Dois ritmos acompanham o milenar arquipélago das Berlengas. O ritmo da serenidade, da calma e o ritmo da feroz tempestade. A natureza é quem dita as regras, permitindo ou impedindo a livre ação humana.
No século XVI, depois de vários povos, como os romanos, os vikings ou os árabes terem passado pelas Berlengas, procurando a calma e a serenidade que o isolamento insular proporcionava, uma comunidade de monges da Ordem de S. Jerónimo decidiu habitar permanentemente na ilha, fundando o Mosteiro da Misericórdia da Berlenga, para meditar, rezar e auxiliar náufragos. Esqueceram-se, no entanto, de um detalhe importante: que o ritmo destas ilhas, para além da tranquilidade, incluía igualmente o frenesim das tempestades causadas pela natureza e por raides de furiosos piratas que tornavam a vida dos monges um autêntico inferno na terra.
Em poucas décadas, depois de vários saques e de inúmeros raptos de membros da ordem para servirem de escravos no norte de África e de muitas perigosas tempestades marítimas que impediam qualquer comunicação com o continente, os monges retiram-se definitivamente da ilha. Após esta saída, e com o mosteiro já em ruínas, o Rei decidiu, no século XVII, construir um forte militar, o Forte de São João Batista, que se revelou uma ocupação mais resiliente aos desafios existentes na altura, na medida em que cumpriu, com sucesso, durante dois séculos, até ao século XIX, a missão para a qual foi concebido.
No final deste período de dois séculos, em que se adaptou o uso deste lugar ao ritmo tempestuoso e hostil de combate a corsários, no século XX, voltou-se a privilegiar o ritmo da serenidade, agora não a paz espiritual religiosa, mas sim a serenidade associada à hospedagem e ao lazer, restaurando o forte para uma posterior adaptação do espaço a pousada, servindo de abrigo a quem aí deseje pernoitar.
A assistir a esta bipolar dicotomia, entre aproveitamento da serenidade ou da tempestade, no uso deste espaço, estiveram os pescadores, que sempre foram uma presença constante no arquipélago das Berlengas. Inicialmente, abrigando-se nas grutas naturais e habitando hoje, de forma sazonal, as casas do Bairro dos Pescadores, na encosta sul da Ilha Velha, sempre souberam que o mar balança entre a calma e a tempestade e o segredo do sucesso está em ter uma estratégia flexível e antecipar o ritmo que se aproxima, para tirar o melhor partido que a natureza nos pode proporcionar.
Atualmente, a prioridade é dada ao ecossistema insular, ao valor biológico da área marinha envolvente, ao elevado interesse botânico, ao papel das ilhas em termos de avifauna marinha, à presença de interessante património arqueológico terrestre e subaquático e às relações com a comunidade de pescadores, desta importante Reserva da Biosfera.
Aos poucos, o ser humano começa a perceber que um dos verdadeiros tesouros que o mar nos pode dar é ensinar-nos a viver em sintonia com os ritmos próprios da natureza deste planeta azul.
*Sócio da PwC