Zárraga. Retrato do artista enquanto futebolista

Nascido em Victoria de Durango, novale do Guadiana, a norte do México, Zárraga foi, indiscutivelmente, o grande pintor do futebol. Futurista, dedicou-se a retratar mulheres futebolistas. A sua primeira esposa serviu de modelo. Bem como a de Diego Rivera. 

Não se pode dizer que o futebol, nas suas duas vertentes, râguebi e association, seja um tema querido de muitos artistas plásticos. Ainda menos de pintores. Angél Zárraga é uma exceção: honrosíssima exceção! Assim mesmo, com ponto de exclamação.

Ángel Zárraga y Arguelles nasceu em Victoria de Durango, no Vale do Guadiana, no norte do México, no dia 16 de agosto de 1886, e foi membro da organização cultural Ateneo de la Juventud, depois de ter sido aluno da Escuela Nacional de las Bellas Artes. Filho do médico Fernando Zárraga, pode dizer-se que foi um menino mimado e viveu uma adolescência plena de tudo o que foi desejando. Os pais alimentaram a sua tendência artística e mandaram-no ainda muito novo para a Europa de forma a poder ter contacto com vários pintores do início do século passado. O seu talento foi reconhecido em Espanha e, em 1906, conseguiu mesmo ser exposto no Museu do Prado, em Madrid. No seu caso pessoal, pode considerar-se uma vitória.

Zárraga é considerado universalmente como o primeiro grande pintor de futebol, na senda do italiano Umberto Boccioni que, em 1913, terminou um quadro que levava o título de Dinamismo de um Futebolista. 

Vivendo em Paris de 1911 a 1941, Angél Zárraga foi influenciado por Cézanne e Giotto. E dedicou-se durante um largo período da sua carreira a usar mulheres que conhecia como modelos para um tema muito particular dentro da sua obra: senhoras futebolistas. De alguma forma, foi um futurista já que que o futebol feminino não era particularmente bem visto na altura. A sua primeira mulher, por exemplo, Jeanette Ivanoff, surge no quadro Mujeres Futbolistas; Angelina Belfo, que foi casada com Diego Rivera, o grande pintor mexicano, que viveu com Frida Khalo, é La Futbolista Rubia, a par de outra tela titulada como La Futbolista Morena. Já o seu primo Ramón Novarro, que se destacou como ator em Hollywood e teve papel de destaque no histórico Ben Hur, foi retratado com uma bola nas mãos.

Ao contrário do que se possa pensar, a obra futebolística de Zárraga teve uma grande aceitação entre os seus colegas. E uma crítica parisiense escreveu sobre uma das suas exposições: «Na rotina dos tempos, quando a vida moderna nos oferece contínuas imagens de máquinas em ação, apenas um pintor, Ángel Zárraga, foi capaz de interpretar a beleza dos movimentos desportivos”.

Não foi o único

Se a literatura latino-americana adotou o futebol como tema, a pintura não fez o mesmo. Zárraga, no entanto, não foi o único a entrar por esse caminho pouco percorrido. Outro mexicano, Francisco Toledo, é autor de um quadro chamado El Futbolista, uma deriva no seu estilo essencialmente virado para o erotismo. O chileno Claudio Bravo também não ficou alheio à temática e a sua pintura perfeccionista, quase fotográfica, registou igualmente cenas do quotidiano do jogo inventado pelos ingleses. Curiosamente, desceu aos balneários. Isto é, retratou cenas nas quais os jogadores se preparam para entrar em campo, compondo os equipamentos ou calçando as chuteiras.

Mais dois mexicanos traçaram o percurso de Zárraga: Alejandro Colunga e Miguel Ángel López. Este último, apaixonado pelo grotesco, desenhou partidas de futebol entre cães, demónios e seres indescritíveis. Enrique Echeverria, outro mexicano, um dos mais considerados pintores contemporâneos do país, tem como obra-prima Los Futbolistas: «Um quadro em estilo cubista em que os planos se misturam e se entrecruzam».

Mas não houve outro como Zárraga!

Sofrendo de crises depressivas, passou a maior parte do final da sua carreira a pintar temas religiosos. A II Grande Guerra fê-lo abandonar Paris e obrigou-o a regressar ao México. Dedicou-se aos murais. Viria a morrer de pneumonia, em 1946. Tinha o futebol entranhado na alma. E firmava-o seguro entre óleos e telas.