A tensão entre Moscovo e Kiev voltou ontem a subir com o anúncio da detenção por 60 dias de nove dos 24 marinheiros ucranianos, que ficarão a aguardar julgamento. A decisão foi tomada pelo tribunal de Simferopol, na Crimeia. Há quem peça novas e mais fortes sanções contra a Rússia, mas também quem, por agora, apele ao diálogo e à diminuição da tensão numa região que facilmente pode escalar para um conflito mais alargado.
Se a acusação de travessia ilegal da fronteira russa for aceite pelo tribunal, os marinheiros poderão ser condenados a uma pena de prisão até seis anos, segundo um investigador citado pela agência russa TASS. A decisão de detenção dos marinheiros tem ainda um caráter simbólico por ter sido tomada por um tribunal localizado na Crimeia, região ucraniana até à anexação russa, em 2014.
A esta decisão soma-se a transmissão televisiva dos interrogatórios de outros três marinheiros que confessaram terem cometido ilegalidades. “Reconheço que as ações dos navios com meios militares da marinha da Ucrânia tiveram um caráter provocatório”, disse Volodymyr Sisovyi, um dos marinheiros. “Estava a cumprir ordens”, acrescentou. Também Andriy Drach, outro membro da marinha ucraniana, admitiu em vídeo terem sido alertados pela marinha russa: “Fomos avisados pelo serviço fronteiriço da Federação Russa que estávamos a violar a lei russa. Pediram-nos repetidamente que abandonássemos as águas da Federação Russa.”
Em reação aos vídeos, o chefe da marinha ucraniana, Ihor Voronchenko, disse à televisão estatal ucraniana que os três marinheiros foram obrigados a prestar falsos testemunhos em consequência das duras condições de detenção. “Conheço os marinheiros do Nikopol [o navio ucraniano]. Foram sempre profissionais honestos nos seus postos e o que disseram não é verdade”, garantiu. Por sua vez, o responsável pelos serviços secretos ucranianos, Vasyl Hrytsak, confirmou a identidade dos marinheiros e a sua presença no navio, mas referiu que a operação foi uma “missão de contrainteligência de rotina”, à semelhança das que a marinha russa realiza nas mesmas águas, admitindo que havia agentes secretos a bordo.
O primeiro confronto direto entre as forças armadas russas e ucranianas desde a anexação aconteceu no domingo passado quando duas lanchas e um rebocador da marinha ucraniana foram intercetados por navios russos apoiados por caças e helicópteros. A marinha russa abriu fogo e abalroou o rebocador, detendo de seguida a tripulação.
Nas horas que se seguiram, as acusações e contra-acusações entre Kiev e Moscovo seguiram–se, com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, a dizer que as ações da Rússia “terão consequências”. Entre os apelos à calma da Alemanha, Áustria, França e do secretário-geral da ONU, António Guterres, há quem defenda e se mostre disponível para impor novas sanções a Moscovo. “Temos dito que estamos prontos para apoiar um aumento das sanções”, disse o ministro da Defesa estónio, Juri Luik, rapidamente apoiado pelo presidente polaco, Andrzej Duda: “Caso existam essas iniciativas internacionais, como novas sanções, a Polónia participará, porque estamos prontos para todas as ações que levem à solução do conflito.” Tanto a Polónia como a Estónia se sentem ameaçadas pelo expansionismo russo.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Alexander Grushko, garantiu que “as sanções não levam a lado nenhum. Não vão ajudar a resolver qualquer problema”. E afirmou ainda que poderão colocar em causa o Acordo de Minsk, assinado em 2015, entre o governo ucraniano e os separatistas pró-russos de Lugansk e Donetsk.