Só assim se compreendem os ziguezagues estonteantes dos seus atores mais proeminentes, com relevo para a ‘coordenadora’ Catarina Martins, que terá conseguido convencer os seus prosélitos no partido a votarem, sem pestanejar, a favor do Orçamento do Estado.
No mesmo dia em que Catarina exibiu o enxoval desejado para o ‘casamento’ com o Governo, explicando-o com uma doce candura, Rui Rio saiu de uma apatia prolongada, arregaçou as mangas do economista e anunciou que o PSD iria votar contra «a orgia orçamental», acusando o documento de «manter a carga fiscal nos máximos históricos de sempre».
Ou seja, o país vai continuar a ter um crescimento anémico e será, em 2019, o sexto pior no conjunto dos 28 da União Europeia, «devido a uma política de chapa ganha, chapa batida».
Rio ‘saiu-se da casca’ e obrigou Catarina a vir em socorro de António Costa. Não deixa de ser surpreendente um partido, dantes contestatário – que se encanitava dentro e fora do Parlamento contra a Europa e o euro, fazendo da berrata o seu modo de vida –, mostrar-se agora dócil e completamente domesticado, pronto a espreguiçar-se e a adormecer no regaço de Costa.
De partido radical, o BE quer parecer bem comportado, exceto nas questões fraturantes de género e de costumes, que são a sua seiva vital.
A explicação mais benevolente para esta conversão de Catarina poderá estar na sua suspeita de que o PS precisará do Bloco para ter maioria no Parlamento.
Ao contrário, o reaparecimento de Rio poderá significar que já percebeu «a aldrabice» em que caiu – para citá-lo –, e que, em caso de necessidade, Costa prefere aliar-se à esquerda, oferecendo «um bodo político aos eleitores».
Para o Bloco, fazer parte de um futuro Governo é um seguro de vida. De caminho, ganham mais umas vitualhas e lugares no aparelho do Estado, para colocar apaniguados.
A ‘sede ao pote’ é tanta que Catarina e Francisco Louçã já dão de barato os preconceitos ideológicos e o peso dos impostos, o sexto mais gravoso da União.
Veja-se como Louçã, o ideólogo, se refugia agora no estatuto de ‘comentador’ no Expresso, e de ‘televangelista’ na SIC, para além das sinecuras no Banco de Portugal e no Conselho de Estado. Para um comunista de inspiração trotskista, nunca renegada, é um avanço revolucionário, com direito a pose respeitável, reforçada pelas vestes académicas.
As mesmas vestes que enverga, aliás, Freitas do Amaral, que já foi democrata-cristão e centrista, antes de se fazer à estrada, em parceria com José Sócrates, como ministro e chefe da diplomacia de um seu Governo, e, mais recentemente, de braço dado com Louçã, numa petição onde «apelamos à derrota de Bolsonaro».
Esqueceram-se ambos, por acaso, de promover uma petição semelhante, prévia ao simulacro de eleições de Maduro na Venezuela, habitada por meio milhão de portugueses que sofrem na pele com um regime onde as liberdades são severamente coartadas, os opositores se ‘suicidam’ na sede da Polícia e as prateleiras das lojas persistem vazias.
A última parte do ‘milagre da fé’ no Orçamento coube a Marcelo Rebelo de Sousa, que ainda há meses alertava para os perigos de «uma visão eleitoralista» poder «comprometer a situação financeira», e que subitamente descobriu que «é inevitável que os partidos todos estejam a pensar em eleições».
Marcelo não quer ter sarilhos à esquerda, que o protege no seu gosto pelos afetos, e como tal concede a bênção a propostas que representam, globalmente, outro agravamento da carga fiscal, enquanto a despesa do Estado não pára de crescer.
Segundo estimativas publicadas, Portugal apresentou no ano passado o segundo maior défice orçamental (3%), devido ao impacto da capitalização da CGD, enquanto a máquina da administração pública vai absorver, em 2019, cerca de 48% de toda a riqueza produzida, um cenário verdadeiramente inquietante. E dados recentes do Banco de Portugal confirmaram que o endividamento do país voltou a aumentar, tanto por parte do Estado como das empresas e das famílias. O total da dívida dos setores público e privado atingiu os 719,2 mil milhões de euros. Um susto.
O ‘país das maravilhas’ da esquerda unida é um ‘mar de rosas’, enquanto se acentua o «laxismo democrático de Costa» – como lhe chamou Paulo Rangel –, fazendo convergir no Governo, sem o menor pudor, amigos e parentes. É um Governo em família. O Bloco e o PCP não se importam. E quem vier atrás que feche a luz.