A queixa que a advogada da Bragaparques, Rita Matias, apresentou na Ordem dos Advogados contra Ricardo Sá Fernandes acerca de gravações de conversas que este teve com Domingos Névoa, administrador da Bragaparques – uma delas considerada pela Justiça ilegal por ter sido feita sem autorização – foi arquivada pela Ordem dos Advogados, mais de 12 anos depois.
O arquivamento é justificado com o facto de as alegadas infrações já terem prescrito – durante estes anos houve três decisões favoráveis a Sá Fernandes, mas a advogada não se contentou e recorreu sempre.
O caso começou em 2006, quando Rita Matias entregou uma queixa no conselho de deontologia da Ordem. A queixa dava conta de que Domingos Névoa tinha sido gravado sem o consentimento do próprio em conversas que tivera com o advogado Ricardo Sá Fernandes – seu colega de escritório e que tinha uma procuração de José Sá Fernandes (irmão) na ação popular que este interpusera no âmbito do processo de venda à Bragaparques de um lote da Feira Popular e da permuta de outro pelo Parque Mayer. Ou seja, apesar de serem do mesmo escritório, defendiam interesses contrários no caso que ficou conhecido como Bragaparques. Sá Fernandes justificava sempre a sua decisão, referindo que Domingos Névoa tentou travar a ação popular a troco de contrapartidas financeiras, uma versão oposta à de Domingos Névoa.
O Supremo condenou, em 2012, Domingos Névoa a uma pena suspensa mediante o pagamento de 200 mil euros, mas o crime de corrupção acabou por prescrever e, por isso, não houve consequências. No ano seguinte, Sá Fernandes foi condenado ao pagamento de 1200 euros por ter feito uma das gravações de forma ilegal (o caso está agora no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem).
Nessa altura, porém, o processo disciplinar que já corria na Ordem dos Advogados há seis anos estava longe de ver o seu fim. Apesar de a participação ter sido feita logo após as gravações, a Ordem demorou mais de 12 anos até tomar uma decisão definitiva – porque as que foi tomando eram passíveis de recurso.
«Decorreram desde a participação disciplinar apresentada pela recorrente, dra. Rita Matias, até à presente data, 12 anos e 4 meses, e do alegado ilícito, 12 anos e 8 meses. […] O tempo decorrido obriga necessariamente a que se proceda à análise da eventual prescrição do procedimento disciplinar, pelas infrações alegadamente cometidas até àquela data», refere o parecer de arquivamento da Ordem. O documento conclui: «Face às razões acima aduzidas, julgando verificada a prescrição do procedimento disciplinar contra o senhor advogado participado/recorrido, determina-se o arquivamento do processo».
A Ordem dos Advogados, contactada pelo SOL, disse que «a disciplina dos advogados é assegurada» pelo Conselho de Deontologia (CD) e pelo Conselho Superior (CS). Por isso, o tempo de duração dos processos varia em cada órgão, não havendo «qualquer estudo de duração média por órgão disciplinar ou no conjunto dos mesmos».
Quanto a este caso específico, explicou que das deliberações tomadas pelo CD Lisboa – usado como órgão de 1.ª instância – eram interpostos recursos por parte do CS – usado como órgão de recurso -, e daí a demora na decisão.
Contactada na semana passada pelo i, Rita Matias não quis prestar declarações, tendo sido o seu advogado, João Correia, a reagir: «No melhor pano cai a nódoa». «É impensável que a Ordem dos Advogados tenha uma conduta grosseiramente negligente relativamente a um procedimento disciplinar com esta importância e com este relevo», disse , adiantando que a Ordem foi «devidamente advertida em sede de recurso para impedir com a sua conduta qualquer prescrição».
João Correia falou mesmo em «condutas homicidas e de negligência grave de alguns conselheiros que têm funções disciplinares», referindo «que eles próprios praticaram infrações disciplinares». E deixou claro que a Ordem será «acionada nos tribunais» pela sua conduta.
Por seu lado, Sá Fernandes salientou ao i: «A Ordem por três vezes se pronunciou sobre a inexistência de qualquer infração da minha parte. A outra parte não parou de recorrer e por isso chegámos aqui».