Vasco Brazão e a respetiva família foram ameaçados de morte pelo ex-fuzileiro João Paulino depois de terem ficado acordados entre a Polícia Judiciária Militar (PJM) e o cabecilha do grupo que roubou os Paióis Nacionais de Tancos – juntamente com os seus cúmplices – os trâmites da devolução do material. O ex-fuzileiro terá ameaçado Vasco Brazão, ex-porta voz (PJM) e um dos investigadores desta unidade responsável pelo caso de Tancos -, que, se a Polícia Judiciária «fosse metida ao barulho», haveria represálias. «Só vos entrego isto a vocês, ninguém sabe de nada. Se metem a PJ…», terá dito o cabecilha a Vasco Brazão.
Após o acordo ser firmado com o assaltante – que chegou à fala com a PJM através de um militar da GNR de Loulé seu conhecido, também arguido no processo -, o material foi ‘devolvido’ na Chamusca, perto da ponte que liga a Chamusca à Golegã, a a cerca de 20 quilómetros do local de onde tinha sido subtraído.
Após a chamada forjada pela PJM naquela madrugada e que desencadeou o processo de ‘achamento’ do material na Chamusca, os elementos militares ligados a este processo usaram a atenção mediática para encobrirem os verdadeiros autores do roubo. Para tal, difundiram que suspeitavam de um grupo do norte, que já teria estado por detrás do roubo de dez armas de guerra da arrecadação de uma das companhias do batalhão de Comandos, na última semana de 2011. Uma teoria não real e que apenas foi utilizada para desviar as atenções de João Paulino, sabe o SOL.
Quando o cerco começou a apertar e os elementos da PJM perceberam que tinham a PJ no seu encalço, começaram a tomar medidas. E foi neste contexto que elaboraram o memorando que, na última semana, tem estado no epicentro deste processo. Até porque a viagem deste documento, que dá conta dos passos da operação de encobrimento, é crucial para apurar responsabilidades.
Um memorando em jeito de pedido de ajuda
O SOL sabe que só há um memorando. O documento foi redigido por Vasco Brazão e pelo ex-diretor da PJM, Luís Vieira, e entregue em novembro, como já foi noticiado, ao tenente-general Martins Pereira, ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopes, que, cumprindo a hierarquia, terá dado conhecimento do documento ao ministro da Defesa. O tenente-general foi ouvido esta semana pelo Ministério Público e confirmou que tinha recebido o memorando, e não foi constituído arguido.
Não há regras formais que definam o que é um memorando militar, explicou uma fonte ao SOL: «Depende muito de quem o elabora. Geralmente um memorando é feito não só para dar conhecimento de um certo assunto como também para aguardar instruções sobre o mesmo. E é uma forma de salvaguarda, também».
Neste caso, foi mais do que isso: o SOL apurou que Vasco Brazão e Luís Vieira escreveram o memorando para pedir ajuda política, explicando o que já tinha sido feito nesta operação e, assim, fazerem pressão para que o caso, liderado pela Procuradoria Geral da República, passasse para a alçada da PJM. Com o conhecimento dado à respetiva hierarquia – a PJM dependente diretamente do Ministério da Defesa, embora essa dependência seja administrativa e não operacional -, os militares procuravam assim proteção dos seus superiores, pondo no papel, preto no branco, as decisões que tinham tomado até então e porque tinham negociado a entrega das armas.
Mais militares sabiam da operação
Azeredo Lopes já manifestou, entretanto, que está disponível para ser ouvido no âmbito da Operação Húbris.
Até agora, já foram constituídos nove arguidos: um civil (o ex-fuzileiro, João Paulino), três militares da GNR (entre os quais o sargento Lima Santos) e cinco da PJM (o ex-diretor coronel Luís Vieira, o major Vasco Brazão, o major Pinto da Costa e outros dois militares desta Polícia).
Mas há dois nomes que ainda não vieram a lume nem foram ouvidos no processo que investiga a devolução do armamento: o nome do diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM, o coronel Estalagem, e do responsável pela PJM do Porto, tenente-coronel Tenente.
Segundo fontes militares ouvidas pelo SOL, estes dois quadros superiores da PJM sabiam de toda a operação e o coronel Estalagem foi mesmo informado de todos os passos.
Um caso que é cada vez mais bicudo, em que correm duas investigações em torno dos factos relacionados com o roubo do material de guerra dos paióis de Tancos e com o aparecimento de material de guerra num descampado nos arredores da Chamusca.
Mas a investigação do aparecimento das armas tem ocupado mais espaço mediático do que o processo que investiga o assalto aos Paióis Nacionais de Tancos. Os cúmplices do alegado cabecilha do assalto, o ex-fuzileiro João Paulino, continuam à solta. O móbil do crime também ainda não foi revelado e até as listas de materiais roubados e depois ‘achados’ continuam a não bater certo: na sexta-feira, o Diário de Notícias avançava que há granadas e explosivos ainda desaparecidos.
«As listas enviadas ao Parlamento são as mesmas que a PJM cedeu ao MP e há discrepâncias», disse uma fonte envolvida na investigação criminal ouvida pelo diário.