Uma evidência: na quarta-feira, Rui Vitória era treinador do Benfica. Uma constatação: hoje, Rui Vitória continua a ser treinador do Benfica. No espaço que mediou estes dois dias, porém, muita coisa aconteceu, e a permanência do técnico no cargo que vem a ocupar desde o verão de 2015 esteve realmente por um fio: foi mais um feeling de Luís Filipe Vieira a decidir-se pela continuidade.
A notícia começou a difundir-se ao início da madrugada de quinta-feira: a cúpula diretiva do Benfica teria estado reunida na Luz ao final da tarde anterior para debater a atualidade encarnada e, em última instância, o futuro de Rui Vitória como treinador. Uma reunião que contou com as presenças dos pesos-pesados da direção: além do presidente, claro, também os administradores da SAD Domingos Soares Oliveira e Rui Costa, bem como Tiago Pinto, diretor para o futebol, estiveram sentados à mesa.
Da reunião saiu uma conclusão clara para todos os intervenientes: Rui Vitória tinha de sair. A decisão iria ser revelada ao treinador na manhã de quinta-feira pelo próprio Luís Filipe Vieira, que até passou a noite no Seixal. O “problema” é que Vieira… tem feelings: teve um no fim da temporada 2012/13, quando decidiu manter Jorge Jesus no comando técnico contra o desejo de todos os outros membros da direção, e voltou agora a ter uma epifania semelhante.
A visão de Vieira “O Jesus esteve com os dois pés na saída. Mas tive um feeling – há quem diga que sou um visionário, que parece que vejo mais à frente -, decidi que ele devia ficar e no fim fomos campeões. E agora aconteceu a mesma coisa: depois de muita reflexão, entendi que ele devia continuar, que é o homem certo no lugar certo. Vamos ver se o tempo dirá se tenho razão ou não. Não escondo que havia uma decisão tomada, quando saí daqui ontem fiz um determinado compromisso, mas… eu sei como decido muita coisa. Olhe, foi uma luz que me deu! Dormi no Seixal, meditei bastante, a decisão foi muito amadurecida e às 7h30 comuniquei-a ao Tiago Pinto, que ficou perplexo. A responsabilidade é minha. Nem todos na SAD alinhamos na mesma direção, mas depois da decisão tomada somos solidários uns com os outros. Rui Vitória será o treinador até ao final da época, a menos que surja algum imprevisto”, revelou o presidente do Benfica, em conferência de imprensa convocada de urgência para clarificar todos os acontecimentos.
E a explicação não ficou por aqui. “Quando o Rui Vitória chegou [às 8h30], falámos, disse-lhe o que pensava da continuidade dele e se ele estava preparado e motivado face ao que aconteceu nos últimos dias, pois ele era carta fora do baralho para a comunicação social. Quando comecei a falar com ele, disse-me: ‘Nunca serei problema para o Benfica. Se tiver de sair, não quero indemnização nenhuma.’ E eu posso provar isto. Já tínhamos decidido que, caso se confirmasse a sua saída, o Benfica teria a obrigação de lhe pagar enquanto ele estivesse desempregado. A ele e a todos os adjuntos”, assumiu o presidente encarnado, completando os elogios ao treinador: “Depois de lhe ter dito que ia continuar, ele rejeitou uma proposta em que ia ganhar por ano seis milhões de euros, ou dólares. É um treinador comprometido com a nossa estratégia, lançou vários jovens desde que cá está. Claro que há um descontentamento com os resultados neste momento, não têm sido os melhores, mas é importante para o projeto que o Rui Vitória continue. Ainda é possível conquistar todos os títulos em Portugal. Nos últimos dez anos tivemos dois treinadores e ganhámos 16 títulos; é ver a quantidade de treinadores dos rivais no mesmo período e os títulos que ganharam… A estabilidade nas equipas técnicas é muito importante e a trajetória dos últimos anos dá-nos razão.”
Jesus “nunca foi hipótese” Um dos cenários mais apontados enquanto se pensava que Vitória iria sair prendia-se com a possibilidade de Bruno Lage, treinador da equipa B, assumir a formação principal de modo interino. Vieira confirmou essa teoria, mas rejeitou por completo outra: a de que Jorge Jesus seria o sucessor de Vitória, agora ou em que momento for. “O Jesus nunca foi contactado, e ele pode comprovar o que estou a dizer. Nunca foi mencionado por mim para ser o próximo treinador do Benfica, mas não posso prever o que acontecerá no futuro. Falámos muitas vezes, mas nunca sobre ele voltar. Agora, ninguém me pode proibir de falar com o Jesus!”, disparou o líder máximo das águias, já depois de lançar uma indireta ao antigo técnico encarnado: “Qualquer treinador que viesse era um risco, e não daria certezas de continuidade do projeto do Seixal. Quando pensar em ter um treinador novo, o Benfica tem de pensar com muita antecedência, não se faz outro ciclo de um momento para o outro. Nenhum virá cá para fazer o projeto dele mas sim o do Benfica.”
Garantindo ainda que o cenário de Luisão fazer parte da equipa técnica do sucessor de Vitória também nunca se pôs, Vieira revelou ter recebido contactos de muitos treinadores a oferecer-se ao Benfica. E deixou recados também para os adeptos… e plantel. “A massa adepta tem de apoiar a equipa. O Rui Vitória não é o único culpado, há mais gente culpada. Se fôssemos mexer, teríamos de mexer em muitas peças. Achamos que temos plantel para a reconquista, mas também que hoje ficou tudo claro no balneário: é para jogar à Benfica; não lento, lento, mas com garra!”, exortou Vieira, antes de voltar a frisar a crença de que o Benfica pode ser “sério candidato ao título europeu se conseguir manter no clube os jovens que forma, como neste momento o Gedson, o Yuri Ribeiro e o João Félix”.
Com apenas dois triunfos nos últimos sete jogos, fica agora a curiosidade para ver como a equipa irá reagir a tanta agitação. Por agora, Rui Vitória terá já esta sexta-feira uma conferência de imprensa de antevisão ao encontro deste fim de semana com o Feirense, na Luz.