Os táxis e a sociedade aberta

«Estamos a viver num tempo em que tudo se vende». Natalie Portman

Na última semana, centenas e centenas de taxistas estiveram em protesto, sobretudo nas cidades de Lisboa, Porto e Faro.

Com uma cobertura mediática que variava consoante apareciam outros factos e conteúdos informativos, foram recebendo o respetivo tratamento e a correspondente prioridade. Com impacto desigual. Mas – justiça lhes seja feita –, no meio dos diversos conteúdos informativos, os media deram oportunidade aos representantes dos taxistas para explicarem as razões do seu protesto. 

Desde que os taxistas se têm feito ouvir, manifestando a sua preocupação e indignação com a concorrência desleal de várias plataformas mundiais com presença no território português, tenho entendido as suas razões e as suas preocupações, concordando com ambas. Quer enquanto cidadão quer enquanto utente daquele servido público. 
 
Porque respeito e muito a sua importância, os seus mais de 100 anos de trabalho, e porque nunca concordei que, a pretexto da liberdade do mercado, se permitam atropelos, concorrências desleais e proclamações histéricas, do tipo ‘laissez faire, laissez passer’. Ainda para mais com condições de partida muito díspares da concorrência que, entretanto, se tenta impor.

Mas nem só por isso tenho concordado com as preocupações e razões dos taxistas. Também por ser seu cliente. Sobretudo na cidade de Lisboa. E por conhecer taxistas que são excelentes profissionais, que têm famílias para sustentar, que vivem do seu trabalho e que, nalguns casos, têm passado dificuldades nos últimos anos devido à concorrência desleal. 

Dir-me-ão: mas não são todos assim! E que existem táxis sujos e velhos, que existem taxistas mal educados e pouco recomendáveis. Sim, existem. Mas não são a maioria. 

Ainda recentemente fui vítima disso, quando cheguei ao aeroporto da Portela vindo da Região Autónoma da Madeira – e para ir para casa precisei de táxi. Apanhei um e senti-me enganado e não bem-vindo. Já em andamento, o taxista, quando percebeu que eu não tinha aceite colocar uma pequena mala de mão na bagageira, embirrou por tudo e por nada. E ainda mais se insurgiu quando eu disse que queria ir para as avenidas novas e ele, teimosamente, queria ir pela zona da Expo… 

Mas não confundo uma árvore com toda a floresta. Porque, quando preciso de usar táxis, a minha experiência diz-me que, com poucas exceções, existe qualidade e segurança no serviço prestado.

Nos últimos dias tenho assistido ou participado em conversas sobre esta problemática dos táxis e de todos os seus concorrentes. E de entre diversa argumentação (independentemente de concordar ou não com a mesma) tenho escutado alguns comentários que considero inapropriados, perigosos e portadores de possíveis clivagens desnecessárias. Como dizer-se que «o futuro é a Uber e afins» e que «os táxis são coisa do passado». Ou que «quem é moderno não anda de táxi e só anda de Uber e afins». 

Estas e outras afirmações, que já têm sido produzidas noutras matérias, quando aplicadas à problemática dos táxis e das novas plataformas de mobilidade rodoviária são péssimos exemplos do que, nos últimos anos, se tem passado nas sociedades contemporâneas europeias e, no caso concreto, na sociedade portuguesa. 

Parece que o que é ‘antigo’ e vem de trás não presta. Que o que não se encaixa no politicamente correto de alguma gente das novas gerações portadoras de novas ignorâncias não deve ser respeitado. Salvo melhor opinião, julgo que estamos perto do limite do confronto de posicionamentos primários a este nível. 

Parece que nos querem impor divisões, posicionamentos e divergências muito perigosas, que a não serem ultrapassadas podem vir a dar origem a uma espécie de barril de pólvora, prestes a explodir e a criar efeitos muito negativos e divisões sociais desnecessárias. 

É que o mundo e a sociedade não se dividem só a preto e branco. Daí que a chamada problemática dos táxis deva ser vista para além de si própria. Deva ser vista como um exemplo da sociedade e do mundo em que vivemos. Da dita sociedade aberta. Do futuro do emprego, da utilidade de determinadas atividades profissionais, da perigosa e excessiva religião do liberalismo pelo liberalismo. 

Mas a esse propósito brevemente voltaremos ao tema, noutro tipo de abordagem sociológica e política, porque o que está em causa é mais um exemplo do que a sociedade aberta nos trás de preocupante. Daí que o setor dos táxis deva melhorar a perceção da sua importância económica e social.