A Europa viu agudizar-se esta semana a crise entre a Ucrânia e a Rússia, enquanto se complicam as negociações para a saída pacífica do Reino Unido da União Europeia. São dois exemplos do estado em que está a Europa – e, por arrastamento, a União Europeia — enquanto projeto político, económico, social e cultural.
Longe vão os tempos em que quase todos queriam entrar na família europeia e nenhum de lá queria sair.
A Europa da unidade com diversidade começa a ser uma miragem. A Europa do alargamento a Sul e a Leste também. A Europa do aprofundamento político e económico marca passo, ao contrário do que querem fazer-nos crer alguns responsáveis europeus, com a tomada de decisões avulsas.
Vários europeístas convictos de outrora têm cada vez mais dúvidas sobre se esta é a Europa por que lutaram e em que acreditaram.
Uma Europa que parece distanciada da realidade. Que esconde valores fundacionais e que parece esquecer as suas raízes cristãs.
Uma Europa que em países estruturantes para o projeto europeu parece alimentar cada vez mais o laicismo radical. Quase tão mau como o Islão radical dispensável.
Uma Europa em que se acentuam as clivagens politicas, económicas, sociais, culturais e religiosas.
As clivagens entre o Norte e o Sul. Entre as democracias de produção e as democracias de distribuição. Entre a herança cultural judaico-cristã e os ortodoxos, protestantes e calvinistas. Entre uma Europa populista e uma Europa solidária.
Esta não é a Europa de que os europeus precisam. De que o mundo precisa. Uma Europa frágil, dividida, cercada, a perder aliados externos, é uma Europa condicionada e enfraquecida. Tipo anão político e gigante económico com pés de barro.
Nunca fez tanto sentido, como agora, revisitarmos os clássicos. Voltarmos ao seu tema maior: a herança cultural. Nunca fez tanto sentido, por exemplo, revisitar George Steiner, em Uma certa ideia de Europa. Está lá muito do que importa para o projeto europeu, e que infelizmente andamos a perder, às vezes sem o percebermos diretamente.
A Europa do futuro tem de ser a Europa da coesão política, económica e social. A Europa em que a ortodoxia dos números não pode ser rainha e senhora. Gostemos ou não, uma coisa é clara: a Europa tem vindo a perder aliados e também líderes carismáticos no seu interior.
Felipe González, Giulio Andreotti, François Mitterrand, Jacques Delors, Helmut Kohl, Margaret Thatcher (e agora esperemos que não aconteça, tão depressa, Angela Merkel), tão europeus convictos, que parece não terem tido (com poucas exceções) ainda substitutos à altura.
O que aconteceu esta semana com mais uma novela da crise russo-ucraniana, e com a indecisão em relação ao Brexit negociado, são exemplos de como estamos interna e externamente.
Com eleições europeias no horizonte, 2019 pode vir a ser o ano de muitas indefinições e até surpresas negativas para o projeto europeu. Com o aumento do populismo à esquerda e à direita, e o encolhimento do setor moderado, a Europa corre o risco de se ver bloqueada nos seus propósitos jurídico-políticos, económicos e sociais.
O mundo, como já percebemos, não vai esperar mais pelos europeus. Daí que Henry Kissinger tenha vindo a dar-nos mais razão: é urgente repensarmos os princípios de Vestefália e acabarmos com a soberba e a unipolaridade normativa e militar europeia e ‘ocidental’. A Líbia (a Somália do Mediterrâneo) e o Médio Oriente estão aí para o atestar, como exemplos de decisões erradas do chamado Ocidente.
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