Foi a primeira vez que presidiu a uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas nem por isso deixou de usar o seu caraterístico estilo na condução da política externa. Com a reunião a debruçar-se sobre a não proliferação de armas nucleares, químicas e biológicas, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não desperdiçou a oportunidade para criticar e apelar a que se trave o programa nuclear iraniano. «Um regime com este historial nunca deverá possuir armas nucleares», disse o chefe de Estado norte-americano aos seus homólogos – exceptuando o chinês, Xi Jinping, que não esteve presente. Entre as justificações para ter abandonado o acordo nuclear com Teerão, firmado pelo seu antecessor Barack Obama, Trump revelou, num tom desafiante, que depois das sanções de novembro novas se seguirão, desta vez as «sanções mais duras de sempre». Sem pudor pela decisão uniletaral, o Presidente pediu o apoio dos seus congéneres do Conselho de Segurança.
Surpreendendo tudo e todos, a resposta mais forte contra o chefe de Estado partiu do Presidente da Bolívia, Evo Morales, que acusou Washington de tentar um golpe de Estado no Irão ao colocar o país «sob cerco» e ao financiar revoltas anti-democráticas por todo o mundo. «Os Estados Unidos não podiam preocupar-se menos com os direitos humanos», afirmou Morales quando chegou a sua vez de falar. «Cada vez que os EUA invadem nações ou patrocinam mudanças de regime fazem-no com uma campanha de propaganda que dá a entender que o fazem no interesse de apoiar a democracia», acrescentou.
Depois, Trump acusou a China de tentar interferir nas eleições intercalares para o Congresso de novembro, no que foi encarado como plot-twist. «Lamentavelmente, descobrimos que a China tem tentado interferir na próxima campanha», acusou o Trump, sem ter apresentado quaisquer provas. «Não quer que eu ou nós vençamos, porque sou o primeiro Presidente a desafiar a China no comércio», acrescentou. Washington e Pequim têm estado num clima de guerra comercial, com ambos os lados a retaliarem com o aumento das tarifas.
Mais uma vez, a resposta às suas acusações não se fez esperar, com o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, a reagir ao dizer que «a China sempre apoiou a política de não interferência» nos assuntos internos de outros Estados e que recusava qualquer alegação desse género. Assim tem sido, com Pequim a votar sempre no Conselho de Segurança contra resoluções sobre assuntos internos de outros Estados. Foi-no na Síria, na Venezuela e no Irão, por exemplo.
Passando para o tema da nuclearização de Pyongyang, Trump disse acreditar que um acordo possa estar para breve, ainda que seja necessário «implementar as resoluções do Conselho de Segurança da ONU até a desnuclearização acontecer». Se Washington sempre disse querer manter as sanções até Pyongyang mostrar resultados concretos, Moscovo e Pequim não têm deixado de defender o aliviar das sanções, entrando em rota de colisão. Para Trump, a implementação das resoluções pressupõe o «fim imediato das transferências navio para navio», numa referência clara ao que considera ser violações das sanções por Moscovo e Pequim. Na perspectiva dos EUA, navios chineses têm transferido combustível para a Coreia do Norte e embarcações norte-coreanas têm descarregado marisco congelado nos portos russos, aliviando as pressões sob a economia norte-coreana, altamente dependente de combustível externo e cuja principal exportação é o marisco.
A divergência prolongou-se na reunião do dia seguinte, com as cadeiras a serem desta vez ocupadas pelos respetivos chefes das diplomacias. Os ministros dos Negócios Estrangeiros chinês e russo voltaram a pedir o aliviar das sanções. «Os passos dados [pela República Popular Democrática da Coreia] na direção do desarmamento gradual devem ser acompanhado pelo aliviar das sanções», disse Sergei Lavrov.
Posição que não se coaduna com a do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, que recusou liminarmente qualquer alívio. «A implementação das sanções do Conselho de Segurança da ONU devem continuar vigorosamente e sem qualquer falha até vermos a desnuclearização final, totalmente verificada», reagiu Pompeo. E, numa crítica velada à China e Rússia, acrescentou que «os membros deste Conselho devem dar o exemplo nesse esforços e devemos responsabilizarmo-nos».
Trump no centro das atenções
Com o seu primeiro discurso na Assembleia-Geral da ONU, quando ameaçou «destruir totalmente» a Coreia do Norte, ainda fresco na memória, Trump subiu ao palanque com um alvo bem concreto: o Irão. Acusando-o de «semear o caos, morte e a destruição» no Médio Oriente, o líder dos EUA voltou a defender a saída de Washington do acordo nuclear por ser incapaz de travar o programa nuclear iraniano. E se os outros Estados signatários do acordo – Rússia, Alemanha, China, França e Reino Unido – não o o apoiaram, Trump não deixou de continuar com os esforços para isolar o Irão, enquanto, ao mesmo tempo, parece cada vez mais afastado dos seus aliados tradicionais. «Estamos a trabalhar com os países que importam petróleo iraniano para cortarem as suas compras substancialmente», afirmou.
Se no passado Pyongyang foi o seu principal adversário, hoje esse momento parece estar longe. Elogiando o trabalho da sua administração, mas principalmente o seu, Trump disse que os «mísseis já não voam», dando a entender que o regresso ao diálogo se deveu à cedência de Pyongyang. «Com o apoio de muitos países que aqui estão hoje, levámos a Coreia do Norte a substituir o espectro do conflito por um impulso novo e corajoso na direção da paz», afirmou. As cedências de Pyongyang são, para o chefe de Estado, provas de que a forma como conduz a política externa é um sucesso.
Discursando não apenas para os líderes mundiais, mas principalmente para o seu eleitorado, o Presidente voltou a recusar o «globalismo» multilateral e realçou o «patriotismo». «Temos de proteger a nossa soberania e a nossa querida independência acima de tudo», declarou Trump. «Rejeitamos a ideologia do globalismo e adoptamos a doutrina do patriotismo». E assim tem Trump feito.