As escutas entre o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar e Vasco Brazão, ex-porta-voz desta polícia, revelam que os dois oficiais tinham como projeto a extinção dos Comandos. O inquérito ao caso Tancos inicia-se quando a investigação à morte de dois recrutas nos Comandos, em setembro de 2016, liderada pelo major Vasco Brazão, ainda estava em marcha – e terminou, de forma inédita, com a acusação de 19 militares. O desfecho do caso levou, aliás, a que o vice-chefe do Estado-Maior, Campos Serafino, já este ano, fizesse um reparo a Luís Vieira, que este de imediato transmitiu ao seu homem de mão.
Na conversa, mantida em julho de 2018, entre os arguidos Luís Vieira e Vasco Brazão falava-se no que nunca deveria ter acontecido, com Brazão a mostrar-se receoso com a «treta dos caixotes» e com a «treta dos Comandos». Para a investigação da PJ, isto indicia que nesta altura o topo da hierarquia militar já sabia que a encenação para a recuperação das armas estava a ser investigada pela PJ. Até porque tais receios de Brazão foram partilhados com Campos Serafino.
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Recorde-se que o material militar furtado em Tancos a 28 de junho de 2017 veio a ‘aparecer’ milagrosamente quatro meses depois em caixotes completamente secos após uma noite de chuva.
Este ano, em julho, na conversa telefónica entre Vasco Brazão e Luís Vieira, o primeiro informa ter regressado à República Centro Africana – de onde voltou após as detenções da Operação Húbris. E nessa conversa o diretor da PJM diz ter estado a falar com o vice-chefe de Estado Maior e que este lhe tinha falado de um encontro que tinha tido com Brazão em África, no qual Brazão transmitiu a sua preocupação. O antigo porta-voz da PJM confirma ao seu diretor que tinha manifestado preocupação com o que se estava a passar: «Sim…sim… sim. Eu transmiti-lhe que estava preocupado e continuo não é… e continuamos, e continuamos, como sabe». Nessa conversa, Brazão assegura que o vice-CEME foi «impecável…impecável»: «Esteve lá a falar um bocado comigo e eu desabafei um bocadinho com ele nesse aspeto [referem-se a questões de promoções no Exército]». O mais comprometedor foi a resposta do diretor: «Ele disse-me… ele disse-me que há coisas que não deviam ter acontecido. Que foi aquela treta dos Comandos e a treta dos caixotes que não devia…isso não devia ter acontecido».
O encontro em que Brazão e Campos Serafino trocaram algumas ideias aconteceu em março na República Centro Africana, à margem de visita do Presidente da República à Força Nacional juntamente com Azeredo Lopes e Rovisco Duarte.
Como o SOL noticiou, os elementos da PJM arguidos na Operação Húbris já tinham conhecimento de que estavam a ser investigados, através de uma fuga de informação que partiu do então diretor nacional da PJ.
Marcelo não sabia da farsa
Apesar de ter sido tornado público que Marcelo Rebelo de Sousa estava a par do alegado encobrimento que a PJM deu ao verdadeiro autor do roubo para ficar com os louros da descoberta, fonte da investigação nega perentoriamente.
A investigação acredita, isso sim, que os elementos da PJM procuraram apoio junto do Governo e do Presidente da República, como demonstram os memorandos entregues, em que justificavam a ação com o «interesse nacional». Segundo a mesma fonte, os membros do Executivo e Marcelo nunca terão percebido o que estava em causa, uma vez que o memorando não era explícito sobre a encenação.
O único pecado de Marcelo foi acreditar na versão da PJ Militar. Em julho de 2017, cinco dias depois do furto, numa cerimónia na base de Tancos, Luís Vieira terá dado informações erradas a Marcelo, tentando virar o Presidente da República contra a Judiciária Civil.
Logo nesse dia, o Presidente da República deixou claro: «Tem de se apurar tudo, de alto a baixo, até ao fim, doa a quem doer».
Notícia publicada na última edição do Semanário SOL