Enquanto a política é a arena de disputa de interesses que visam determinar o tipo e o modo de criação de riqueza e sobretudo o controle da sua distribuição, a capacidade de gerar riqueza depende: das disponibilidades e competências dos recursos humanos, das capacidades tecnológicas e de capital acessíveis, do uso de infraestruturas fornecedoras de facilidades e dos recursos naturais passíveis de valorização. A isto está naturalmente associada a aptidão de se combinarem e executarem formas adequadas de utilização dos recursos disponíveis, correndo riscos tanto maiores quanto menos diferenciados forem os recursos disponíveis. Seja qual for a opção, haverá sempre assimetrias quer de riqueza quer de poder.
Contudo, até ver, a democracia, pela sua dinâmica natural e liberdade associada, tem sido a fonte mais credível de minimização destas assimetrias. Não obstante, assistimos a uma intolerante intolerância para com os defeitos da democracia, expressa por narrativas que exaltam as virtudes do autoritarismo, escamoteando os conhecidos podres do exercício de poderes autoritários. Por vezes, faz-se até parecer normal a recorrente evocação dos benefícios de uma autoridade quase sufocante, num quadro de idolatria de brutalidade (política, económica e cultural) arrogante.
Em tempo de afirmação de competências individuais distintivas, o maior perigo para a democracia vem duma pressão invisível onde o cidadão, sem capacidade ou oportunidade de diferenciação do seu desempenho, se transforma em potencial peão de uma moldável massa amorfa, destruidora da sua capacidade autónoma de julgamento e consequente individualidade. Perigo que é progressivamente refletido por uma população apática de votantes e abstencionistas, espetadores e contribuintes, com fortes expectativas de se tornarem beneficiário de ‘qualquer coisa’. Os modelos de cativação e fidelização associados a este processo vão disponibilizando doses controladas de esperanças infantilizadas, de distração mediática, de nacionalismo, de reforço de ressentimentos, ódios e rancores, num discurso ancorado por clichés mobilizadores, tais como o nosso dinheiro, os nossos impostos, a nossa segurança, a nossa economia, a nossa terra ou a nossa soberania.
A política é lentamente retirada do espaço público transformando-se em espetáculo descentrado do modelo de sociedade a perseguir e da forma de lá chegar.
A acentuação do perigo do uso da democracia para a sua própria destruição, passa pela exploração das dificuldades materiais, dos sentimentos de insegurança e de insatisfação de como nela se lida com a corrupção e burlas associadas. Corrupção que mina a democracia, sendo estimulada por um quadro de corrente afirmação de identidade individual através do uso privado de bens com significado social. Os aspetos materiais, da posse à sua exibição, ganham predominância na afirmação individual, perturbando as mais básicas responsabilidades de cidadania, desviando-as da afirmação por valores éticos, beneficiando posturas estruturadas em autoritarismos bacocos, que, tendencialmente, atraem de modo incontrolável e inusitado as parcelas da população mais debilitadas em termos de riqueza e poder, fomentando, em paralelo, exércitos de videirinhos.
Os totalitarismos medram em resultado de escândalos exploráveis como debilidades incontornáveis das democracias. A corrupção é a principal doença das sociedades livres e das democracias. Mata-as!
Prevenir a corrupção é defender a liberdade. Prevenir a corrupção é vital e da responsabilidade de todos. Cabe ao Estado um papel insubstituível e consequente na sua prevenção, combate e penalização. Esperemos!