Confrontado com os maiores protestos nas ruas francesas desde o Maio de 68, o presidente francês, Emmanuel Macron, viu-se obrigado a recuar na intenção de subir o imposto de combustível, depois de ter garantido inúmeras vezes que não o faria. Para proteger Macron do desaire, o anúncio foi feito pelo seu primeiro-ministro, Édouard Philippe.
“Milhares de franceses expressaram a sua raiva”, disse o primeiro-ministro numa declaração transmitida pela televisão. “Uma pessoa teria de ser surda e cega para não o ver ou ouvir. Ouço esta raiva e percebo os seus motivos, a sua força e a sua seriedade”. E, aceitando as reivindicações do movimento dos coletes amarelos, Philippe disse que “se os acontecimentos dos últimos dias mostram algo, é que os franceses não querem mais impostos ou despesas”.
Além do congelamento do imposto dos combustíveis por seis meses, o governo irá também congelar os preços do gás e da eletricidade e iniciar um debate sobre impostos e despesa pública.
Todavia, o primeiro-ministro não esteve com meias palavras para avisar que outros episódios de violência não serão tolerados – mensagem anteriormente transmitida por Macron e amplamente ignorada. Nas últimas semanas, o governo tem-se desdobrado em declarações a reafirmar a sua disponibilidade para o diálogo, mas, ao mesmo tempo, não abdicava do aumento dos impostos, aceitando apenas debater o método e não as tarifas em si.
Na segunda-feira, alguns dos líderes do movimento inorgânico acabaram por recusar encontrar-se com Philippe, fechando definitivamente a porta das negociações. “Não somos marionetas de políticos que querem continuar a dar-nos lições. E é isso que nos diz a linguagem dos deputados do República em Marcha [partido de Macron] nas declarações que têm feito aos média”, afirmou Benjamin Cauchy, um dos porta-vozes informais dos coletes amarelos.
O próprio movimento tem estado dividido sobre qual a estratégia a assumir perante o governo: uns defendem o diálogo e outros recusam-no – e este anúncio de Macron poderá aprofundar as divisões. Esta semana, a fação não dialogante obteve uma vitória política, como explicou Cauchy, por alguns dos seus membros terem feito “ameaças nas redes sociais”.
Enquanto o movimento se recusava falar com o governo e bloqueava refinarias e portos, estudantes de mais de 180 escolas secundárias organizaram protestos contra a reforma da educação e dos exames, com uma escola em Toulouse a ficar totalmente destruída quando estudantes lhe pegaram fogo, avançou a AFP. Também se registaram outros incêndios, ainda que de menor dimensão, nas proximidades de outros estabelecimentos de ensino. Ontem, dezenas de secundárias continuavam bloqueadas pelos estudantes em protesto.
Cerca de 800 técnicos de ambulância usaram 600 veículos para bloquearem na manhã de segunda-feira a ponte que liga a Assembleia Nacional à Place de la Concorde, em Paris. Em causa está uma reforma de Macron que visa estabelecer que os hospitais e clínicas privadas escolham as ambulâncias por concurso.
O movimento começa assim a dar sinais de se estar a alargar a outros setores da sociedade francesa, à semelhança do que aconteceu em Maio de 68, quando o então presidente Charles de Gaulle se viu obrigado a fugir de Paris de helicóptero.
Os partidos da oposição também não lhe estenderam a mão. Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, e Marine Le Pen, presidente da União Nacional, pediram a dissolução da Assembleia Nacional. Os socialistas, entre os quais o antigo presidente François Hollande, colocaram-se ao lado dos manifestantes e Os Republicanos exigiram um referendo às políticas energéticas do governo.
Com novas manifestações marcadas pelos vários coletivos de coletes amarelos para sábado, o governo espera agora que a sua decisão de recuar possa impedir que o clima de confrontos das últimas semanas não se repita. A possibilidade da declaração do estado de emergência está em cima da mesa, mas o governo só quererá recorrer a ela como último recurso.
Macron recuou, mas não o fez totalmente por ser uma moratória. “Ao fazer uma concessão, o governo não precisa de satisfazer toda a gente. Apenas precisa de satisfazer um largo bloco de ‘moderados’ entre os coletes amarelos, afastando-os das barricadas”, escreveu Hugh Schofield, correspondente da BBC News em Paris. “Se isso acontecer, o movimento perderá ímpeto” – tática tantas vezes praticada pelos governos para esvaziarem os movimentos de contestação.
No entanto, o contrário também poderá acontecer: os manifestantes exigirem ainda mais ao executivo. “As ações de protesto vão continuar. Em termos globais, nada muda. Não há medidas para enfrentar os nossos problemas no dia-a-dia. Não há nenhuma medida para melhorar a nossa situação”, garantiu uma das gestoras do grupo de Facebook Yellow Friday Revolution 33 ao canal francês BFMTV.
A violência vivida no sábado, a escassez de combustível em estações de serviço e o alargamento do movimento terão pesado na decisão do executivo. No sábado, 378 pessoas foram detidas e outras 263 ficaram feridas, enquanto não menos de 55 veículos ficaram reduzidos a cinzas e barricadas foram levantadas contra a polícia. Ontem, o ministro do Interior francês, Christophe Castaner, apelou, numa sessão parlamentar do Senado, aos coletes amarelos para que não se manifestem no próximo sábado.