Os desafios da ministra da Saúde

Marta Temido entra no Governo numa altura em que o OE 2019 promete uma verba maior para a saúde, mas há várias batalhas deixadas por Campos Fernandes que terá de travar.

Marta Temido, a nova responsável pela pasta da Saúde, chega ao Ministério com um reforço de 523 milhões de euros previsto no Orçamento do Estado 2019, mas terá de enfrentar vários desafios.

Uma das mais duras batalhas que a nova ministra tem a travar é o descontentamento generalizado dos profissionais de saúde, desde as classes médica e enfermeira até aos técnicos de diagnóstico e terapêutica e aos assistentes operacionais, que ao longo dos últimos três anos – e no último ano, em especial – protagonizaram diversas paralisações.

O exemplo mais recente é o dos enfermeiros, que na última semana voltaram a cumprir mais uma greve, que se estendeu por seis dias e culminou ontem numa manifestação junto ao Ministério da Saúde. As revindicações são as mesmas que, desde março, têm estado na base das negociações com o Governo: a revisão da tabela salarial e da carreira.

Com os médicos, Marta Temido também não vai ter tarefa facilitada. Nos últimos meses, a falta de pessoal e condições precárias ao nível de instalações e equipamentos marcaram as reivindicações dos médicos e levaram mesmo, em vários hospitais do país – como foi o caso do Hospital de São José, Maternidade Alfredo da Costa e Hospital Amadora-Sintra e, já este mês, o Hospital de Gaia, entre outros -, a pedidos de demissão por parte de chefes de serviço e diretores. 

Publicamente, Adalberto Campos Fernandes reiterou a ideia de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS),  desde a entrada deste Executivo, já ganhou «mais de nove mil profissionais».

Outro problema que ensombra o SNS  é o subfinanciamento – de que as dívidas a fornecedores são o exemplo mais gritante. Apesar de reconhecer a falta de verbas, a posição do ministro foi sempre de enfatizar os investimentos feitos. Recentemente, à margem do lançamento de uma nova estratégia da tutela, Adalberto Campos Fernandes voltou ao tópico: «Falta-nos muito investimento ainda». «Estamos, um pouco por todo o país, finalmente, a ter intervenções nas infraestruturas e equipamentos. Estamos atrasados dez anos e temos muitos exemplos de como, dez anos depois, nos lamentamos do tempo perdido», disse, lembrando contudo os investimentos em curso, como o novo hospital central do Alentejo, o hospital de Sintra, o do Seixal, o hospital da Madeira – com comparticipação do Governo central – e o hospital de Lisboa Oriental.

Também os tempos de espera continuam a ser um problema – que pode vir a conhecer melhorias, segundo a proposta do OE 2019 para a Saúde. O Governo compromete-se com a «redefinição dos tempos máximos de resposta garantidos para todo o tipo de prestação de saúde sem caráter de urgência, que representam alterações significativas ao nível da definição de tempos de espera nos cuidados de saúde primários, redução dos tempos máximos em algumas áreas de cuidados hospitalares e introdução de tempos de espera» para exames.

Um tema que marcou pela negativa o mandato de Adalberto Campos Fernandes foi a transferência da sede do Infarmed de Lisboa para o Porto, mas esse já não será um assunto da responsabilidade da nova ministra – no final de setembro, ouvido na comissão de Saúde, o ainda ministro avançou que a decisão caberia afinal à comissão da Assembleia da República responsável por acompanhar os processos de descentralização dos serviços públicos.

Na sua alçada Marta Temido tem, sim, a badalada Lei de Bases da Saúde – cuja discussão em Conselho de Ministros estava prevista para o passado dia 20 de setembro, mas acabou por ser adiada pelo antigo ministro da Saúde, que justificou que o Governo quer cruzar a matéria com vários ministérios.

Nos cuidados continuados, pendente continua ainda o estatuto do cuidador informal e o reforço de camas feito por Campos Fernandes não colmatou as necessidades existentes.

A ministra terá ainda de lidar com as conhecidas disparidades na saúde praticada no norte e no sul do país. O retrato mais recente do Tribunal de Contas remonta a julho e dá conta de que existem mais tempos de espera, maiores custos por doente e menor produtividade no Centro Hospitalar de Lisboa Norte do que no Centro Hospitalar de São João. «Se o Centro Hospitalar Lisboa Norte alcançasse custos por doente padrão iguais aos do Centro Hospitalar de São João, teria obtido [em 2014-2016] uma poupança de 211 milhões de euros», lê-se no relatório da auditoria. Este mês, ficou ainda a saber-se que os doentes com enfarte agudo do miocárdio tratados em hospitais públicos de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo ou Algarve têm um risco de mortalidade superior em 30% do que aqueles que são acompanhados em hospitais localizados no Norte do país. A conclusão é de um estudo da investigadora Mariana Lobo do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

Estratégias 

São várias as estratégias em que Adalberto Campos Fernandes apostou durante o tempo que tutelou a Saúde e cujo testemunho passa agora para a nova ministra.

A reforma nos cuidados de saúde primários é uma delas. O objetivo no início da legislatura era a criação de 100 Unidades de Saúde Familiares durante os quatro anos de funções do Governo e parece que Marta Temido não terá muito mais a fazer para o cumprir. Já este mês, durante a inauguração de um dos últimos centros de saúde a serem criados – o de Vilar de Andorinho (concelho de Vila Nova de Gaia) -, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde avançou que o Governo vai inaugurar quatro centros de saúde até ao final do ano e cinco em 2019 no Norte do país – contas feitas, segundo Fernando Araújo, «no final deste ano faltarão apenas 13 [das 100 prometidas]».

Em setembro, o ministério da Saúde lançou um programa em parceria com as autarquias que promete consultas com médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde em todos os municípios até 2020. Marta Temido terá de garantir «a criação de, pelo menos, um gabinete de saúde oral por agrupamento de centros de saúde (ACES) até ao final da presente legislatura», divulgou a tutela na altura. Fernando Araújo explicou na cerimónia de lançamento que «o objetivo é ter, a 30 de junho de 2019, cerca de 30% dos municípios abrangidos» e 60% até ao final do ano, algo que, de resto, está previsto na proposta da Saúde do Orçamento de Estado 2019.

A aposta nos cuidados de saúde primários tem passado também pela saúde mental. Este mês, a tutela iniciou a contratação de 40 psicólogos, um número que continua a ser insuficiente, admitiu o ex-ministro. Em falta ficarão ainda entre 80 e 90 profissionais para que «as necessidades mínimas fiquem asseguradas», reconheceu na altura.