Corria o ano de 1847 quando Jacob Christian Jacobsen fundou em Copenhaga a sua marca de cerveja. Na hora de decidir como se chamaria, não teve hesitações: batizou-a com o nome do seu filho de cinco anos, Carl, ao qual juntou a palavra dinamarquesa para montanha, ‘berg’, que transmitia uma ideia de frescura. Assim nascia a Carlsberg, hoje tão apreciada que se apresenta com o slogan «provavelmente a melhor cerveja do mundo».
Apesar daquela demonstração de ternura, as relações entre pai e filho ficariam marcadas pela turbulência e pela conflitualidade. Em grande parte por causa do fabrico de cerveja, mas não só.
O bem-sucedido Jacob Christian estava habituado a mandar e, quando Carl tinha vinte e dois anos, obrigou-o a romper o noivado secreto que ele tinha com uma prima. Para afastar o jovem casal, mandou o filho para uma viagem no estrangeiro, da qual estava proibido de regressar durante um período de quatro anos. Carl fez um tour por várias cervejeiras da Europa, estudando os seus métodos, maquinaria e inovações.
De regresso à Dinamarca em 1870, montou uma nova unidade de produção num anexo da fábrica do pai, na qual aplicou os conhecimentos que tinha adquirido durante a sua viagem pela Europa. Mais uma vez, o pai quis mostrar quem era o chefe. Desagradado com a forma como o filho conduzia o negócio, criticou-o por deixar degradar a qualidade do produto. Ao mesmo tempo, achava que Carl gastava demasiado dinheiro em arte. As discussões crescentes levaram a uma rutura, a ponto de em 1880 o patriarca obrigar o filho a abandonar as instalações da fábrica.
Este não se deixou abater e fundou a sua própria cervejeira, a Ny Carlsberg (Nova Carlsberg) em 1882, o que daria origem a uma feia batalha legal. O seu mote era: ‘Semper ardens’ – ‘sempre ardente’, uma máxima que se aplicava à sua paixão tanto por arte como pela cerveja. Nesse mesmo ano, para selar o afastamento, Jacob Christian entregava ao filho a parte que lhe cabia da herança, um milhão de coroas dinamarquesas. Já a fábrica da Carlsberg seria após a sua morte deixada a uma fundação destinada a promover as ciências e a investigação.
Uma vez que Carl não queria para si o dinheiro, decidiu usá-lo para beneficência. Dividiu o valor da herança em quatro partes iguais de 250 mil coroas: uma foi para os trabalhadores da Carlsberg; outra para um museu de Artes Decorativas; outra para a Ny Glyptotek; outra para construir uma igreja.
Contrariar o pai
Ainda no ano de 1882 Carl abriu ao público as portas da sua villa privada para mostrar a coleção de arte. Fundada como um museu de escultura (gluptós significa ‘gravado’ ou ‘esculpido’ em grego), a Gliptoteca haveria de transferir-se cinco anos depois para um novo edifício, a que se acrescentaria mais tarde o jardim de inverno. O núcleo duro é formado por obras da Antiguidade – Egipto, Grécia e Roma, mas possui também um importante conjunto de esculturas de Rodin (o mais completo fora de França) algumas das quais se encontram atualmente em Lisboa, na exposição Pose e Variações -escultura francesa no tempo de Rodin, patente na fundação Calouste Gulbenkian, até 4 de fevereiro de 2019. «O senhor Jacobsen e Gulbenkian eram figuras muito semelhantes, grandes empresários, mas também colecionadores de arte apaixonados que acreditavam que a arte podia mudar a sociedade e tornar as pessoas melhores», explica Christine Buhl Andersen, a diretora da Gliptoteca. Já Rune Frederiksen, arqueólogo e um dos curadores da exposição de Lisboa, chama a atenção para algo que hoje pode passar despercebido: «O público de hoje, ao olhar para a arte do século XIX, esquece-se de que na sua época estes colecionadores estavam a adquirir arte contemporânea». Tanto Jacobsen como Gulbenkian eram grandes admiradores de Rodin – que foi mesmo um dos poucos artistas que o magnata e colecionador arménio quis conhecer pessoalmente.
E porquê o interesse de Carl Jacobsen pela escultura francesa? Christine Buhl Andersen acredita que era também uma forma de contrariar o pai. «O que Jacobsen gostou na escultura francesa quando esteve em Paris foi a sua vivacidade e a habilidade que revelava. Ele disse-o de uma forma engraçada: ‘Enquanto as figuras de Thorvaldsen [um escultor dinamarquês neoclássico muito apreciado pelo seu pai, Jacob Christian] estão sempre apoiadas nos dois pés, as francesas estão apoiadas só num». Bem disposta, a diretora do museu dinamarquês não tem problemas em exemplificá-lo com a sua própria postura, colocando um pé no ar.
A coleção da Gliptoteca continuaria a ser enriquecida pelo filho de Carl Jacobsen. Não com escultura clássica – ou de outro tipo – mas com pintura francesa dos impressionistas e pós-impressionistas, como Manet, Degas, Monet, Cézanne, Van Gogh e Gauguin. «Hoje temos quadros famosos mas foi o filho de Carl, Helge Jacobsen, que criou essa coleção». Mais uma vez, considera Christine Andersen, «porque era contra o pai». Uma atitude que, no fundo, se tornara uma espécie de tradição familiar.