1.Há muito que temos identificado um problema estrutural que ameaça o nosso desenvolvimento colectivo, como Pátria e Nação: o défice de discussão de matérias (realmente) importantes, decisivas para melhorar a vida de todos e de cada um dos portugueses.
E aqui se inclui, em lugar cimeiro, a falta de reflexão sobre a política externa nacional, a qual deverá ser suficientemente estável para não periclitar interesses e princípios duradouros das nossas alianças e interesses estratégicos; e eficientemente flexível para se moldar às contingências, mutações e premências da realidade internacional.
Um novo paradigma de diplomacia económica que atenda tão somente às necessidades (facilidades?) momentâneas, descurando valores, princípios e amizades sedimentados ao longo de anos, décadas, séculos pelos nossos antepassados, e que, ao mesmo tempo, se exima a perspectivar as dinâmicas da sociedade internacional nos tempos vindouros – não passará de uma moda passageira, que permite negócios atractivos hoje sem cuidar, no entanto, dos interesses geoestratégicos permanentes da República Portuguesa.
2.Feito este intróito – que carecerá de análise mais detalhada em prosa superveniente – , à liça de aviso à navegação sobre os perigos de tratar a política externa portuguesa com a bitola cada vez mais usual entre nós das meras tricas partidárias, cumpre enaltecer a visita de Estado do Presidente de Angola, João Lourenço.
Trata-se de um dos factos mais significativos, em termos de política externa, para o futuro de Portugal: a reafirmação de uma amizade fraterna, empenhada e tão forte que até permite, por vezes, amuos temporários entre dois Estados que estão condenados a uma aliança amiga perene.
Esta é uma condenação ditada por factores históricos, humanos, de fraternidade, de razão e emoção – é um exemplo claro de uma condenação positiva, que nós recebemos e acarinhamos. Orgulhamo-nos de partilhar o idioma com o país que liderará o processo de afirmação internacional do continente africano; com o Estado que é (e sê-lo-á ainda mais nos próximos anos) um referencial de estabilidade na África subsariana.
Atacar, hostilizar (e, por vezes, até humilhar) Angola – numa dialéctica própria do fanatismo à la Bloco de Esquerda, partilhada por alguns sectores do PS irmanados com aquele grupo radical de esquerda, mas imprópria para a definição de uma política externa racional e sensata – afigura-se, pois, como um erro crasso.
Uma infantilidade que sairia muito caro aos interesses estratégicos permanentes do nosso país – veja-se como a França, a Alemanha ou a Espanha estão invariavelmente muito atentas às incidências da amizade estrutural, ainda que com episódios conjunturais, entre Portugal e Angola. Como as relações internacionais têm horror ao vazio, um retraimento de Portugal em Angola daria lugar ao espraiamento (táctico, primeiro, estratégia, porventura depois) dos nossos (ditos) aliados europeus em território angolano.
3.A visita do Presidente João Lourenço a Portugal é – reiteramos – um sinal auspicioso de que Angola sabe que Portugal é o seu amigo fraternal e principal aliado na Europa – e que, por seu turno, os responsáveis políticos portugueses não cometerão mais o erro de diabolizar o nosso irmão africano ou de lá tentar impor soluções políticas feitas à medida dos seus interesses.
Não deixa, aliás, de ser curioso que seja a extrema-esquerda chique personificada no Bloco de Esquerda, o qual contagiou uma certa ala do PS, a incitar a uma mudança política radical, violenta em Angola, tentando desestabilizar os órgãos políticos angolanos democraticamente eleitos. É a seminal e pornográfica hipocrisia esquerdista: são anti-americanos, porque os EUA são (diz a “blocada”) imperialistas, imiscuindo-se nos assuntos internos de outros Estados; no entanto, esta mesmo “blocada” não perde uma oportunidade para incentivar um golpe constitucional num Estado, nosso aliado e amigo, como é Angola, numa manifestação de explícita defesa de ingerência política em Estados soberanos.
No fundo, é o Bloco de Esquerda a render-se ao “imperialismo ideológico chique”: a Venezuela, país onde os mais elementares direitos fundamentais são violados quotidianamente, é um paraíso e deve ser salvaguardada de qualquer ingerência; já Angola, país estável e pacífico num contexto africano particularmente complexo, deve ser ostracizada e doutrinada pelos jovens trotskistas lusos….
4. Portugal deve, pois, apoiar – como amigo e Estado aliado, sem sobranceirismo nem tiques de superioridade de qualquer espécie – Angola e o seu novo Presidente nos desafios (complexos, conquanto estimulantes) que têm pela frente.
O Presidente João Lourenço já provou ser o homem certo no lugar certo, no momento certo. É uma tripla conjugação certeira, pouco usual na política (especialmente, na política contemporânea onde a voragem dos acontecimentos e a “liquidez” de valores torna tudo efémero e excessivamente casual…), que deve ser enaltecida.
Primeiro, porque João Lourenço é uma personalidade altamente respeitada quer pela designada elite, quer pelo povo angolano, comunicando bem com uns e com outros.
Segundo, porque o Presidente João Lourenço manteve a proximidade adequada com a liderança anterior, reconhecendo os seus méritos e identificando as suas incorrecções de percurso – ao mesmo tempo, que cultivou um distanciamento suficiente para reflecir, ponderar e saber o que fazer de diferente numa nova fase de afirmação do Estado angolano.
Enfim, o actual Presidente de Angola personifica a verdadeira “continuidade na evolução”: uma continuidade que é crítica, mas que não ignora o legado histórico que recebeu, melhor do que muitos dos seus vizinhos africanos (e não só); sabendo, por outro lado, que a evolução não significa revolução – e que as revoluções (sem critério e liderada por anarquistas e ideólogos do caos), muitas vezes, impedem a evolução, limitando-se a oferecer uma brutal regressão política, social e económica.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço é um exímio jogador de xadrez. Mais do que ninguém, conhece o valor essencial da paciência estratégica que se deverá sobrepor ao tacticismo frenético; no xadrez, como na política, uma precipitação ou uma jogada mal calculada poderão produzir consequências indesejáveis.
O sucesso desejado e merecido poderá converter-se rapidamente em falhanço imediato e injusto.
Por outro lado, o Presidente João Lourenço é um militar prestigiado, cuja capacidade de liderança é sobejamente conhecida – escusado será, pois, afirmar que sabe bem que abrir várias frentes de batalha, sem racionalidade nem oportunidade, ao mesmo tempo é o primeiro passo rumo à derrota.
As vitórias exigem foco, concentração e capacidade de priorizar desideratos e conquistas. Responsabilizar quem prevaricou é um corolário lógico de qualquer poder que pretenda aditar à sua legitimidade de direito a sua legitimidade de exercício; revisitar a história com visões justiceiras, recuperando divisões antigas e somando problemas pretéritos aos problemas presentes, levará apenas ao desgaste dos actuais titulares do poder político.
O Presidente João Lourenço exercerá (não duvidamos) o seu poder com autoridade; mas sem autoritarismos para entreter o poder mediático ou desviar as atenções do essencial da sua actividade governativa.
5. O combate à corrupção é, neste contexto, uma prioridade absoluta – os recursos do Estado angolano devem servir as necessidades do povo angolano.
Devem servir a maioria e não uma pequena minoria – filosofia que está, aliás, subjacente à lei de repatriamento de capitais da iniciativa do próprio Presidente angolano.
Isto porque a corrupção é hoje o verdadeiro crime de lesa-pátria: aos seus custos morais, de captura do poder político e de descredibilização do poder político e , logo, da coesão social; aos seus custos financeiros, que se reconduzem à perda de património do Estado para servir interesses meramente privados – acrescem avultados custos económicos, relacionados com o desincentivo ao investimento motivado pela falta de confiança dos empresários.
Ao contrário dos profetas da desgraça que sempre por aí pululam, confiamos que João Lourenço triunfará neste seu combate por uma mais efectiva justiça social, pelo crescimento da economia e defesa do património que é de todo um povo.
Quem tem coragem para assumir tão hercúlea tarefa (como o Presidente João Lourenço teve), só poderá alcançar êxito na sua acção. Afinal de contas, a sorte acompanha os audazes – e a audácia do actual Presidente angolano merecerá o devido respaldo do destino, na sua aleatoriedade (por vezes, tantas vezes!) previsível e trabalhada.
6.O que ficará da visita de Estado, ainda em curso, do Presidente João Lourenço ao nosso país será bastante positivo.
Pela reafirmação da amizade, da parceria perene, que não está sujeita a episódios circunstanciais, nem tão pouco às mutações políticas: porque, no fim do dia, a relação entre Portugal e Angola, mais do que uma aliança entre Estados, é uma fraternidade entre povos.
Se é verdade que a nossa irmandade (como qualquer relação afectiva) teve pontos altos e baixos no passado, não o é menos que um novo ciclo se abriu. Está abrindo-se. E ficou demonstrado o amplo consenso de que goza a amizade com Angola na sociedade portuguesa : num gesto marcante, o Presidente João Lourenço foi recebido e ovacionado na Assembleia da República, órgão que, nos termos da Constituição, representa o povo português (fiquemo-nos hoje pela letra da Lei Fundamental, sem mais comentários a este propósito).
Voltámos, com a sagacidade do Presidente João Lourenço e a perspicácia (por vezes, quando ele quer) certeira do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, a onde deveríamos sempre estar – à plena saúde e vitalidade da amizade calorosa luso-angolana.
7.Em conclusão: o nosso futuro conjunto, parafraseando o Presidente João Lourenço, é promissor. O “irritante” que esfriou a relação entre Portugal e Angola deu lugar ao “entusiasmante”, que, doravante, a animará e exponenciará. Estamos juntos!