“A parte chinesa espera e acredita que a parte portuguesa vá continuar a desempenhar um papel ativo dentro da União Europeia, impulsionando o desenvolvimento da Parceria China-UE da paz, crescimento, reforma e civilização.” Xi Jinping podia tê–lo dito de outra forma, mas não mais clara: o presidente chinês, que hoje começa uma visita oficial de dois dias, espera que Portugal seja a sua porta de entrada na Europa dos 27.
No texto publicado na segunda-feira no “Diário de Notícias”, Xi fala em “parceiros de desenvolvimento comum” e refere que “Portugal é um ponto importante de ligação entre a Rota da Seda Terrestre e a Rota da Seda Marítima”.
Exatamente uma ideia que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva refere, em entrevista ao “Sol”: “A China quer desenvolver rotas marítimas e rotas terrestres que a liguem à Europa. Já hoje, na rota ferroviária, há um comboio de mercadorias que parte dos confins da China e chega a Madrid. Ora, o nosso porto de Sines pode ser o elo de ligação entre estas duas rotas, porque pode terminar a rota marítima e, como estamos a modernizar e a concluir a ligação ferroviária entre Sines e Espanha, pode ser o ponto em que a rede terrestre e a rede marítima se encontrem. Parece-nos uma possibilidade que traz vantagens para Portugal, para a China e para a UE.”
O presidente chinês chega a Lisboa numa altura em que os Estados-membros da UE procuram restringir os investimentos chineses no espaço da união e pressionam os países do sul para não cederem à tentação oriental. Em Madrid, onde passou na semana passada antes de viajar para a cimeira do G20 na Argentina, Xi não conseguiu o que realmente queria: a participação da Espanha na nova Rota da Seda. O memorando de entendimento, que os gregos já assinaram e Portugal deverá assinar durante esta visita, ficou por assinar em Espanha.
Segundo o ex-secretário de Estados para os Assuntos Europeus Bruno Maçães, em declarações ao i, o presidente francês, Emmanuel Macron, “enviou uma mensagem ao governo português” a dizer que “ficaria muito desiludido se Portugal entrasse na iniciativa chinesa”.
“A nível da UE, a ordem dada é que, por agora, nem sim, nem não. Isto é, manter-se na expetativa, mas não assinar acordos para entrar como fizeram muitos países”, disse Fernando Moragón, presidente do Observatório Hispano-Russo da Eurásia.
A UE “acaba de aprovar a sua própria iniciativa de conectividade com a Ásia e a lógica é que seja nesse marco que os europeus estejam a trabalhar”, disseram fontes do governo espanhol ao “El País”.
Santos Silva garante que Portugal olha “com interesse para a iniciativa chinesa a que chamam Uma Cintura e Uma Rota” porque “nos parece que casa bem com a estratégia europeia de conectividade euro-asiática e se enquadra com um instrumento muito importante de cooperação que a UE tem com a China, a chamada Plataforma para a Conectividade UE-China”.
Portugal é já hoje um dos países que mais investimento da China recebem. Depois da crise económica portuguesa, os chineses foram dos únicos que se disponibilizaram para investir (com os angolanos) e, entre 2010 e 2016, Portugal tornou-se o sétimo maior destino do investimento chinês, com 5,7 mil milhões de euros e um peso muito maior em termos per capita. Atualmente, já anda perto dos 9 mil milhões de euros, de acordo com Philippe Corre, num paper no Carnegie Endowment for International Peace.
“Após a ocorrência da crise da dívida soberana europeia, depois da crise financeira internacional em 2008, o governo da China e o governo de Portugal envidaram esforços conjuntos para resistir aos riscos e fazer face aos desafios derivados. Uma após outra, as empresas chinesas vieram investir em Portugal. Ao expandir os seus negócios fora da China, contribuíram também para a criação de postos de trabalho e para o desenvolvimento socioeconómico de Portugal”, lembrou o presidente Xi.
Como explicou Bruno Maçães ao i, “até agora, o que tem acontecido é que há países onde [a China] exerce uma influência política óbvia e há outras partes do mundo, como em Portugal, por exemplo, onde está presente economicamente mas tem tido sempre o cuidado de não exercer o seu poder económico para fins políticos”.
Tem sido assim até agora, algo que poderá vir a mudar depois da passagem de Xi por Lisboa e se a adesão de Portugal à nova Rota da Seda se concretizar. “Desta vez, não é apenas um projeto económico, é um projeto político, porque a nova Rota da Seda é um projeto político. A decisão é fundamental e vai alterar a nossa relação com a China e com a Europa”, explicou Maçães.
Santos Silva tem uma opinião divergente em relação à Rota da Seda: “Não se trata de aderirmos a uma iniciativa chinesa, nós não aderimos a iniciativas chinesas, nós somos Portugal, país soberano. Podemos é cooperar com essa iniciativa chinesa, porque há um interesse evidente.”