Quando, em abril de 2011, a troika chegou a Portugal trazendo no bolso medidas de austeridade – como cortes salariais, aumento do horário de trabalho ou uma subida na carga de impostos – desencadeou uma vaga de contestação, sobretudo entre os trabalhadores do Estado.
Nos meses seguintes à apresentação do pacote de medidas de austeridade, o descontentamento dos trabalhadores do público e do privado traduziu-se no aumento significativo de greves.
Agora, numa altura em que a troika deixou o país há quatro anos e com um novo Governo em funções, o cenário não é muito diferente, sobretudo entre os trabalhadores da administração pública.
Quando o Executivo liderado por António Costa assumiu funções, em 2015, começou-se a assistir a uma redução nas greves gerais e setoriais. Só nesse ano houve 87 paralisações em todos os setores da administração pública, de acordo com os números do Ministério das Finanças. No entanto, desde o ano passado que os ânimos entre os funcionários públicos voltaram a aquecer e o número de paralisações voltou a subir.
No total, em 2017 houve 144 greves, e tudo indica que este ano o número de paralisações seja superior. Fora deste número estão as greves gerais.
Saúde e Educação com forte contestação
Só na Saúde – onde há mais greves entre os trabalhadores da função pública – em julho deste ano já tinham sido ultrapassados os recordes de paralisações dos últimos cinco anos. De acordo com os dados divulgados no portal da transparência do Serviço Nacional de Saúde, entre janeiro e julho de 2018 os médicos, enfermeiros, assistentes operacionais e técnicos operacionais, já tinham perdido 84 mil dias de trabalho. Mais 37 mil dias do que no período homólogo.
E as paralisações neste setor não se vão ficar por aqui. No horizonte próximo está já marcada a greve de seis dias dos enfermeiros, agendada entre 10 e 19 de outubro.
A Educação é outro dos setores onde o descontentamento dos trabalhadores tem sido mais evidente. No ano passado os professores e auxiliares realizaram 26 greves. Mais do triplo face ao número de greves realizadas tanto em 2016 como em 2015, quando houve sete e oito paralisações, respetivamente.
Desde janeiro até ontem, os professores já paralisaram 50 dias úteis, dos quais oito dias foram em período de aulas. Nunca os professores tinham estado, proporcionalmente, tantos dias parados.
E também na Educação os protestos não se vão ficar por aqui. No último ano, os docentes têm vindo a travar um braço de ferro com o Governo por causa do descongelamento do tempo de carreira. Os professores exigem ver contabilizado para efeitos de progressão na carreira todo o tempo de serviço que viram congelado: nove anos, quatro meses e dois dias. Mas ontem – no mesmo dia em que os professores terminaram uma greve de quatro dias que registou cerca de 85% de adesão e levou ao encerramento de centenas de escolas de todo o país – o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, aprovou em conselho de ministros um diploma para reconhecer aos professores apenas 30% do tempo de serviço que viram congelado, ou seja, dois anos, nove meses e 18 dias.
Como sinal do descontentamento com esta medida os professores têm marcada para hoje uma manifestação nacional. No final serão anunciados mais protestos.
Privado em contraciclo
Ao contrário da administração pública, entre os trabalhadores do privado o número de greves tem vindo a reduzir nos últimos anos.
Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, dos 488 pré-avisos de greve entregues em 2016 pelos trabalhadores do privado, apenas 76 se concretizaram. Os números revelam ainda que o número total de paralisações entre os trabalhadores do privado tem vindo a reduzir consecutivamente desde 2012, quando foram realizadas 127 greves.
Esta redução no número total de greves tem sido acompanhada com um decréscimo do número de dias de trabalho perdidos nas empresas privadas. De acordo com os dados da tutela, dos 112.984 dias de trabalho perdidos em 2012, em quatro anos houve um recuo de cerca de 90%, para 11.757 dias de trabalho perdidos em 2016.
Nos últimos anos, o setor dos transportes e armazenagem lidera o ranking das paralisações. Em 2016 este setor representou 38,2% do total de greves realizadas – a percentagem mais baixa registada desde 2012. Em 2015, 46,7% do total de greves foram realizadas por este setor e em 2014 cerca de metade do total.
Sem surpresas é também entre os trabalhadores das empresas de transportes que se registam os maiores níveis de adesão a esta forma de protesto. Em 2016, das 6.537 pessoas que fizeram greve, cerca de 40% pertenciam ao setor dos transportes.
Lisboa e Porto foram os distritos mais afetados, revelam os dados.
A seguir aos transportes, é no setor das indústrias transformadoras que mais greves são convocadas. Em 2016, de acordo com os números do Governo, foram realizadas 21 paralisações. Segue-se o setor do alojamento e restauração com 13 greves em 2016.