Dois anos depois de o presidente Donald Trump ter tomado posse, os EUA nunca estiveram tão divididos. Os norte-americanos serão amanhã chamados às urnas para elegerem parte dos seus eleitos na Câmara dos Representantes e no Senado, onde os republicanos detêm a maioria. As eleições representam, no fundo, um referendo ao mandato do presidente, com os eleitores a terem de escolher entre renovar a maioria republicana no Congresso ou restringir a ação do chefe de Estado e dos republicanos na condução do país e sua política externa ao darem uma maioria democrata no órgão legislativo. Ontem, mais de 33 milhões de norte-americanos tinham votado antecipadamente, com a participação a poder ser a maior dos últimos 50 anos numas intercalares.
Nas últimas duas semanas, Trump preferiu ignorar os indicadores económicos que o favorecem na corrida eleitoral – o desemprego está nos 3,7%, valor mais baixo em 49 anos, e o maior aumento salarial desde 2009 – para se concentrar na imigração e criminalidade, abrindo ainda mais brechas num país já de si dividido. Para isso, tem-se focado na hipotética ameaça de uma caravana com cinco mil imigrantes ser uma “invasão” cheia de “membros de gangues e algumas pessoas muito más”. “Veem aquele arame farpado a subir. Aquele arame farpado – sim, senhor, nós temos arame farpado a subir. Sabem porquê? Porque não vamos deixar aquelas pessoas invadirem o nosso país”, disse o chefe de Estado num comício na Geórgia no domingo.
E quando lhe perguntam a razão para não se focar na economia, o chefe de Estado respondeu, na sexta-feira, num comício na Virgínia Ocidental, que “temos a melhor economia na história do nosso país, mas às vezes não é excitante falar de economia”. Uma das principais narrativas que mais mobiliza a sua base eleitoral é precisamente a imigração e Trump sabe-o. Daí ter destacado 5.200 mil soldados da Guarda Nacional e do Exército para a fronteira com o México com o objetivo de travarem a caravana. Uma medida que levou apoiantes seus, membros de milícias, a começarem a preparar-se para irem ajudar as forças da “ordem” (ver págs. 22-23).
Em termos eleitorais, a narrativa do presidente também está a resultar. Segundo uma sondagem da CNN, os eleitores dos republicanos estão a considerar a imigração como o principal tema. Por exemplo, No Arizona, estado que faz fronteira com o México, 50% dos eleitores que dizem ter a intenção de votar nos republicanos afirmam que o assunto é o mais importante, quando em setembro eram 35%.
Se Trump se foca na imigração, usando o “medo” como arma política, há quem se lhe oponha. Sabendo da importância das eleições, os democratas avançaram com a artilharia pesada ao seu dispor: o antigo presidente Barack Obama, apresentando-o em vários comícios por todo o país, principalmente nos estados indecisos. “Duas semanas antes das eleições dizem-nos que a única grande ameaça à América é um punhado de refugiados pobres, empobrecidos, quebrados e com fome a mil quilómetros de distância”, criticou Obama, sem, no entanto, referir Trump no Indiana. “Às vezes, estas táticas para assustar as pessoas e inventar coisas resulta”. No domingo, a corrida eleitoral pareceu um confronto direto entre Obama e Trump.
Obama tem motivos para levantar a voz contra o seu sucessor na Casa Branca. Desde que Trump tomou posse que se tem dedicado a destruir todo o seu legado antecessor: o Acordo Climático de Paris, melhoria das relações com Cuba, Acordo Nuclear com o Irão, Obamacare – sistema de saúde público – e a reforma da imigração, com o DACA a destacar-se.
Mas numa coisa Trump e Obama concordam: os Estados Unidos estão numa encruzilhada e os norte-americanos têm de tomar uma decisão. “Esta eleição vai decidir se vamos construir [o país] sobre o potencial extraordinário que criámos ou se deixamos que os radicais dos democratas destruam o nosso futuro”, disse Trump num comício na Geórgia. Já Obama focou-se no “tipo de política” que os norte-americanos querem, dizendo: “O que nós não vimos, pelo menos de acordo com a minha memória, é como, agora mesmo, temos políticos que mentem sem rodeios, descarada e repetidamente. Apenas inventam coisas”. “A América está numa encruzilhada. O caráter do nosso país está em votação nas urnas”.
Uma sondagem genérica da SSRS, a pedido da CNN, dá aos democratas um avanço de 13% face aos republicanos, com estes últimos a obterem 42%. Vantagem que se manteve no início de outubro até agora, mas com a retórica anti-imigração de Trump tudo poderá mudar. Se os democratas conseguirem recuperar a Câmara dos Representantes, será a primeira vez em oito anos que o alcançam e estão a apostar num intenso confronto com a presidência sobre os mais diversos assuntos – saúde, educação, imigração, política externa, economia, entre outros. No entanto, a maioria não será muito significativa, com os republicanos a poderem manter o senado. O maior receio de Trump é que os democratas possam conquistar ambas as câmaras, avançando com um processo de impeachment contra si por causa das alegações de interferência russas nas presidenciais de 2016 e num eventual conluio entre a campanha de Trump e Moscovo para prejudicar Hillary Clinton.