O regime de Bashar al-Assad terá feito uso generalizado de armas químicas para agora se encontrar à beira da vitória na guerra civil na Síria, segundo uma investigação conduzida pela BBC Panorama e BBC Árabe. De acordo com a investigação, o regime terá realizado, entre 2014 e 2018, não menos que 106 ataques com armas químicas contra os seus opositores, sejam grupos jihadistas ou opositores democráticos. Idlib foi a província mais atacada.
Ao longo da investigação, os jornalistas analisaram 164 relatórios de ataques químicos desde setembro de 2013, provenientes de várias fontes consideradas "imparciais" e "não envolvidas no conflito", incluindo grupos de direitos humanos, organizações humanitárias e think thanks. A metodologia da investigação, diz a BBC, "confirmada por investigadores e especialistas". Todos os ataques registados por apenas uma fonte foram descartados.
Em 2013, o presidente sírio assinou a Convenção de Armas Químicas na sequência de um ataque com armas químicas em Damasco, causando repulsa internacional. Na altura, a Casa Branca, então ocupada pelo democrata Barack Obama, ameaçou intervir diretamente no conflito. O regime sempre negou qualquer envolvimento no ataque, mas Washington e os seus aliados responsabilizaram as forças de Al-Assad.
Ao assinar o tratado internacional, Al-Assad comprometeu-se a destruir todo o arsenal químico nas mãos do regime de Damasco. "Não temos armas químicas desde que abdicámos delas em 2013", afirmou o presidente sírio no início deste ano. "É claro que não as temos". A Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês) dirigiu-se a Damasco e destruiu 1300 toneladas de armas químicas.
Entre as províncias mais visadas pelos ataques químicos encontra-se Idlib, um bastião da oposição ao regime desde o início do conflito, com mais de 25. De seguida está Hama, com 25, Alleppo, com 22, e os arredores de Damasco, com 17. O gás sarin foi usado nos ataques mais mortíferos, mas o químico mais comum (79 em 106 ataques) foi o cloro.
"O uso de armas químicas teve alguns resultados [para as forças do regime] por acreditarem que o risco vale a pena e [as armas químicas] mostraram valerem a pena por as continuarem a usar, repetidamente", afirmou Julian Tangaere, antigo responsável pela missão da OPCW na Síria.
O ataque em Khan Shaykhun, a sul da província de Idlib, a 4 de abril de 2017, foi o mais mortífero, com 86 vítimas mortais. "Estavam a tremer com espuma a sair-lhes da boca", contou Abdul Hamid Youssef, que perdeu a mulher, os seus gémeos de onze meses, dois irmãos, um primo e muitos vizinhos no ataque. "Foi aterrorizante. Foi assim que soube que tinha sido um ataque químico". Youssef contou que "15 minutos depois" todos os seus mais próximos tinham morrido. "Perdi as pessoas mais preciosas da minha vida", admitiu.
Washington acusou Damasco pelo ataque, mas o regime sírio respondeu que os relatos foram fabricados, com Moscovo a alinhar na sua defesa ao afirmar que a força áerea síria se limitou a bombardear "um depósito de munições terrorista". Em resposta, o presidente norte-americano, Donald Trump, ordenou um ataque com mísseis Tomahawk contra uma base áerea síria.
A maioria dos 106 ataques químicos contou com a utilização de aviões (51), com a BBC a afirmar acreditar que a maioria dos ataques aéreos serem da responsabilidade das forças do regime sírio, ainda que desde 2015 aviões russos se tenham dedicado a centenas de ataques aéreos. Segundo os especialistas de Direitos Humanos da ONU, relembra a BBC, não há quaisquer indicações de aviões russos terem usado armas químicas nos seus raides aéreos.
"O regime de Al-Assad é o único ator a usar armas químicas pelo ar", afirmou ao canal britânico Tobias Schneider, do Global Public Policy Institute. Opinião partilhada por Lina Khatib, responsável pelo programa para o Médio Oriente e Norte de África da Chatham House: "A maioria dos ataques com armas químicas que vemos na Síria parecem seguir um padrão que indica que foram obra do regime e dos seus aliados, e não de outros grupos na Síria". "Por vezes o regime usa armas químicas quando não tem a capacidade militar para tomar uma área com armas convencionais", acrescenta. A província de Idlib é um dos exemplos mais claros desta estratégia miltiar.