Tancos. Azeredo pode ser arguido

Ministro não resistiu ao caso do assalto aos paióis de Tancos e à ‘farsa’ do aparecimento das armas. Azeredo Lopes pode ser constituído arguido. O Ministério Público está a investigar correspondência entre o agora ex-ministro da Defesa e o ministro da Administração Interna.

O Ministério Público suspeita que o memorando entregue ao ministro da Defesa por parte do Diretor da PJ Militar em novembro não passou de um expediente para obter cobertura política, numa altura em que o próprio já tinha tido informações privilegiadas de que estava a ser investigado pelos contornos estranhos em que o material apareceu.
E a partir daí as operações de charme não terão parado. O objetivo era que todas as partes ficassem contentes com o resultado e todas fossem envolvidas. É nesse sentido que foi sugerido por Luís Augusto Vieira, diretor daquela polícia, ao Ministério da Defesa para que fosse dado um louvor aos militares da GNR, tutelados pelo Ministério da Administração Interna. No início deste ano um ofício de Azeredo Lopes foi enviado pelo seu chefe de gabinete para o seu homólogo da Administração Interna, no qual o ministro da Defesa dava conta de que tal reconhecimento tinha sido atribuído, tendo depois a informação sido transmitida ao comandante geral da GNR pelo ministro Eduardo Cabrita.
Todos estes ofícios e troca de correspondência estão a ser investigados pela Polícia Judiciária. E, ao que o SOL apurou, nas próximas semanas poderão ser constituídos novos arguidos, que os investigadores não descartam poderem ser ou ter sido membros do Governo.

Segundo a investigação, não é crível que as várias versões que a PJM foi dando sobre a investigação ao assalto de Tancos não tivessem suscitado dúvidas nos membros do Governo que tutelam os órgãos de polícia criminal envolvidos: primeiro anunciam que foi após um telefonema anónimo que desvendaram o caso, depois comunicam que o sucesso da operação se deveu a uma investigação conjunta com a GNR de Loulé. Mais tarde, viriam a explicar que não comunicaram o achamento à PJ e ao MP porque não «vislumbraram» que o material pudesse ser o de Tancos. Fonte da investigação questiona aos SOL esta versão: «Então há assim tantos furtos de armamento militar em Portugal?».
Enquanto se aguarda pelo desenrolar do processo na Justiça, certo é que o assalto a Tancos  já fez uma baixa no Governo, com a demissão de ontem do ministro da Defesa, Azeredo Lopes.

E, mesmo na Justiça, as ramificações deste caso não param, tendo sido agora extraída uma certidão para apurar quem é que avisou o diretor da PJM de que aquela polícia estava a ser investigada e sob escuta.

A desconfiança da GNR e o irritante entre a PJ e a PJM

As versões da GNR e da PJM vão em sentidos contrários. A GNR de Loulé, que colaborou com a PJM na operação de recuperação de armas, apercebeu-se a determinada altura que aquele caso estava longe de ser uma investigação normal. Costuma dizer-se que há sempre uma gota de água, nesta caso houve duas: a primeira foi quando os militares da GNR viram elementos da Polícia Judiciária civil serem proibidos de entrar em Santa Margarida logo após a recuperação do armamento; a segunda quando leram o comunicado da PJM a afirmar que a descoberta iniciou-se com uma chamada anónima – quem esteve no centro de tudo sabia que isso era uma mentira. E esse foi o motivo que levou os militares da GNR a recusarem o louvor que lhes tinha sido atribuído.

Logo após o assalto a Tancos, os ânimos entre a PJM e a PJ começaram a aquecer, com a primeira a sentir-se posta de lado na investigação em curso e a acusar nos bastidores a Judiciária civil de nada ter feito quando recebeu uma denúncia a avisar que este assalto poderia vir a acontecer – apesar de a PJ ter feito algumas diligências e ter informado a própria PJM. Um dos episódios que mais marcou esta guerra foi o facto de a PJ ter dito que iria encontrar-se com um informador no Algarve, não deixando que elementos da PJM acompanhassem a diligência – o informador era Paulo Lemos, conhecido como ‘Fechaduras’.

A partir daí, segundo o SOL apurou, os investigadores da Judiciária Militar tentaram contornar os colegas da polícia civil e chegar a este homem, que foi convidado para fazer o assalto e não terá aceitado. É no decurso dessas investidas que entram em contacto com a GNR de Loulé, dado que se tratava de alguém que vive Algarve e que já tinha cadastro criminal. Quando a informação chega a Loulé, o militar Bruno Ataíde faz saber que mantém contacto com um ex-colega dos Fuzileiros que pode ajudar a chegar até ao ‘Fechaduras’.

O antigo colega do militar é João Paulino, o arguido suspeito de ser o principal responsável pelo roubo das armas de Tancos. Ao SOL, fontes conhecedoras da investigação contam que, na conversa, Paulino terá querido saber qual o motivo por que queriam chegar até ao ‘Fechaduras’, tendo-lhe sido dito que estava em causa um roubo de armas, algo que estava a circular na comunicação social.

Quando se viu encurralado e percebeu que as autoridades já estavam a chegar muito perto de si – até porque o informador da PJ sabia que tinha sido ele o responsável pelo assalto –, Paulino pede para falar com o seu ex-colega pedindo para que em troca da restituição das armas nada lhe aconteça – apesar de nunca ter dito que era o autor do roubo, apenas que sabia como chegar até ao armamento.

Depois de um primeiro encontro a sós com Bruno Ataíde, na segunda reunião esteve presente também o superior do militar, o sargento Caetano Domingos Lima Santos. A GNR, que tem afirmado que pensava estar a trabalhar no âmbito de um inquérito normal, terá passado as informações à PJM, dizendo que só poderia continuar as diligências se tudo fosse tramitado por via oficial. Esse pedido de coadjuvação formal acabou por chegar via tenente coronel Luís Sequeira, chefe da secção de investigação criminal da GNR de Faro – que por sua vez terá recebido tais ordens   do então comandante Ticiano, da divisão de investigação criminal de Lisboa da GNR (que duas semanas antes das detenções foi substituído pelo coronel Marques).

As outras colaborações pedidas a Loulé 

À distância, os militares da GNR de Loulé suspeitam ainda que a PJM do Porto tenha pedido colaboração em outros casos nesta altura apenas para disfarçar e não parecer que Tancos se tratava de um caso isolado, conforme consta no registo de entrada e saída de viaturas a que SOL teve acesso: é o caso de um pedido de ajuda para localizar uma carrinha suspeita do roubo de armas e ainda do pedido de colaboração num inquérito de roubo de óculos a militares. 
Segundo tem sido dito ao juiz de instrução João Bártolo pelos militares da GNR, todas as entradas e saídas de veículos de serviço daquele órgão de polícia criminal foram registadas de forma oficial com a indicação de que se tratava de uma colaboração com a PJM (ver documento ao lado), defendendo assim que nunca foi objetivo da GNR camuflar o que quer que fosse.

Durante a investigação, apurou o SOL, Paulino começou por dar pistas erradas, apontando que as armas poderiam estar junto a uma barragem na zona de Ansião, o que terá levado o major da PJM Roberto Pinto da Costa a solicitar apoio a António Quadrado, comandante da Grupo de Intervenção e Operações Especiais da GNR, para que este pusesse no terreno meios que pudessem ajudar à deteção do armamento de guerra.

Um mês após a descoberta das armas – que dados os contornos estranhos deu origem a um novo inquérito, investigado pela PJ –, foi entregue ao ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes um memorando pelo coronel Luís Vieira (que nessa altura já teria sido informado que estava a ser investigado) em que se referia que a operação de recuperação das armas tinha encoberto o principal responsável.

«O informador da PJM diz que terá de ser feita uma chamada anónima da Margem Sul de um local que possa ser identificado» – lê-se no memorando. Na sequência deste acordo, Vasco Brazão, ex-porta-voz da PJM, deu «ordem a um militar seu para às 3h da manhã fazer uma chamada para o piquete, que nesse dia era o próprio major Brazão», segundo refere também o documento. 

O ‘pedido de cobertura’ ao Ministério da Defesa

Para a investigação, a entrega de um memorando com a descrição de tudo o que aconteceu ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes só tinha uma intenção, que de início foi bem sucedida: que a farsa tivesse proteção política.

A partir deste momento, sabiam que tudo o que acontecesse na investigação da PJ civil teriam sempre o resguardo de ter informado a tutela do que tinha acontecido. E justificaram desde logo que tudo fora feito em nome do interesse nacional.

Era, no entanto, preciso envolver os elementos da GNR de Loulé, que já há muito andavam desconfiados. E é nesse sentido que, em dezembro, Roberto Pinto da Costa faz uma chamada para um colega, que foi alvo de escuta, a dizer que ele tinha de falar com os «amigos do Algarve» para manterem a mesma versão.

E aí é marcado um almoço em Loulé, onde estavam elementos da GNR e da PJM, que estava a ser filmado ao longe pela PJ. Em paralelo, os restantes elementos da GNR que não tinham ido ao almoço e que estavam desconfiados também estavam a vigiar o encontro e captaram as próprias vigilâncias da PJ civil.