O Arsenal! O grande Arsenal de Londres, como então se dizia, vinha a Portugal! Que notícia encantadora para os amantes do futebol. Ainda se sentiam as sequelas da II Grande Guerra, poucos eram os países onde o jogo estava absolutamente profissionalizado. Os mestres ingleses impunham o seu prestígio que só viria a ser brutalmente abalado dois anos mais tarde, no Mundial de 1950, no Brasil, quando se viram anedoticamente derrotados pelos Estados Unidos. Ainda por cima, quando se falava do Arsenal, falava-se de Herbert Chapman, o homem que inventara a tática do WM que revolucionara por completo o desenvolvimento do futebol.
Não admira que a notícia fosse festiva, nas páginas dos jornais de 2 de maio de 1948, já lá vão 70 anos: «Chegaram hoje, às 3 e 30, ao aeroporto de Lisboa, os jogadores do Arsenal que jogam amanhã no Estádio Nacional com o Sport Lisboa e Benfica, a convite deste clube e do nosso prezado colega O Século. Mostravam-se satisfeitos, apesar da má viagem, pois o avião foi apanhado por violento temporal. O orientador e dirigente do Arsenal, sr. Tom Whittaker, declarou aos jornalistas que o seu grupo espera que o público português fique bem impressionado com ele, pois há de corresponder à fama de que goza, de contrário não se teria deslocado».
A viagem do Arsenal ficaria para sempre marcada na história do futebol português mas não por esse jogo do Estádio Nacional. Já lá vamos, já lá vamos…
«Benfica-Arsenal – Um sensacional encontro num sensacional relato», podia ler-se noutra local da imprensa do dia. E continuava: «3 de maio de 1948, 17h45, Rádio Renascença, Ondas Médias de Lisboa e Porto e Onda Curta CS2 WD (48.7 m.). Por todos os ouvintes serão sorteados três interessantíssimos prémios. 1.º prémio: Uma Balança INCA. 2.º prémio: Uma Máquina Universal ROCO. 3.º prémio: Uma máquina fotográfica de caixa formato 6×9, dos Est. SIDA».
Aos 6 minutos de jogo já o Arsenal batia o Benfica por 1-0 numa cabeçada bem medida de Roper. O público no Jamor e os ouvintes da Renascença não estranhavam. Afinal os ingleses eram os reis do jogo aéreo. Havia, isso sim, que admirá-los em toda a sua classe. Tavares da Silva, um dos grandes jornalistas nacionais, não poupou nos elogios: «Esta jogada de paladar foi o começo. Depois, outras se seguiram, com a cabeça ou com os pés, golpes maravilhosos de pormenor numa série interminável, enquadrados no futebol de team, ou de conjunto. E vimos futebol de qualidade, na teia de passagens ordenadas, tudo feito com sobriedade, nem um passo a mais nem a menos, em contraste com o jogo português de energia e entusiasmo, em força e aos repelões».
Nada a opor, portanto, à vitória dos londrinos. Quatro-a-zero: «O Benfica sofreu quatro bolas e fez figura digna: batalhou dentro da sua maneira, insistiu e reagiu, procurou libertar-se do colete de forças do Arsenal!».
Não conseguiu. A diferença fora clara.
Três dias mais tarde
No dia 7 de maio, muitas lojas fecharam as portas para que os seus proprietários pudessem deslocar-se ao Estádio do Lima e ver jogadores como Lagie, James, Forbes, McPherson, Macauly ou Mercer.
A vitória do FC Porto sobre o campeão de Inglaterra permanece, ainda hoje, como um feito memorável. Os gritos de então ainda hoje são audíveis e a sua justiça inquestionável: «Honra para o futebol português. A classe do Arsenal não fica diminuída, sem dúvida, mas a certeza de que o nosso futebol tem valor demonstra-o esta grande vitória do primeiro clube do norte e um dos mais populares do nosso país. Bater por três vezes, chegando a 3-0, a melhor defesa de Inglaterra, a ‘defesa de ferro’, tem direito a realce especial, de mais a mais sabendo-se que o árbitro veio da Grã Bretanha e não fez nada a favor dos campeões portuenses. Para mais, ao FC Porto, faltaram dois excelentes jogadores: Vítor Guilhar e Carvalho».
Verdade seja dita, o Arsenal também viajara para Portugal amputado da categoria dos irmãos Compton, Leslie e Denis.
Aos 9 minutos, Araújo teve um laivo de inglês: chutou de longe, muito longe, e a bola entrou como um bólide na baliza de George Swindin. Até ao intervalo, mais dois golos, da autoria de Correia Dias. 25 mil pessoas deliravam com o espetáculo a que estavam a assistir.
O Arsenal surgiu revoltado para a segunda parte. Rooke entrou para o lugar de Lewis e Bryn Jones para o de Alex Forbes. A visão do técnico londrino foi de truz: um golo para cada um deles.
Uma atmosfera elétrica perpassou pelas bancadas do Lima. A vitória era possível e estava ali ao estender da mão. Barrigana multiplicava-se em defesas extraordinárias, o FC Porto aguentava bravamente a retaguarda. Vergílio e Romão tornaram-se imponentes.
Eladio Vasheto, argentino, treinador portista levara os seus jogadores a Lisboa, de comboio, para que pudessem ver ao vivo o Arsenal contra o Benfica. Explicou-lhes tudo. A sua vivacidade deu resultado. A vitória sobre o campeão inglês jamais entraria na maldição do olvido.