A FUNDAÇÃO DE SERRALVES, um lugar geralmente calmo e apaziguador, está no centro de uma inflamada polémica por causa de uma exposição de fotografia. Não é a primeira vez que exposições de fotografia provocam controvérsia: lembro-me, a propósito, de um conjunto de fotos de Pedro Palma mostrando a mulher, Clara Pinto Correia, em êxtases orgásmicos.
Esta exposição é de um fotógrafo mais famoso, o norte-americano Robert Mapplethorpe, que – entre outras imagens – mostra nus frontais (em geral de homens), pénis em grande plano e até cenas de sexo.
O museu decidiu colocar parte do material numa sala de acesso reservado a maiores de 18 anos – e logo se levantaram acusações de censura, com abaixo-assinados cheios de assinaturas, como é habitual nestas ocasiões. O diretor artístico da Fundação demitiu-se e o BE quer ouvi-lo no Parlamento.
ESTA CONTROVÉRSIA fez-me lembrar um episódio ocorrido com Júlio Pomar, numa fase em que pintava obsessivamente pénis. Um dia um amigo visitou-o no ateliê e perguntou-lhe como iria ele ganhar para viver. Perante a surpresa de Pomar, o amigo concretizou: «É que tu não vais vender nem um quadro. Imaginas alguém a pendurar um c… na sala?».
Pensando ou não nisso, o certo é que Pomar passou a pintar outras coisas – e vendeu muito, como se sabe, e muito caro.
O nu em arte sempre foi objeto de polémica. Em muitas obras, sobretudo até ao Renascimento, o sexo de homens e mulheres era encoberto com pudicas parras, o que – convenhamos – era um pouco ridículo.
Quando os pintores começaram a expor nos salões de arte quadros que ostensivamente mostravam nus – em geral femininos – em poses vaporosas ou mesmo provocantes, o escândalo rebentou e a sociedade dividiu-se. Mas o tempo fez o seu efeito e hoje já ninguém discute o nu na pintura.
NO CINEMA a situação é diferente. Ainda não há muitos anos os filmes nos EUA eram objeto de cortes – e não só em cenas de sexo mas em simples cenas de beijos.
A Europa sempre foi mais permissiva – mas mesmo aqui existe uma classificação para os filmes. Há filmes para todos, filmes para maiores de 12, filmes para maiores de 16 e filmes para maiores de 18 (os que contêm sexo explícito). E ninguém discute este princípio.
E para o cinema pornográfico há regras apertadas, por exemplo, para a exibição televisiva, só podendo passar em circunstâncias restritas, que estão bem legisladas.
E aqui começamos a aproximar-nos da vaca fria: se há limites de idade para certos filmes, por que não poderá haver para a exibição de fotografias? Há alguma diferença decisiva entre uma coisa e outra?
Vou mais longe. Imaginemos que um artista fazia uma exposição cujo conteúdo consistia na montagem de pedaços de filmes ou vídeos pornográficos. E alegando que aquilo era arte, os promotores exigiam que a exposição fosse aberta ao público sem restrições. O que deveria fazer o exibidor – respeitar os limites impostos para a pornografia ou respeitar as alegações promotoras da iniciativa?
NUMA ÉPOCA em que é muito difícil distinguir o que é arte e o que não é arte, vendo-se pneus velhos pendurados com correntes de tubos de ferro ferrugentos a serem apresentados como obra artística, há que definir regras.
E essas não podem variar muito de meio para meio. Se uns pénis eretos num filme pornográfico só podem ser vistos por adultos, os mesmos pénis eretos em fotos realistas não deverão ser sujeitos às mesmas limitações?
De facto, não vejo qualquer razão para ser diferente.
Detesto a censura. Mas todos percebemos que nem tudo pode ser mostrado à frente de toda a gente. Tem de haver locais e condicionalismos. A administração de Serralves, ao tomar a decisão que tomou, seguiu apenas o caminho do mais elementar bom senso.
E JÁ AGORA, o que tem o Parlamento a ver com o caso? Porventura Serralves não é uma fundação privada? A que propósito o Bloco de Esquerda quer ouvir a administração e o diretor demissionário?
O BE aproveita tudo o que seja polémico – e se cheirar a sexo em versão ‘desviante’ tanto melhor… – para tentar pescar em águas turvas.
O que faz dele, nestas questões, um partido tipicamente oportunista.