Coragem – Mar da Póvoa de Varzim

A vida e a história da comunidade de pescadores da Póvoa fundem-se e confundem-se com o mar

«Só tendo a morte quase certa é que o poveiro não vai ao mar. Aqui o homem é acima de tudo pescador. Depende do mar e vive do mar: cria-se no barco e entranha-se de salitre». – Descreve assim, Raul Brandão, os pescadores da Póvoa de Varzim, no seu magnífico livro Os Pescadores.

Não é um mito. É a verdade. A vida e a história da comunidade de pescadores da Póvoa fundem-se e confundem-se com o mar. O mar é a origem de tudo. É o local onde o pescador arrisca a vida para a salvar, pois é o mar que proporciona o alimento que sustenta a sua família.

Na Póvoa, esta forma de vida de total dependência do mar e de permanente tensão com os elementos da natureza moldou as pessoas e criou uma comunidade marítima com uma cultura própria a que, sociologicamente, pela sua autonomia e pelos fortes laços de família e de vizinhança, foi dado o nome de ‘colmeia poveira’. Desde marcas (siglas) que funcionam como assinatura, a alcunhas, ao uso de embarcações típicas (lancha poveira), à existência de tradições culturais e religiosas intensas, são inúmeros os sinais que testemunham a identidade desta comunidade, alguns deles ainda hoje presentes no dia-a-dia da cidade.

O mar, em Portugal, sempre teve um temperamento difícil, a sua raiva transformada em grandes ondas e fortes correntes, é um perigo constante. Durante séculos, a atividade piscatória não teve qualquer apoio de retaguarda quanto à salvaguarda da vida humana no mar. Para se manter viva, dependia de si própria e da sorte. Só no final do século XIX, após várias tragédias no mar, é que nasce o Instituto de Socorros a Náufragos. Neste contexto de ausência de sistema de salvaguarda da vida humana no mar, a ‘colmeia poveira’, gerou muitos heróis pescadores-salva-vidas, dos quais se destaca José Rodrigues Maio, conhecido por ‘Cego do Maio’.

Maio era um pescador valente, humilde e muito corajoso. Todos os relatos existentes reforçam estas características deste ilustre poveiro considerado um herói nacional. O facto de se lançar ao mar sem medir o perigo e de ter uma marca na vista fez com que fosse ‘rebatizado’ pela comunidade piscatória como ‘Cego do Maio’. Por ter salvo mais de 80 vidas no mar, foi galardoado com a mais alta condecoração do Estado, o Colar de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e a medalha de ouro da Real Sociedade Humanitária do Porto, colocadas pessoalmente pelo Rei D. Luís I.

Filho da ‘colmeia poveira’, nascido há 200 anos, ainda hoje é o herói mais presente na vida da cidade. Não há poveiro que não o conheça. A Marinha, ao denominar de ‘Cego do Maio’, o projeto nacional criado, este ano, para unir ainda mais os esforços da Marinha com as entidades da sociedade civil interessadas em ajudar à melhoria da salvaguarda da vida humana no mar, não só presta uma justa homenagem a José Rodrigues Maio e a todos os pescadores-salva-vidas do país, como nos relembra que, no mar, de entre todas as características humanas, a mais importante é mesmo a coragem.

Sócio da PwC