Maria Odette Santos-Ferreira, pioneira na investigação do VIH e mentora do programa de troca de seringas, lançado nos anos 90, desapareceu este domingo aos 93 anos de idade. Sempre ativa, a investigadora manteve durante muitos anos o seu gabinete na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e continuou a dar aulas após a reforma como voluntária. Além do trabalho científico, liderou a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida.
Em 2013, Odette Ferreira viria a ser distinguida com o Prémio Nacional de Saúde. Na altura, com 88 anos, contou em entrevista ao i como o trabalho com o VIH acabou por ser um momento de viragem na sua vida. Depois de isolar pela primeira vez o vírus da sida do tipo II num doente seguido em Lisboa, teve um papel central nas campanhas de sensibilização e prevenção da doença. “Mudou o meu mundo. Eu era uma betinha, não sabia nada de nada. Nunca disse aos meus pais que que lidava com o vírus. O meu marido protegia-me muito”.
Com o trabalho em torno do vírus, veio a luta contra o desconhecimento e estigma. “Na faculdade, quando falava de doenças sexualmente transmissíveis, sempre gostei de mostrar slides com imagens de pessoas. Com as pilas, com tudo. Quando falava da sida mostrava a imagem de um comissário de bordo, um homem lindo que autorizou que as imagens dele no fim de vida fossem passadas para que outros não terminassem como ele. As pessoas têm de ver a realidade para perceber”, lembrou em 2013. “Houve quem dissesse que eu devia ser proibida de andar nos transportes públicos porque trabalhava com o vírus da sida”.
As cerimónias fúnebres decorrem esta segunda-feira, a partir das 19 horas, na Igreja do Campo Grande. Na terça-feira, pelas 15 horas, será celebrada missa, com o funeral a seguir para o Cemitério do Alto de São João.
A Ordem dos Farmacêuticos lembrou hoje Odette Ferreira como “uma das mais proeminentes farmacêuticas do nosso tempo, com uma dedicação ímpar à profissão, à ciência e aos mais desfavorecidos.”
Também Marcelo Rebelo de Sousa lamentou o desaparecimento da investigadora, sublinhando o seu percurso “notável”. "A Professora Odette Santos-Ferreira teve um o papel fundamental na investigação sobre a SIDA em Portugal e no estrangeiro. Esse trabalho, que a levou à identificação do HIV de tipo 2, foi, porventura, o marco mais conhecido dum percurso longo, persistente e notável de serviço à ciência e à comunidade", lê-se no site da Presidência da República.
A Liga Portuguesa Contra a Sida partilhou esta tarde uma nota de pesar no Facebook. "A Professora Doutora Odette Ferreira foi Presidente da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, e sempre será recordada por ser pioneira na investigação sobre a infeção VIH/SIDA em Portugal, fazendo parte da equipa que identificou pela primeira vez o VIH do tipo 2, bem como, pelo Programa de Trocas de Seringas, mas foi muito mais para nós, foi uma amiga presente e uma mulher muito à frente no seu tempo", salientou a presidente da Liga, Eugénia Saraiva.