Portugal aparece há vários anos na lista de países europeus que mais paga pela luz. Mudam os anos e as posições, mas não a tendência de ter uma das cargas fiscais mais pesadas. Estamos sempre na liderança das tabelas. Entre taxas e impostos, a fatia que vai para o Estado chega a ser mais de metade do valor que é pago pelas famílias nas faturas.
O tema voltou a ganhar destaque esta semana depois de dados do Eurostat mostrarem que as famílias portuguesas são as que pagam a sexta fatura elétrica mais cara da União Europeia (UE). A piorar o cenário está o facto de o gabinete de estatísticas da UE referir que 55% da fatura são impostos e acrescentar que apenas a Dinamarca tem uma carga fiscal superior à portuguesa.
O alerta já tinha sido dado em maio deste ano, assim como em anos anteriores. A questão é que o valor tem vindo a aumentar e muito. No segundo semestre de 2017, por exemplo, o Eurostat mostrava que a percentagem de impostos e outras tarifas representaram 52% do preço médio da luz, o que correspondia à terceira fatia mais elevada da UE.
A pressionar muito os valores está o facto de o IVA na eletricidade ser de 23%. É este um dos pontos que mais tem prejudicado as famílias portuguesas. No caso dos mais pobres, o impacto é cinco vezes superior ao que é sentido pelas famílias com mais rendimentos. De acordo com uma análise feita por Alfredo Marvão Pereira e Rui Manuel Pereira – professores do College of William & Mary – não há como fugir: os agregados com menos meios são os que mais sofrem. Ao SOL, Marvão Pereira explica que «estamos sempre na liderança dos preços mais altos». Quando devia ser o mais baixo possível por questões ambientais, de eficiência e equidade social, os pobres têm sido cinco vezes mais penalizados, diz. «Com o IVA a 23%, a tarifa social não faz assim tanta diferença. Se formos ver o poder de compra, Portugal fica mesmo com a fatura mais cara», acrescenta o investigador.
Marvão Pereira vai mais longe e dá o exemplo do IVA nos espetáculo, que baixou, e da área das touradas, que não podia estar a ser mais debatida no país. Ainda que admita que todas as questões são importantes, «é alucinogénico discutir tanto a redução do IVA das touradas e não ser comparável com a discussão sobre a eletricidade», ressalva.
Para o economista, a questão está em não existirem lóbis. Como se sabe, existem casos em que há pressão, exercida por grupos organizados, sobre o poder político, com o objetivo de obter benefícios. «O problema é como toda a dinâmica política funciona. Há uma clientela muito difusa porque todos consumimos», resume. Para Marvão Pereira, faltarão sempre argumentos de justiça social e de eficiência económica que justifiquem «o IVA dos espetáculos a 6% e a luz a 23%. Há dinheiro para diminuir o IVA e é mais justo socialmente».
O ambiente é mesmo uma preocupação?
À margem da comparação entre o IVA que é aplicado a determinadas matérias, o economista destaca ainda que pouco tem sido falado em matéria ambiental: «Temos todas as instâncias internacionais a chamarem a atenção para a descarbonização e nós temos discussões sem falar deste ponto. Ou não acreditamos nas questões climáticas ou achamos que é um facto, mas não sabemos o que andamos a fazer. Tudo o que aumente sem justificação o preço da eletricidade é caminhar na direção errada. Tudo o que seja diminuir a carga fiscal nos produtos de petróleo é ir na direção errada».
A pesar em tudo isto está ainda o facto de Portugal continuar a ser um país pobre em mais campos do que muitos admitem. «Ainda vivemos numa certa pobreza energética. Até mesmo em termos de aquecimento», explica Marvão Pereira, acrescentando que, na discussão do Brexit, um dos argumentos a favor tinha exatamente a ver com a fatura da luz. Os regulamentos não permitiam que o IVA fosse inferior a 5%, mas era intenção de muitos que fosse o mais baixo possível, se possível, perto de zero.
A tendência de haver um grande peso nas contas dos portugueses chegou mesmo a motivar uma análise ao setor em 2015. Uma das conclusões mais importantes era que os preços tinham começado a cair, especialmente desde 2013, na Alemanha e em França. Em Portugal, tudo na mesma. «Os dois primeiros países referidos têm conseguido, através da evolução das tecnologias e outros meios, reduzir os seus preços de eletricidade, sendo que tanto Portugal como Espanha debatem-se com o seu isolamento geográfico.»
Recorde-se que a fatura da luz começou a pesar mais depois de o IVA ter aumentado em 2011. Portugal estava então mergulhado num contexto de resgate financeiro internacional. Uma das consequências foi o aumento da taxa estatutária do IVA na eletricidade de 6 para 23%. A medida era para ser temporária, mas não foi. Sete anos depois, continua a ser das medidas que mais pesa nas contas anuais dos portugueses.
De acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), os impostos representam atualmente 19% do preços das faturas. O verdadeiro peso é dos custos políticos (36%) e, entre eles, estão, por exemplo, as rendas municipais e subsídios das renováveis.
O preço da luz esteve em destaque na discussão do Orçamento para 2019. Houve vontade de baixar o IVA da eletricidade, mas o PS e a direita travaram. Algumas das vozes mais críticas apontam mesmo o dedo à falta de uma discussão séria sobre o assunto, pelo menos, em comparação à discussão em torno da carga fiscal aplicada a outra matérias e setores.
Uma outra questão analisada foi a dupla subsidiação das renováveis atingir os 300 milhões de euros. Uma auditoria da Inspeção Geral das Finanças determinou que os produtores de energia renovável beneficiaram nas tarifas e ainda em apoios.