Mesmo com um olhar menos atento pressente-se uma extraordinária evolução na capacidade de se moldarem as perceções dos cidadãos. Percebe-se também que esta atividade produz os efeitos esperados, ao mesmo tempo que mobiliza cada vez mais recursos, mais articulações em rede, mais competências tecnológicas e mais interesses individuais.
As máquinas de manipulação de perceções digladiam-se para controlarem a evolução das ideias e das posturas, chegando ao ponto de se inventarem mecanismos em que a permanente evocação de equidade é, paradoxalmente, suporte da aceitação do seu contrário.
A explosão do conhecimento combinada com as naturais limitações individuais, traz para a primeira linha de preocupações a força crescente da interdependência de competências e de capacidades, mesmo que ainda fracamente compreendidas. Não tarda experienciaremos todos os resultados de tal situação.
Individualmente parece prevalecer a reconfortante visão de estarmos sujeitos a uma espécie de destino que transforma a nossa existência num percurso de vida inevitável. Talvez por isso muitos de nós recusamos a necessidade de novas formas de adquirir cultura e até de acesso aos bens culturais, rejeitando assim alcançarmos novos patamares de cidadania.
O alheamento da realidade conduz à insegurança e abre campo para a manipulação de vontades e consequente tomada de decisões manipuladas a nível individual. Manipulação que é desenvolvida em tons de modernidade, normalmente construída pela espuma das preocupações do quotidiano, onde a propositada ausência do balizamento por valores promove a destruição da solidariedade, mascarada por cedências de direitos, e confunde a lógica do próprio direito desestruturando a dinâmica da ética. O mais dramático é que o exercício é maioritariamente levado a cabo por grupos e instituições, á partida, insuspeitos de tais práticas.
É essencial que se construam rapidamente alternativas a este modelo, sobretudo pela via da educação e do esclarecimento público consequente. É fundamental que a educação formal e cívica abram uma nova esperança para o relacionamento da aceitação apriorística de um conjunto de direitos individuais, socialmente respeitáveis e inquestionáveis á luz do conceito dos direitos humanos, cuja carta essencial comemora agora o 70.º aniversário.
A tolerância e a sua adequação temporal são ingredientes essenciais para que avancemos para uma sociedade que tenha por medida a felicidade em vez do sacrifício, tendo, porém, de se estar atenta à multiplicidade de falsos salvadores da causa da felicidade, vendidos, recorrentemente, como personalidades sem as quais não teremos futuro.
A vida deixou de ser um projeto em comunidades estanques. É urgente substituir a antiga retórica política pelo efetivo, responsável e consciente poder político dos cidadãos, pela sua confiança no progresso e na justiça, pela prevalência das liberdades individuais e da igualdade de direitos e de oportunidades, pela equidade no tratamento institucional, pelo incremento da capacidade de criação e distribuição de riqueza, e, sobretudo, pela sacralidade da dignidade do homem.
Não podemos esquecer, que o curto, o médio e o longo prazo têm como característica comum começarem exatamente ao mesmo tempo. As pressões para a desintegração da União Europeia vão-se avolumar e diversificar os seus perfis. Portugal também será alvo dessas pressões. O desafio é grande, delicado e singular e irá permanecer, por tempo longo, como inacabado.
Fernando Gonçalves
Economista