 

Apesar da situação catastrófica social e económica, já foi maior a atenção dada pelos media em geral e, sobretudo, pelos media ‘ocidentalizados’. 

Portugal tem aqui um exercício prático de diplomacia exigente para concretizar. Para um país como o nosso e para uma região autónoma como a Madeira, a Venezuela não é um país qualquer. 

Sem pôr em causa a defesa dos princípios do Estado de Direito democrático, dos direitos humanos e da solidariedade europeia, neste caso concreto Portugal deve acima de tudo defender os seus interesses, de reciprocidade económica, social e diplomática.

Para países como Portugal, a Venezuela não representa o mesmo que para a França ou a Alemanha. Os laços históricos que têm unido a Venezuela e Portugal são muito antigos. Nas diásporas, no intercâmbio cultural, nos planos económico e social, entre outros, os dois países estão irmanados de forma muito forte.

E daí dever existir muita prudência na abordagem política e diplomática do caso venezuelano. Tem mais a perder Portugal do que a Venezuela se a nossa abordagem seguir os cânones de outras organizações e países, em vez de atendermos à nossa realidade política e diplomática.

São muitos – repetimos – os portugueses que lá têm as suas vidas e famílias, e também são várias as empresas portuguesas que têm atividade na economia venezuelana.

A Região Autónoma da Madeira é o exemplo de um território e de uma comunidade política que deve ser entendida com pinças. 

Se uma percentagem razoável de madeirenses decidir regressar à Madeira vinda da Venezuela, o cenário será muito negativo. Com repercussões preocupantes nas áreas da saúde, da educação, da segurança social, etc. 

O trabalho que o Governo Regional da Madeira, liderado por Miguel Albuquerque, tem desenvolvido no apoio às famílias, aos refugiados e aos exilados – quer aos lusodescendentes quer aos ainda venezuelanos candidatos á cidadania portuguesa – tem sido notável. Mas tudo tem o seu limite. Este é o tempo da moderação e da tomada de posições cautelosas e com grande precaução político-ideológica. Porque a ideologia não mata a fome, não trata da saúde, não põe pessoas a estudar, não devolve a dignidade aos cidadãos e não retoma o pagamento de reformas e de demais rendimentos sociais.

A Venezuela é talvez a prioridade mais relevante da política externa portuguesa. Onde a unidade e articulação entre os governos da República e da Madeira devem ser executadas ao milímetro. Aproveitando o saber acumulado das autoridades e das instituições da Região Autónoma para se encontrar a melhor solução para os portugueses, os madeirenses e Portugal.

Sem interferência de fatores externos de caráter particular e de influência ideológica, venham de onde vierem.

O sentido de Estado e a defesa superior dos interesses de Portugal e dos portugueses assim o exigem.

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