Estalada a polémica em torno de Robert Mapplethorpe: Pictures, a aguardada exposição que o Museu de Serralves, no Porto, dedica à obra do controverso fotógrafo norte-americano foi o próprio presidente da Fundação Mapplethorpe, Michael Ward Stout, um dos primeiros a reagir. Face à demissão de João Ribas do cargo de diretor artística por alegadas ingerências, pressões e imposições por parte do conselho de administração sobre a curadoria da exposição, Stout acusou-o de ter sido «pouco profissional».
Mas, do lado da comunidade artística, as reações vieram no sentido oposto. De apoio total a João Ribas, e o dedo apontado a um nome: Ana Pinho, a presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves. As críticas vêm de vários lados, de uma carta aberta à administração contra as restrições com que foi inaugurada a exposição, subscrita por artistas, curadores e diretores de revistas nacionais e internacionais, às redes sociais, onde Ana Pinho não demorou a ser descrita como «Salazar de Louboutin».
Mas quem é afinal esta mulher que Pacheco Pereira garante «defender os interesses de Serralves com enorme dedicação»? Chegada a Serralves em 2010, para integrar o conselho de administração da fundação, que passou a presidir há dois anos, Ana Pinho, de 50 anos, tinha até então feito o seu percurso entre a banca e os negócios. Paralelamente ao cargo que ocupa em Serralves, é administradora do Instituto Cultural Britânico do Porto, gere a imobiliária Anapin e integra como vogal o conselho de administração da TAP.
Filha de Armando Pinho, presidente do grupo industrial Arsopi e membro do primeiro conselho de fundadores de Serralves, a atual presidente da fundação é ainda sobrinha de Ilídio Pinho, fundador da Colep, vendida entretanto ao grupo RAR, de João Macedo e Silva, um dos maiores mecenas da fundação portuense. Ana Pinho é também casada com o actual dono da RAR, João Nuno Macedo Silva. Com formação em Economia pela Universidade do Porto e um MBA na Cass Business School de Londres, além de um programa de estudos avançados de gestão na London Business School, foi administradora do grupo bancário suíço UBS em Portugal e em Espanha e integrou a direção de Rui Moreira na Associação Comercial do Porto. Moreira que veio já lamentar que o presidente do Conselho de Fundadores de Serralves, Luís Braga da Cruz, tivesse assumido uma posição de «total pusilanimidade» neste caso.
O estalar do verniz
À medida que a polémica se adensava e chegava à comunidade artística internacional, viriam denúncias de artistas que tinham exposto em Serralves no passado, como o caso do conceituado Daniel Steegmann Mangrané, que no Facebook contava como no ano passado, quando teve uma exposição em Serralves, tinha «ouvido queixas da equipa de interferências constantes da presidente do conselho de administração, Ana Pinho, em decisões do dia a dia da equipa artística e curatorial, com a já conhecida imposição de uma retrospetiva a Joana Vasconcelos como um exemplo da extensão do problema». Acusações negadas pelo conselho de administração – em entrevista ao Expresso, a vice-presidente, Isabel Pires de Lima, lembrou que era Suzanne Cotter a diretora do museu quando foram feitos os primeiros contactos para essa exposição. Mas entretanto a antiga diretora do museu veio garantir ao Público não ter sido ela a programar Joana Vasconcelos.
A confirmar as afirmações à imprensa e os sinais de que a demissão de Ribas terá sido o culminar de um clima de tensão que já vinha a acumular-se, seria ainda notícia o envio de uma carta dos trabalhadores de Serralves à administração, pedindo um esclarecimento sobre a situação da instituição, que Ana Pinho optou por não comentar. A isto, juntam-se os números: 18 pessoas deixaram a fundação desde a chegada de Ana Pinho à presidência, entre elas a diretora-geral Odete Patrício.
Só ao cabo de cinco dias de polémica – a exposição foi inaugurada na quinta-feira da semana passada e João Ribas apresentaria a demissão no dia seguinte – Ana Pinho reagiu, em conferência de imprensa, às acusações de ingerência que lhe vinham sendo imputadas ao longo da semana. Também só nesse dia viria a primeira explicação pública de João Ribas para a sua demissão, num comunicado intitulado ‘Verdade e Liberdade’, em que afirmou que a sua demissão «pretendeu ser uma mensagem dirigida à salvaguarda e reposição desses valores e princípios [da liberdade artística e do bom funcionamento institucional] e à dignificação da Fundação e Museu de Serralves».
O que João Ribas também afirma no comunicado – contrariamente ao que vinha sendo afirmado, primeiro por Pires de Lima, na citada entrevista ao Expresso, em que afirmava que a única exigência da administração foi a da existência de uma sala de acesso reservado, e depois por Ana Pinho, na conferência de imprensa de quarta-feira – é que a exclusão da exposição de 20 das 179 obras inicialmente selecionadas e transportadas para o Porto se deveu a «interferências e restrições» colocadas por parte da administração da fundação. E mais: que duas delas terão sido retiradas no próprio dia da inauguração, em que «a curadoria» terá sido «uma vez mais intimada a retirar duas obras que já se encontravam expostas».
A verdade é que, das 179 obras transportadas para o Porto, apenas 159 estão em exposição. E que uma das salas só poderá ser visitada por menores de 18 anos caso estejam acompanhados pelos seus tutores. Robert Mapplethorpe: Pictures, que recebeu ao longo da primeira semana cerca de 6 mil visitantes, continua até 6 de janeiro do próximo ano.