A história de Steven Avery – o homem que foi condenado por um crime que não cometeu, foi libertado e voltou a ser encarcerado por homicídio – prendeu milhões de pessoas de todo o mundo ao ecrã da televisão. No final deste mês, a Netflix lançou a segunda parte do documentário que acompanha os dias de Avery, que continua a reclamar a sua inocência. Mas o que aconteceu a este homem desde a estreia da série?
Recuemos um pouco: Steven Avery foi condenado em 1985, pelo tribunal de Manitowoc, no Wiscosin, pelos crimes de violação e homicídio de uma mulher. Depois de cumprido 18 dos 32 anos de pena, Avery foi exonerado graças a exames de ADN e libertado.
Em 2003, decide processar o Estado, o xerife de Manitowoc e o procurador do Ministério Público em 36 milhões de euros pelos anos que passou encarcerado. Em novembro de 2005, com este processo ainda pendente, Avery volta a ser detido – desta vez é suspeito do crime de homicídio da fotógrafa Teresa Halbach. Em 2007 é condenado a prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional. Também o sobrinho de Avery, Brendan Dassey, foi condenado a prisão perpétua por, alegadamente, ter ajudado o tio a violar e a matar Halbach. Tinha 16 anos quando foi condenado.
Com a estreia de ‘Making a Murder’ na Netflix, em 2015, o público acompanhou todos os pormenores sobre este caso – as recolhas de ADN, a linha temporal dos acontecimentos, os testemunhos de familiares e pessoas próximas tudo o que, segundo a defesa, mostra que Avery e Dassey não cometeram o crime pelo qual foram condenados. O documentário chegou a milhões de pessoas em todo o mundo, que utilizaram as redes sociais para expressar o seu apoio.
Recursos de Dassey rejeitados
Na segunda parte deste documentário, que estreou no passado dia 19 de outubro, a Netflix pega nas pontas soltas que deixou em 2015, apresentando as equipas de defesa na fase de pós-condenação.
No caso de Brendan Dassey, as coisas pareciam estar a correr bem para o lado da defesa, mas os tribunais superiores acabaram por falar mais alto e travar o que parecia ser uma vitória para a família Avery. O jovem, agora com 29 anos, decidiu recorrer e, em junho de 2017, um tribunal de recurso decidiu que Dassey deveria ser libertado de imediato, pois a sua confissão tinha sido obtida de forma ilegal – a defesa alega que Dassey, um jovem com um QI abaixo da média e com dificuldades no que diz respeito ao contacto social, foi influenciado pelos investigadores, que direcionaram o seu testemunho.
No entanto, os procuradores do condado de Manitowoc decidiram recorrer desta decisão e, em dezembro do mesmo ano, o tribunal federal de Chicago voltou a dar razão ao MP, impedindo a libertação imediata de Dassey. A defesa tentou recorrer para o Supremo Tribunal norte-americano, que, em junho de 2018, se recusou a rever o caso.
Brendan Dassey continua assim atrás das grades. Só poderá pedir a liberdade condicional em 2048, quando tiver 59 anos.
Avery continua a lutar pela liberdade
E em que fase vai a batalha judicial de Steven Avery? Desde 2005 que afirma que está inocente e que foi o próprio MP de Manitowoc a ‘tramá-lo’ pelo homicídio – de acordo com Avery, terá sido a equipa de investigação a colocar o seu ADN em vários objetos, como o carro de Teresa Halbach, e a deixar a chave do veículo no interior da sua casa, aquando das primeiras buscas – recorde-se que o corpo de Halbach nunca foi recuperado, pois, segundo a acusação, foi queimado por Steven Avery nas traseiras da sua propriedade, tendo sido apenas detetados pequenos fragmentos de ossos que possibilitaram a identificação da vítima. Avery acredita que tudo isto aconteceu porque estaria muito perto de vencer o processo em que pedia uma indemnização milionária pelos 18 anos que passou atrás das grades.
Kathleen Zellner, uma conhecida advogada norte-americana que já ajudou a libertar dezenas de pessoas que foram erradamente condenadas a penas de prisão, está agora a tomar conta deste caso. Zellner criticou o trabalho dos antigos advogados de Avery, que nunca pediram o testemunho de especialistas em ADN e não procuraram encontrar outro suspeito para o crime. Agora, a nova advogada apresenta testemunhos de especialistas em ADN – que mostram várias características que provam a teoria de que este teria sido plantado em vários objetos, como a quantidade fora do normal de ADN recolhido em pequenos objetos – e outros possíveis suspeitos para o crime, que incluem o irmão de Brendan, Bobby Dassey.
Na segunda parte desta série, é possível ver que Zellner pediu que fosse realizado um novo julgamento, pedido esse que foi rejeitado em outubro do ano passado. A juíza Angela Sutkiewicz alegou que não foram apresentadas «razões que motivassem um novo julgamento», uma decisão que deixou o MP «satisfeito» e que garantiu «Justiça» para a família de Teresa Halbach, alegou na altura o procurador Brad Schimel.
Mas Zellner não desiste e alega que a sua interferência neste caso está a deixar muitas pessoas incomodadas. «A mensagem que tenho recebido é ‘queremos que tu, a tua equipa e os teus especialistas desapareçam. E queremos que Steven Avery morra na prisão. E sem grandes confusões, por favor, sem grandes confusões… Pára de olhar para este caso. Pára de falar sobre ele’», afirmou a advogada durante o décimo episódio da segunda temporada. Recorde-se que, ao longo de toda a segunda parte, Zellner garante que acredita no seu cliente e que fez «todos os testes de despiste» para ter a certeza que Avery está a dizer a verdade.
Zellner também avançou com uma ‘moção de reconsideração’, que teria como objetivo fazer com que o tribunal revesse todo o julgamento e reconsiderasse a decisão tomada – nesta fase, a advogada poderia incluir todas as provas que recolheu entretanto e apresentar outras estratégias de defesa. Este pedido também foi rejeitado pela juíza Angela Sutkiewicz, uma decisão que Zellner considerou «política».
Por isso, Steven Avery continua atrás das grades, a cumprir uma pena de prisão perpétua por um crime que, segundo o próprio, não cometeu. Mas a sua advogada diz que não vai baixar os braços: «Steve Avery está apenas no início do seu processo de recurso, não no fim. Temos várias hipóteses de dar a volta a este caso», escreveu no Twitter, uma semana antes da estreia do documentário na Netflix.