Largados de paraquedas sobre a Noruega há semanas, nove membros de uma equipa de operações especiais, vestidos de branco e munidos de metralhadoras Thompson, avançam pela floresta nas proximidades de Vemork, na região de Telemark, sem serem detetados por soldados da Alemanha nazi. Estamos em fevereiro de 1943 e o único objetivo da pequena unidade é apenas um, mas não podia ser mais difícil: entrar numa central hidroelétrica que produz «água pesada» – forma refinada de H20 natural usada em centrais nucleares – para o programa nuclear alemão sem serem detetados, plantar explosivos e saírem minutos antes das explosões. A liderar os comandos está Joachim Ronneberg, norueguês de 23 anos, que fugiu do país onde nasceu quando os tanques alemães atravessaram a fronteira e que morreu no passado domingo aos 99 anos. Conseguiram entrar sem serem descobertos e plantaram as cargas, fugindo de esqui do local em direção à Suécia. No seu encalço, tiveram mais de três mil soldados alemães, mas conseguiram chegar ao país conhecido pela sua neutralidade no conflito mundial. Durante a Operação Gunnerside nenhum tiro foi disparado nem um único comando ficou ferido, permanecendo para a história como uma das operações de forças especiais mais bem sucedidas.
Ainda que fosse secreta, o sucesso da missão ecoou pelo mundo e não demorou até que ficasse imortalizada na grande tela com o filme Os Heróis de Telemark, de 1965 e produzido Anthony Mann. A personagem de Joachim Ronneberg foi desempenhada por Kirk Douglas. Na década de 70, Ronneberg quebrou finalmente o silêncio para alertar os jovens dos riscos da guerra – vivia-se então a Guerra Fria e a Guerra no Vietname não dava sinais de abrandar. «Aqueles que estão a crescer precisam de compreender que devemos sempre estar preparados para lutar pela paz e liberdade», disse então Ronneberg, relembra a BBC. Ronneberg era o último sobrevivente do raide e a sua vida foi agora relembrada por toda a imprensa internacional, não faltando à chamada as figuras políticas norueguesas. «Foi um dos nossos melhores resistentes», reagiu a primeira-ministra norueguesa, Erna Solberg, ao tomar conhecimento da sua morte. «Não nos podemos esquecer do que defendeu e nos transmitiu», disse a presidente de Câmara de Alesund, Eva Vinje Aurdarl, a terra natal de Ronneberg e onde uma estátua com a sua figura pode ser vista em frente à câmara da cidade.
Voltemos a 1943. O regime nazi já não era o todo poderoso que em tempos tinha sido quando invadiu a Polónia, a França, a Bélgica, a Noruega, a Holanda, a Dinamarca e a Rússia a partir de 1939. Hitler confrontava-se com uma guerra continental em duas frentes e precisava de recuperar a hegemonia militar que nos anos anteriores deteve. Na Rússia: o desastre alemão de Estalinegrado tinha acabado de acontecer e o curso da guerra estava a mudar drasticamente a favor dos Aliados. Mas o ditador ainda apostava num trunfo que o poderia fazer ganhar a guerra – o programa nuclear alemão. E os Aliados sabiam-no.
O programa deu um passo significativo em 1938, ainda antes da guerra, quando o físico alemão Otto Hahn conseguiu separar átomos, processo fundamental para a construção de armas nucleares. Grã-Bretanha e Estados Unidos pensaram que em dois anos Berlim conseguiria produzir as armas mais devastadoras até então. E esse receio apenas aumentou quando o regime nazi anexou a então Checoslováquia, ainda antes do começo da II Guerra Mundial. O território checoslovaco possui as minas de Joachismthal, ricas em urânio. A empresa alemã Auer Gesellschaft começou a produzir urânio puro de alta intensidade para construir a bomba atómica. Com a invasão da Polónia pelos blindados alemães, seguiu-se a queda da França, Noruega, Dinamarca, Bélgica e Holanda. Na Noruega, os nazis apoderaram-se e começaram a usar a central elétrica de Norsk Hydro Vemork para terem «água pesada»; na Dinamarca, controlaram o Instituto Teórico de Física, detendo o físico dinamarquês Niels Bohr, pai da investigação atómica e obrigaram-no a trabalhar para eles; e, na Bélgica, em Olen, passaram a dispor de mil toneladas de urânio, provenientes do então Congo belga. Tudo somado, os nazis obtiveram os físicos, a água e o urânio. Com a guerra a avançar e com nada a conseguir travar o avanço da máquina de guerra alemã, os Aliados começaram a ficar cada vez mais preocupados, com o então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, à cabeça. Os Aliados calculavam que Berlim apenas precisaria de 20 mil trabalhadores, meio milhão de watts de eletricidade e 150 milhões de dólares, necessidades facilmente obtidas nos territórios ocupados. Com a capacidade industrial alemã, tudo era plausível, pensavam os Aliados. «Deve ser possível um avião transportar uma bomba um pouco elaborada com uma tonelada, cuja violência de explosão seria igual à de duas mil toneladas de TNT», afirmou na altura o conselheiro científico de Churchill, o físico Frederick Lindemann. «Quem possuir essa central [a de Vemork] deverá ser capaz de ditar os termos ao resto do mundo», continuou. No final, o apelo não deixava margem para dúvidas, algo tinha de ser feito: «Seria imperdoável deixarmos os alemães desenvolverem o processo [nuclear] à nossa frente, com o qual poderiam derrotar-nos na guerra ou reverter o veredicto depois de serem derrotados». Mesmo que conseguissem ter a bomba nuclear, teriam de desenvolver a tecnologia para a transportar, o que, na cabeça dos Aliados, não podia ser mais que os mísseis V1 e V2 que já caíam em Londres. Alguns dos especialistas, como Lindermann, acreditavam que o bombardeiro alemã Heinkel He 177 poderia servir para transportar a bomba. Mas também se pensou que o novo submarino alemão de vanguarda, o Type XXI, poderia ser um candidato plausível, mas apenas entrou em serviço no final do conflito – surgiram relatos de o regime nazi ter desenvolvido submarinos nucleares, mas tal parece bastante inverosímil por o programa não ter avançado o suficiente. E Ronneberg foi um dos responsáveis por isso.
É neste quadro que a Operação Gunnerside foi delineada. Os ataques aéreos estavam fora de questão por as bombas largadas dos aviões não serem capazes de atingir a parte subterrânea da central, onde a «água pesada» era fabricada, a que se acrescia o receio de milhares de trabalhadores forçados perderem a vida nos bombardeamentos. A única opção era a sabotagem por uma pequena unidade de forças especiais. E assim foi, mas não à primeira tentativa.
Em 1942, uma unidade de 35 comandos britânicos em dois planadores Horsa, atrelados a bombardeiros Halifax e que se dirigia para a central, foi destruída quando as cordas a que estava atrelada congelaram e se partiram, causando a morte à maioria dos comandos. Os que sobreviveram ao desastre foram capturados, torturados e executados pelas SS e Gestapo. A Operação Freshman tinha falhado redondamente e uma nova abordagem pelo Comando do Special Operations Service (Serviço de Operações Especiais, em português) foi elaborada. Chamaram-lhe Operação Gunnerside.
Os comandos já não seriam britânicos, mas noruegueses, e entrariam na Noruega por paraquedas, mantendo-se em território ocupado por semanas, depois de receberem o treino necessário. Duas equipas de assalto foram destacadas. A primeira, largada em outubro de 1942, composta por quatro elementos com rádios e material de sobrevivência, deveria fazer o reconhecimento e levantar uma base de operações, enquanto a segunda, com seis comandos, se lhes juntaria meses mais tarde para levar a cabo a missão de sabotagem da central elétrica. Em fevereiro, a segunda equipa, liderada por Ronneberg, foi largada de paraquedas e juntou-se aos seus companheiros numa cabana a 40 quilómetros do alvo. A captura não era uma opção – para o evitarem, todos tinham um comprimido de cianeto que podiam ingerir. «Nenhum deles estava lá pela água pesada ou por Londres», escreveu Neal Bascomb, autor do livro The Winter Fortress: The Epic Mission to Sabotage Hitler’s Atomic Bomb (A Fortaleza do Inverno: a Épica Missão para Sabotar a Bomba Atómica de Hitler, em português). «Viram o seu país ser invadido pelos alemães, os seus amigos mortos e humilhados, as suas famílias famintas, os seus direitos reduzidos. Estavam lá pela Noruega, pela liberdade da sua terra e do seu povo da opressão nazi». Nenhum deles sabia o papel que estavam a desempenhar num contexto que os ultrapassava num dos conflitos mais mortais da história da Humanidade. «A primeira vez que ouvi falar de bombas nucleares e água pesada foi depois de os norte-americanos terem lançado a bomba sobre Hiroshima e Nagasaki», disse Ronneberg ao New York Times em 2015.
Os nevões impediram-nos de avançar no terreno por uma semana – e a espera é o pior momento na guerra, diz quem nela já participou. Decidiram manter um homem na base de operações para manter o contacto com Londres e seguiram viagem. Andaram por cinco dias durante a noite para não serem detetados até chegarem à central. Com o alvo à vista, esperaram horas e observaram a mudança de turno de trabalhadores e guardas. Estudaram os pormenores e decidiram avançar. Passaram por debaixo de uma ponte guardada por alemães e infiltraram-se na central. Lá dentro, dividiram-se em duas equipas para plantarem explosivos em vários locais. A equipa de Ronneberg plantou as cargas nos cilindros do aparelho de destilação de água e, ao contrário do que tinha sido acordado, iniciou a contagem decrescente aos 30 segundos. Ao fugirem, passaram por um quartel com soldados no interior, enquanto a central explodia. Nenhum tiro tinha sido disparado quando a capacidade de produção da central foi totalmente destruída, com 1100 toneladas de «água pesada» a ficarem inutilizáveis. Enquanto fugiam para a Suécia de esqui, três mil soldados perseguiram-nos. Mas nunca os conseguiram apanhar. «Houve tantas coisas que foram apenas sorte e oportunidade», refletiu mais tarde Ronneberg ao The Times. «Não havia qualquer plano. Apenas esperávamos o melhor».
A central elétrica ficou tão danificada que os alemães precisaram de quatro meses para a repararem e voltarem a produzir o material tão necessário ao programa nuclear alemão. Mas depois a central foi alvo de bombardeamentos aliados, ficando novamente danificada. E quando Hitler ordenou, em 1944, que o projeto fosse deslocado para a Alemanha, a resistência sabotou o navio que transportava o material nuclear tão necessário para o programa nuclear, afundando-o. Entretanto, os Aliados bombardearam dia e noite o tecido industrial económico alemão, impedindo o programa de dar os necessários passos. O sonho nazi de pôr as mãos à bomba nuclear perdeu-se de vez. E o curso da guerra já não podia ser invertido.
Ronneberg não abandonou o combate depois da operação bem sucedida. Até ao final do conflito participou em vários outros raides, interferindo nas redes logísticas e destruindo uma ponte de caminho-de-ferro com explosivos plásticos. Recebeu várias medalhas pelos seus feitos, como a Cruz de Guerra com Espada, a mais alta condecoração norueguesa, a Ordem de Serviço Diferenciada, da Grã-Bretanha, a Medalha Americana da Liberdade com Palma de Prata, dos EUA, e a Legião de Honra e Cruz de Guerra, da França. Findo o conflito, remeteu-se ao silêncio, que apenas quebrou quando missão que liderou chegou à grande tela, criticando a forma como foi retratada. «Pegaram numa história verdadeira e distorceram-na à volta da própria ideia que tinham» disse Ronneberg ao The Daily Telegraph, em 2010. «Nunca deveria ter sido permitido», acrescentou.
Chegada ao fim a sua carreira militar, Ronneberg tornou-se jornalista no canal de televisão público norueguês, a NRK, onde ascendeu a diretor de programação até se reformar em 1988. Em 1949, tinha-se casado com Liv Foldal, professora, com quem teve três filhos – Jostein, Asa e Birte. Lutou contra o fascismo e nunca deixou de relembrar os riscos de um dia poder voltar, sobre a fórmula antiga ou uma nova, adaptada aos tempos. Nunca quis ser um herói, mas tornou-se num. E assim será recordado em tempos em que ficar-se à margem é alinhar com a opressão.