Quando fez 18 anos, Mallu Magalhães tatuou no braço esquerdo um vulcão. «Para me lembrar de tomar cuidado e não ficar cuspindo por aí», conta entre risos. Um alerta que estaríamos longe de associar à doçura tranquila e envolvente da cantora brasileira de 26 anos, feitos há coisa de um mês, e que há cinco trocou São Paulo por Lisboa – a ‘paulistana lisboeta’, chamam-lhe. Por cá, com o marido e também músico Marcelo Camelo, formou a Banda do Mar (juntamente com o português Fred Ferreira), escreveu livros infantis e lançou Vem, em que a depuração da composição casa, como pastel de nata e café – ou arroz e feijão -, com a uma assertividade profunda das letras que só pode vir de um mantra: o da simplicidade. E Lisboa, cidade de que, conta, já tem muito, tornou-se ainda um degrau inesquecível das rodas da vida: foi aqui que se tornou mãe de Luísa, que completa três anos em dezembro e está a crescer já com dois sotaques. É também por cá, nos Coliseus, que Mallu vai despedir-se de Vem. Primeiro, em Lisboa, a 20, depois no Porto, a 27. Desculpas suficientes para esta conversa, numa manhã de outono cheia de verão e cheiro a café – bem real, não metafórico – a mediar o português dos dois lados do Atlântico.
Estamos na reta final da campanha para as eleições brasileiras [a entrevista aconteceu há duas semanas]. Vai ao Brasil votar?
Posso votar aqui. O que me preocupa é a fragilidade do país, o Brasil não está forte para lidar com nada. Me preocupa a pobreza, a falta de oportunidade das pessoas, a desigualdade. Isso é muito grave. A violência, a economia são sintomas posteriores. O que vai ser desse país que está frágil? Isso me preocupa mais do que quem vai ser eleito ou não. Cada um tem uma visão de Governo, geral, e tomaria decisões para um lado ou para o outro.
Como mulher e como artista, como vê esta espécie de tsunami de movimentos feministas?
Acho que toda a contribuição é positiva. A gente está encontrando um equilíbrio, até com o uso da internet. O uso da internet surgiu, virou uma febre, e agora está passando, as pessoas estão encontrando o seu equilíbrio. Esses debates… vejo muita gente criticando. Uma vez postei uma coisa sobre o meu cabelo, estava talvez a dar a ideia de que me estava empoderando de alguma maneira como mulher, e me lembro direitinho de um comentário no Instagram: «Estou parando de te seguir porque não sigo feminazi.» (risos) Achei aquilo tão engraçado, não consegui nem levar a sério.
Gostava que fizéssemos uma viagem até à sua infância. Se fechar os olhos, qual é a primeira recordação que tem?
(fecha os olhos) Sou ruim de memória. Nossa, é difícil essa pergunta…
Normalmente são sempre coisas que nos marcaram ou de uma maneira muito positiva ou muito negativa.
O meu pai, que é engenheiro, tocava violão quando chegava em casa. E eu me lembro de deitar, e de caber, dentro da caixa do violão, do case, como a gente chama. Era um Ovation, que faz assim (gesticula uma forma abaulada), e eu adorava ficar lá deitada, não fechada, claro.
Isso é que foi crescer com a música em todos os sentidos!
Sim, foi positiva a forma como a música foi introduzida na minha vida. Foi de uma maneira muito lúdica e a título de hobby, sabe? Sem nenhuma pressão. O meu pai tocava violão e umas coisas que ele compunha, sempre com poucos acordes, assim bem natural e simples. E a gente ficava compondo, brincando nós três: eu, ele e a minha irmã. As vezes compúnhamos músicas sobre comida.
Nem sentiu que estava a aprender.
Não! Mas a minha mãe teve um papel que também acho que foi importante: quando comecei a compor, ela ficava muito emocionada e me incentivava muito. E a minha irmã também.
Tinha aquela coisa de fazer shows para a família?
Muito, era muito recorrente. E cobrava entrada, 50 centavos. (risos) E tinha vários ofícios. Cheguei ao ponto, já um pouco mais velha, com uns 13 anos, de promover uma exposição em minha casa com show de outros amigos, fazer um pequeno festival.
Então foi sempre artista. Acha que as pessoas nascem com dons ou que as competências vão sendo desenvolvidas e o que conta é mesmo o trabalho árduo?
Cada um tem um percurso muito único, depende muito. Não sei. Acho que é uma junção de fatores. No meu caso nunca tive nenhuma intenção nem ambição de trabalhar com música e fui levando a coisa de uma maneira leve. Nunca exigi que fosse um ofício. No início foi uma coisa de acaso, de colocar as músicas na internet e de ter virado uma coisa grande. Depois foi sustentar aquilo. Um trabalho de dia-a- -dia, de levar a música como uma profissão. Tem muito email para mandar para fazer o disco acontecer. (risos) E não só o disco, mas todo o entorno: tem a tournée, a divulgação, os clipes, as decisões de tudo. Tem muito de trabalho prático, de trabalho acordado assim com café, e tem também o lado criativo. Não sei se agora também a maternidade me deixou um pouco mais atarefada (risos), mas acho que qualquer profissão, mesmo a lúdica, tem um trabalho braçal muito grande também.
E dar entrevistas é a última parte do disco. Vê esta conversa como uma parte do trabalho?
Sim, vejo sim, com certeza. Acho que tudo faz parte, tudo. Por exemplo, cada um existe da sua maneira singular e única, e isso é que é lindo. É isso que é bonito nos organismos vivos, todas as pessoas na rua estão fazendo a sua própria obra diária. A que horas você levantou, o seu caminho para o trabalho, a roupa que você vestiu, se você estava feliz, quem te ligou… São tantas coisinhas que vão acontecendo e acho que em todos essas escolhas a gente exerce a nossa identidade.
E pensa muito nessas escolhas? Há um lado de amargor nisso, de estarmos sempre a escrutinar tudo o que fazemos.
Bem, a gente faz sempre o nosso melhor, mas às vezes as nossas escolhas estão erradas, acontece. Mas na hora fez sentido. Quanta coisa a gente não faz assim? Olha, no outro dia mesmo fui levar a minha filha na escola e ela não quis ficar. Levei-a para casa, ela não ficou especialmente feliz e eu senti que errei, que tomei uma decisão que poderia ter sido melhor, mas fiz o meu melhor ali. Tive que decidir rápido e decidi alguma coisa.
Sente muito isso na música, os erros e o peso das escolhas?
Muito. E também acho que todo este ofício da figura pública… Hoje em dia, a posição em que um músico está é muito diferente de há dez anos. Tem uma sensação maior de pertença das pessoas como indivíduo porque encontram os seus semelhantes com muita facilidade mas, ao mesmo tempo, impõe uma coisa muito difícil, que é você fazer escolhas importantes sobre tudo a todo o momento, e isso é cansativo. Em tudo. Tipo tirei uma foto e quero postar, mas depois vêm as dúvidas se será boa ideia e o que as pessoas vão achar. E aí não sabemos mais. Por isso, hoje, o único motivo que me faz querer fazer uma publicação de qualquer coisa é se acho aquilo bonito. Cheguei à conclusão que esse tem que ser o meu filtro.
Teve aquela polémica com o videoclipe da música ‘Você não Presta’, em que foi acusada de racismo. Sente que estamos num tempo em que temos de andar entre os pingos para não gerar polémicas ou ferir suscetibilidades, ou seja, que podemos ser mal interpretados pela coisa mais inócua?
Isso acontece mas, honestamente, acho que muitas coisas boas vieram das redes sociais. Muitas coisas que eram tidas como ok, hoje em dia já não são mais ok. E ainda bem. Por mais que, às vezes, a gente se sinta um pouco com medo de ser interpretada erradamente, toda essa liberdade de expressão veio para bem, veio a liberdade da expressão de todos. Então acho que o facto de uma pessoa, por assim dizer, anónima, se sentir ofendida como indivíduo, acho produtivo e bom que ela fale e diga: «Olha, isso aqui você não reparou mas me ofendeu.» Isso é válido.
A discussão é sempre válida?
Sempre! E é importante ouvir. Por exemplo, nessa polémica que aconteceu comigo com o vídeo, gente… a quantidade de coisas que fui aprendendo com o que as pessoas estavam dizendo! É impressionante.
Viu com os olhos dessas pessoas o seu vídeo?
Sim. Como é lógico, nunca fui uma pessoa racista, mas mesmo não sendo, aprendi muito. Estando ali no meio daquele furacão, e lendo tudo… Algumas pessoas não tinham argumentos nenhuns, mas outras tinham argumentos muito interessantes que me fizeram pensar muito. Hoje em dia, faria as coisas diferentes, faria o clipe de uma maneira diferente, com um olhar mais delicado, mais apurado, com toda a questão que foi colocada. Para mim, foi engrandecedor.
É curioso admitir que faria diferente.
Faria, e daí? Há coisas que realmente não notei, fui pela estética, e não reparei, honestamente, não sabia que tinha coisas que poderiam ofender alguém. Por isso, foi triste por um lado, mas foi interessante e ao mesmo tempo nunca me senti mal porque nunca foi intencional.
Voltando um pouco atrás, queria falar mais um bocadinho do começo da sua vida.
Desculpa, falo muito. (risos)
Nasceu em São Paulo, mas viveu também no Rio. Quanto tempo?
Mudei já mais velha, para ficar com Marcelo.
Mas sente-se ainda paulistana ou gosta da alcunha que lhe meteram por cá, de paulistana lisboeta?
(risos) Se alguém me pergunta de onde sou, acho que é natural que diga que sou de São Paulo, mas tenho muito daqui já. Muito.
E tem essa noção quando vai ao Brasil?
Sim, e inclusive às vezes estou escrevendo para alguém, falando alguma coisa, e alguns amigos dão risadas das expressões que uso, que para mim já são naturais. A gente pega, não tem jeito. Já tenho muito… bastante de lisboeta, na verdade.
E como descreve a São Paulo da sua infância, como foi crescer lá?
São Paulo é muito grande, o Rio também. Até Lisboa. Dá para você viver estilos tão diferentes de Lisboa numa Lisboa só. Basta você afastar um pouquinho, ou morar numa casa ou num apartamento. Cresci numa casa, num bairro que era um pouco afastado mas era bem central mesmo assim. Estudava em Pinheiros, no centro, e me mudei depois para perto do Largo da Batata, que adorava. Lá tinha um metro que pegava, ia sempre para a liberdade.
E cá em Lisboa faz isso ou é muito abordada pelas pessoas?
Essas abordagens não me chateiam, acho bom. Gosto, fico feliz. Imagina que você está na rua e alguém para para falar que gosta muito de você. Olha que gostoso! Não é ótimo? Nunca me aconteceu alguém dizer «poxa, queria parar aqui só para falar que odeio você». (risos) Nunca aconteceu, ao contrário da internet. (risos)
O ecrã, o melhor esconderijo. Hoje, no Brasil, depois da fama, acha que poderia circular com essa tranquilidade nos transportes?
Sei lá… Na época em que vivi no Rio, isso aconteceu. Hoje continuo a circular pelos mesmos lugares com algum cuidado porque vejo que agora, como figura pública, existe… como vou dizer… um desencontro de realidades. As pessoas acham que quem aparece na televisão é rico, e isso não é verdade. Não sei porquê, mas vejo que realmente no Brasil tem mais abordagem, chamo bastante a atenção. Não sei se são as minhas roupas, que são muito malucas.
(Fazemos uma paragem para Mallu saber notícias da filha na escolinha: «Sabe, é que começou agora o novo ano, a adaptação…»)
Ser mãe mudou-a muito?
Um pouco. (risos) Estou brincando, acho que nos muda bastante.
Em tudo, até na forma como faz música?
Acho que mudou. Senti que foi mais traumático no início, agora está superdivertido, está gostoso.
Sentiu-se sozinha na primeira fase?
Tem uma mudança de significado da vida, acho que o negócio da criança não é só o bebé em si, mas a estrutura toda em volta. Isso dá muito trabalho, até a sua casa tem que estar diferente. Antes, às vezes ficava semanas do avesso, e tudo bem. Agora não dá porque com a criança tem que ter as coisas arrumadinhas, a roupinha, a comida, tudo. E essa mudança logística é que acho que muitas vezes é um susto para a gente. É tudo o que você faz para você, só que em dobro. Mas é muito interessante.
A sua filha tem sotaque português ou brasileiro?
Sabe que varia muito? Depende de com quem ela está falando: se for com um português, ela fala completamente português de Portugal. Se for com a gente ou com a família brasileira, fala com sotaque, pede para ir no banheiro. Se for com uma pessoa portuguesa, pede para ir à casa de banho. (risos)
E gosta de a ouvir cantar?
Depende do dia. Às vezes toco violão e ela fala ‘mamãe, não toca agora’. Outras vezes pede para tocarmos as músicas dos desenhos animados. Quando não sabemos bem as músicas, ela fica irritada: «Não é assim.»
Estive a ver umas imagens suas, muito novinha, no Programa do Jô. Pouco depois tornou-se conhecida e acabou por crescer no olho do Big Brother. Como foi lidar com isto com 15 anos?
Acho que foi mais ou menos tranquilo porque a internet explodiu depois disso. Era difícil, mas era muito fácil não ver nada. Simplesmente não lia, não via, não sabia o que estavam falando. Era muito simples fugir. Agora não, é muito difícil fugir das coisas. Mas sempre fiz as coisas realmente de forma honesta, legítima. Por isso, na pior das hipóteses fiz o que pude com a melhor das intenções e, por isso, sempre foi tranquilo.
Logo depois, o seu caminho cruzou-se com o de Marcelo, que se tornou um encontro da vida e na música. Isto foi fulcral para o seu trabalho ou não vê as coisas desta maneira?
Acho que sim, teve muita influência para bem. Ele sempre me ajudou muito, musicalmente é uma peça fundamental para mim. É produtor dos meus dois últimos discos. Também da Banda do Mar, os nossos últimos trabalhos foram com ele. Sempre peço ajuda dele para tudo, acho que ele fez toda a diferença e me ajudou a construir uma noção maior de autonomia na produção musical. Está certo que os outros dois produtores com quem tinha trabalhado foram ótimos, perguntavam muito o que eu achava, mas a verdade é que muitas vezes eu não sabia o que achava. E senti que o Marcelo conseguia preencher muito bem os espaços quando eu não sabia e identificar o que eu realmente queria. A verdade é que eu não tinha nenhum preparo nem académico nem teórico…
Era tudo intuição?
Tudo! Faltava muita coisa.
Porque começou a cantar em inglês?
Porque impressionava mais. Quando era criança, quando cantava em português, as pessoas gostavam mas era ok. E quando cantava em inglês era assim um acontecimento! ‘Nossa, ela faz as músicas em inglês.’ (risos) E eu não falava inglês fluente, nunca falei até hoje. Fazia as músicas com dois dicionários abertos, catando palavra por palavra.
Sempre pensei que é preciso muito mais coragem para cantar na nossa língua…
Muito mais! Até porque cantar em inglês tinha outra vantagem enorme ligada com isso: eu cantava e metade das pessoas não entendia. Estava ótimo. Aí, quando comecei a cantar em português, ficou mais difícil. É muito mais fácil você falar uma coisa grave num idioma que não é o seu.
As suas letras parece que nascem muito de experiências do quotidiano. Verdade?
Ah, sim. Mais uma vez, é essa maneira de tentar viver com toda a honestidade e toda a transparência possível, por isso dizem muito do quotidiano. Às vezes falam para um amigo, mas a maioria das vezes é de mim mesma.
Diziam-lhe muitas vezes que tinha cabeça de gente crescida?
Lembro-me, logo que comecei a tocar, que as pessoas diziam ‘essa música claramente não é dela, ela é muito nova’. E é mentira, era sempre minha. Diziam muito que devia ter alguém da indústria por trás e era o extremo oposto, na verdade. Não sei, sempre fui uma pessoa intensa, fui uma criança muito difícil… Fui melhorando, ficando mais normal com o tempo. (risos)
Mas era revoltada?
O meu avô me definiu de uma maneira que eu achei genial: «A Maria Luísa era a mais brava, a mais briguenta e a mais carinhosa.» (risos) Era tudo mais, tudo para fora, tudo muito. E sofri muito com isso.
Não tinha um grupo de amigos, esse tipo de coisas?
Tinha, tinha. Fazia amigos com muita facilidade, mas também perdia com facilidade. Conseguia socializar, mas lembro-me de momentos em que tinha dificuldades. Uma vez pregaram uma peça em mim…
Uma?
Peça – partida, será? – de combinarmos ir ao cinema e depois eu chegar e não estar lá ninguém. Hoje talvez fosse mais grave do que foi na época, que era tudo mais normal.
Ou seja, lidou com isso e seguiu em frente.
Isso. E fiz amizades. Mas quando comecei a tocar tive uma confusão muito grande no colégio: alguém me perguntou numa revista para adolescentes se eu tinha muitos amigos. Tinha acabado de começar e falei ‘mais ou menos, o normal’. O entrevistador perguntou o que eu diria para essas pessoas que sofriam bullying, quis tentar dar uma mensagem positiva e disse: «Isso é normal, eu mesma já passei por isso, não tenho muitos amigos, tenho alguns amigos e está tudo certo.» Foi fatal: saiu na capa da revista ‘Não tenho nenhum amigo na escola, sofro muito bullying’. E aí os amigos da escola se voltaram contra mim dizendo que eu tinha ido para a revista falar mal deles.
Como acabou essa história?
Já estava confusa em relação à escola, sempre fui muito briguenta, às vezes tratava mal os professores…
Olhando para si, não dá para imaginar.
Bem, não era tratar mal, precisava era de algum ponto de contacto. E, às vezes, o único que encontrava era o do atrito. Sabe aquele casal que briga e que na verdade se gosta? Você às vezes gosta da pessoa e briga só para tentar senti-la, sabe, tentar que pelo menos aconteça alguma coisa entre vocês. Era isso. Queria atenção, queria exercer a minha individualidade e, às vezes, aquilo saía de um jeito estranho.
Percebo agora a definição do seu avô. Hoje, como se define?
Muito mais normal. Às vezes dou umas escorregadas, deixo-me levar, não penso mil vezes para dizer, digo e pronto.
Como lidaram os seus pais com o facto de ter saído de casa tão nova, foi tranquilo?
Não foi nada tranquilo, na verdade. Fizeram questão que morasse lá em casa, entre aspas, até ter 18 anos. Nessa altura, já passava muito tempo fora, semanas, meses até, e voltava. E a minha mãe muitas vezes ficava brava e nem falava comigo, o meu pai também. Não gostaram nada, acharam terrível. Mas nunca fizeram nada agressivo comigo, trancaram a minha porta, nada. Era uma pessoa muito difícil, sabe? Eles tinham medo, falavam: «Como é que ela, que é esse fogo ambulante, vai sobreviver no mundo?» Tinha umas ideias meio perigosas, me metia nos lugares onde não devia estar. E às vezes quebrava a cara, lógico. (risos)
Se tivesse de escolher só entre cantar, tocar ou compor, qual deles seria?
Nossa, que cruel! Sei lá. Penso que depende da fase.
Gosta mais de ser só a Mallu Magalhães ou a Mallu da Banda do Mar?
Sabe o que acontece? Tenho a mania de personificar as coisas, fico pensando ‘não posso dizer que prefiro a Mallu da Banda que, aí, a outra Mallu fica triste’. É como essa coisa de tocar, cantar ou compor, a composição ia ficar: e eu? Não gosto de escolher e de deixar alguém triste, mesmo que esse alguém não exista. (risos)
Alguma vez pensou em desistir por se sentir mal interpretada?
Várias vezes. Às vezes procuro outro ofício, fico um tempo, e depois volto a cantar. A vontade da carreira da música pode ser retomada sem a necessidade de rutura. Você dá um tempo para fazer outra coisa e respirar, e esses respiros são fundamentais. Pelo menos, para mim. Estou precisando de um agora, por acaso. Sinto que consegui cumprir um projeto muito grande, fui feliz, me sinto orgulhosa e realizada.
Está a falar da escrita de livros de crianças?
Sim. Não tenho a minha relação com a música garantida, por assim dizer, e acho que isso é bom. Cada coisa é uma conquista.
Quem é que não presta mesmo?
Uma pessoa que existe e que fez uma sacanagem muito grande, com Marcelo até. Fiquei com raiva dessa pessoa e fiz uma piada lá em casa, ‘nem vem na minha casa porque você não presta, seu malvado’. Era uma piada bem-humorada, e depois também tem o lado do ‘quem nunca’, não é?
O que significam os Coliseus, um ponto final neste álbum ou um ‘até já e obrigada’?
Até já e obrigada. Sabe como é passar a linha de chegada de uma corrida? Essa terminei, consegui, medalha. E agora… Vou descansar.