#Elesnão. “Para mim votar no Haddad é como votar no Bolsonaro”

De hashtag em hashtag, o Brasil é um país polarizado entre a rejeição ao PT e a Haddad a Bolsonaro. Sabrina Korman, uma publicitária de 38 anos que se tornou viral no primeiro turno, está entre os 10% que no domingo se vão manter neutros, do lado dos protestos nas urnas

Se #elenão para Jair Bolsonaro, mas Haddad também não, qual é a solução no próximo domingo, dia de segunda volta das presidenciais brasileiras? O que escolher entre Fernando Haddad – candidato de um PT mergulhado em escândalos de corrupção e que deixou, nos anos de Dilma, a economia brasileira em recessão – e Jair Bolsonaro – militar na reserva para o qual não são necessárias reservas em apelidar de racista, misógino, homofóbico, saudoso dos tempos da ditadura militar e em relação ao qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem sido criticado por não declarar apoio a Haddad, tem mostrado preocupação?

A solução é o protesto para 10% dos eleitores brasileiros, segundo as últimas sondagens do Datafolha, divulgadas sexta-feira, realizadas ainda antes de mais um escândalo – agora com o WhatsApp e para o lado de Bolsonaro, que deu já a hashtag #caixa2debolsonaro. Não o protesto contra um ou contra o outro candidato, como os que no sábado se fizeram nas ruas das cidades brasileiras. O protesto do voto branco ou nulo. Nesses 10% poderia estar a possibilidade do candidato do PT de reverter a tendência para a qual têm apontado as sondagens que dão a vitória ao candidato do Partido Social Liberal (com nulos e brancos ainda contabilizados, dá 48,8 para Bolsonaro e 36,7% de Haddad; só contando votos válidos , dá 57% a 43%). Mas, para muitos brasileiros, o mal maior não justifica o voto no mal menor.

A 7 de outubro, o dia da primeira volta, a resposta ao “então quem?” era clara para Sabrina Korman, publicitária freelancer paulista, de 38 anos. “Fiquei muito tempo, muito tempo mesmo, pesquisando as propostas de todos os candidatos e acho que pela primeira vez em muitos anos a gente tinha candidatos maravilhosos em quem votar.” O seu candidato era João Amoêdo, do recém-fundado partido Novo, que ganhou destaque mediático por abdicar do financiamento público para a campanha. “O Amoêdo é um candidato que teve uma rejeição grande por ser banqueiro. Sinceramente não vejo problema nenhum nisso. O currículo dele é impecável e o programa tinha uma imersão na questão da educação que realmente acho a única saída para o nosso país. A única. De que adianta ter governos que dão livre acesso ao crédito, ou governos que investem no social, mas que não investem na educação?”

Isto é sobre a governação do PT? “Estou falando de todo o mundo que já passou [pelo poder] aqui. É estar chovendo no molhado. Ou enxugando gelo como se diz numa outra expressão. Não adianta você tentar mudar as coisas onde elas estão erradas da base”, refere a publicitária.

No dia 7, Sabrina partilhou um vídeo que se tornou viral no Facebook em que denunciava o facto de não ter conseguido votar. Quando chegou à sua secção de voto, no Colégio Palmares, em Pinheiros, um bairro de classe média e média alta da zona oeste de São Paulo, já alguém tinha votado em seu nome. “Tentei falar com o pessoal do Cartório Eleitoral e me rechaçaram, chamei a polícia e a polícia também não veio. Ninguém fez nada, ficou assim. É revoltante. Foi bem triste.”

 

Uma tomada de posição

Mais triste do que isso é que no próximo domingo não terá em quem votar. Amoêdo não passou, Marina Silva, da Rede, cujo candidato a vice era Eduardo Jorge, outro candidato em quem acredita, ficou-se por 1% dos votos. Um décimo do número de brasileiros que no domingo deverão votar branco ou nulo, numa percentagem acima do que vem sendo habitual nos atos eleitorais ao longo dos anos. 

“Vou votar nulo porque votar nulo é assumir uma posição política. É falar ‘não concordo’. Não gosto do Ciro Gomes, acho que ele e o Bolsonaro são parecidos porque o Ciro também é misógino. Mas se tivesse dado Ciro e Bolsonaro eu votaria. Eu votaria em qualquer pessoa contra o Bolsonaro. Não voto é no PT.”

Voltando a Eduardo Jorge: “Ele fala uma coisa que é bem verdade: o Bolsonaro é um produto do PT e o PT é um produto do Bolsonaro. A gente chegou num ponto aqui no Brasil em que as coisas estão muito difíceis. Não só na educação, como na segurança e na economia. O país está quebrado, e justamente porque tivemos governos que deram livre acesso ao crédito sem ensinarem as pessoas sobre como fazer as coisas. As pessoas se endividaram. A gente está a viver um momento muito delicado e é lógico que tem a ver com a economia, mas também tem a ver com as pessoas não terem tido uma boa educação de base. De que adianta você fazer o ProUni e o FIES, os programas de auxílio universitário, se você está investindo em pessoas que não tiveram uma formação que dê para elas a possibilidade de acompanharem um curso universitário?” 

Haddad, em São Paulo, que governou como prefeito entre janeiro de 2013 e janeiro de 2017, quando perdeu para João Doria, do PSD (Partido da Social Democracia Brasileira): “Ele tinha muita vontade de fazer coisas boas, mas pouco tempo para colocá-las em prática, então acho que acabou metendo os pés pelas mãos. Muitas políticas que poderiam ter sido maravilhosas foram implementadas de qualquer jeito. Ele falava muito que ia criar vaga em creche, vaga em creche, e vejo muitas pessoas reclamando que não têm onde deixar os filhos. Pessoas de classe média baixa para baixo. Alguma coisa deu errado, não é? Mas acho que ele não é uma má pessoa. Acho que o Haddad em qualquer outro partido teria ido bem.”

 

Se ficar o bicho pega, se correr…

O problema é o PT. O problema, é um problema de consciência: “Se votar no Haddad, vou estar votando no Lula, na Maria do Rosário, vou estar votando no Dirceu, no Genoino, na Gleisi Hoffmann, vou estar votando em tudo o que não acredito. Em tudo o que não presta. Me nego a votar numa pessoa que tem tudo isso por trás. Para mim, votar no Haddad fica proporcional a votar no Bolsonaro. Ou vou estar votando num nazista, fascista, xenófobo, racista preconceituoso, claramente a favor do desmatamento da Amazónia, ou vou estar votando numa gangue de bandidos. Se o Haddad ganhar, a economia termina de ir para o buraco.”

Sabrina, que trabalha como freelancer, nota que não ganha o mesmo que ganhava quando Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez para a Presidência do Brasil, antes de o país ter mergulhado numa recessão. “Antigamente tinha fila de espera, não ficava sem trabalho. Agora tem um mês ou outro em que fico sem trabalhar. E quando tem trabalho já não é tão bem remunerado quanto era, é uns 20% abaixo.”

Para lá das questões económicas, não vê Bolsonaro como um perigo para a democracia brasileira? Voltamos a Fernando Henrique Cardoso, há dias, no Twitter: “Com a provável eleição de Bolsonaro, precisaremos mais ainda de defensores da democracia, para impedir que ele (ou quem vier a vencer) tente sair do rumo constitucional.”

Aí, Sabrina traz o outro lado da questão: “As pessoas falam que se não voto em ninguém estou sendo omissa com os meus amigos gays porque o Bolsonaro vai matar todo o mundo. O que eu acho é que o Bolsonaro é só uma desculpa para as pessoas mostrarem o que têm de mais horrível dentro delas. Antes do Bolsonaro já se espancava gay, antes do Bolsonaro já havia preconceito contra o nordestino. As pessoas estão simplesmente mostrando o quão horríveis elas são com a chancela de um imbecil na frente delas. É só isso. Se estão fazendo tudo isso, é porque já acreditavam nisso. Estão só mostrando.”

A minha análise política do momento é que esse é o pior cenário que a gente poderia ter tido.” Fala de uma segunda volta disputada entre Haddad e Bolsonaro. “Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Acho que ambos vão ser uma catástrofe e por isso eu lavo as minhas mãos. Não vou sujar as minhas mãos nem com o sangue do Bolsonaro nem com a burrice do PT.”