A aprovação do Orçamento na generalidade teve o apoio de toda a esquerda e até do PAN– a grande novidade nas votações –, mas ficou «aquém» do desejado pelo PCP e pelo BE e Mariana Mortágua fez votos de que, no final do processo, «saia um OE bem melhor do que aquele que temos agora». Do lado contrário, o Governo e o PS fizeram o discurso de «sentido de responsabilidade» com margem negocial estreita.
A segunda parte do debate orçamental, a da especialidade, já começou e os comunistas apresentaram esta sexta-feira 47 propostas de alterações. O BE vai insistir no alargamento da descida do IVA para a potência contratada na luz e recupera a proposta de taxar a especulação imobiliária, muito criticada pela direita, e afastada de forma abrupta da mesa das negociações orçamentais. «A proposta está terminada, mas queremos fechar os cálculos. Gostaria de deixar todas essas informações para um momento mais à frente», limitou-se a dizer ao SOL Mariana Mortágua.
IRS não sofre mais mexidas
Nas negociações antes da entrega da proposta, o PCP acalentou a esperança de conseguir a atualizações dos escalões de IRS – chegou a recuperar uma proposta de 2011 para exigir dez escalões – mas o Governo fechou-lhe a porta. No debate com o ministro das Finanças, os sinais também não foram animadores. Mário Centeno arrumou o assunto, dizendo que as alterações feitas em 2018 teriam efeitos também em 2019. Por isso, o PCP voltou a propor a atualizações dos escalões de IRS de acordo com a inflação (1,3%), com o objetivo de que «imposto cobrado não aumenta com os aumentos dos salários e das pensões». Por outro lado, na versão inicial, o Governo também não inclui a regra de englobamento dos rendimentos prediais e de capitais dos contribuintes no IRS, com valores acima dos 100 mil euros. Os comunistas recuperaram a proposta e obrigaram, desta forma, o PS a negociá-la, tal como a aplicação de uma taxa de 7% de derrama estadual para os lucros das empresas entre 20 a 35 milhões de euros.
50 milhões e nem mais um cêntimo para aumentos
Na lista de reivindicações à esquerda está também o aumento dos salários para a Função Pública. A ordem do Ministério das Finanças é clara: o bolo para o aumento da despesa com pessoal na Administração Central não ultrapassará os 800 milhões de euros, sendo que 750 milhões servirão para o descongelamento de carreiras. Assim, sobram 50 milhões de euros para subir os salários do setor público.
O BE queria negociar aumentos em sede orçamental. O Executivo disse não, remetendo o processo para os sindicatos, uma ideia também corroborada entre os comunistas. O número mágico para os aumentos não está definido, mas o debate orçamental deixou uma certeza. Se o BE não concordar com as atualizações salariais, o Governo terá uma apreciação parlamentar da decisão.
IVA da energia deixa dois milhões de fora
A descida da fatura energética para as famílias e do preço do gás de botija têm sido temas recorrentes nas negociações entre Governo, PCP e BE. Os comunistas exigem soluções para garantir a redução do preço máximo cobrado pelas botijas de gás. «O gás de garrafa tem um preço escandaloso de venda ao público», afirmou ontem aos jornalistas o vice-presidente da bancada do PCP, António Filipe.
O BE, por sua vez, quer alargar a aplicação da taxa reduzida de IVA (6%) à potência contratada da luz. A versão atual da proposta de Orçamento – até 3,45 Kva– deixa cerca de dois milhões de consumidores fora da medida, segundo as contas do BE. Por isso, está em marcha a negociação com o Executivo para alargar a medida, inicialmente prevista para um universo mais alargado de consumidores. Problema? Do lado do Governo será difícil acomodar a reivindicação, apurou o SOL.
Nos combustíveis, por exemplo, o Governo decidiu baixar 3 cêntimos no imposto sobre os produtos petrolíferos, mas só para a gasolina. Uma meia vitória para os comunistas, que gostariam de ir mais além. Ainda assim, são 60 milhões de impacto orçamental e o PS já veio dizer que o Executivo «vai até onde pode ir no beneficio às pessoas e empresas», explicou o líder parlamentar do PS, CarlosCésar, citado pela TSF.
Combate à especulação imobiliária
As medidas para a habitação serão outro cavalo de batalha entre o Governo e os parceiros da sua esquerda. O PCP propôs uma taxa de 1,5% do adicional de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis – o AIMI) para património superior a um milhão e meio de euros. O BE acrescenta uma taxa de 2% para património acima de dois milhões de euros e não desarmou na discussão sobre o combate à especulação imobiliária, apesar da polémica com o ex-vereador Ricardo Robles. Por isso, vai insistir também numa taxa penalizadora para quem vende e compra casas de forma rápida, com lucros muito avultados. O Governo chegou a recusar a proposta, mas o BE não guardou a medida na gaveta. A única dificuldade é a de fazer cálculos sem a colaboração mais estreita da Direção-Geral de Orçamento.
Na habitação, há ainda outro problema paralelo ao do Orçamento: o da aprovação da lei do arrendamento. O processo está suspenso, mas o Governo prepara-se para negociar com o PSD a lista de benefícios fiscais para contratos de arrendamento de longa duração ( 5 ou mais anos).
Por seu turno, o BE quer que o Orçamento contemple uma verba de cerca de 100 milhões de euros no Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, colocando a política de apoio público do Estado ao nível do investimento feito, por exemplo, pela Câmara de Lisboa, explicou ao SOL o deputado Pedro Soares.
No caso das pensões, tanto o PCP como o BE querem alargar o fim dos cortes para quem tenha 40 anos de descontos completos aos 60 anos de idade, também ao setor público. A versão inicial só prevê a despenalização para os trabalhadores da Segurança Social, mas a negociação sobre o regime de reformas prosseguirá após a aprovação do Orçamento do Estado.