Não, não é definitivamente do país que vem o perigo para o Governo do partido socialista.
Mesmo num momento sempre emocionante da votação de um orçamento na especialidade, tudo se passou como previsto.
As oposições limitaram-se a recordar como, apesar de tudo, se pode governar sem cumprir o que em lei se escreveu. E isto tanto vale para o caso dos professores, como para o caso dos impostos sobre os combustíveis, como para o caso dos impostos em geral.
Basta lançar cortinas de fumo, inventar oportunidades negociais, embargar a voz da classe operária.
A lei tem, assim, uma função levemente indicativa.
E as ‘posições’ coadjuvantes deram de si a ideia de quem consegue o terceiro prémio do euromilhões. Isto é, produziram ruído e vozearia que não foi diretamente proporcional ao conseguido. De entre eles, quem pode encheu as ruas de manifestações e greves. Tantas e tais que o mundo se espantou. Então não é este um Governo de esquerda? Como é que o povo se agita tanto, como protesta de modo tão veemente, como pode estar em desacordo?
E a verdade é tão simples como descoroçoante.
Se nada de muito significativo se consegue, o teatro da rua tem de ser convincente.
Portanto, o Governo sabe que põe ‘knock out’ a alternativa e coloca a pedir os apoiantes.
Uns e outros não fazem mais do que número.
O primeiro dos ministros consegue passar entre as rajadas do furacão, as chamas, as crateras das pedreiras.
Sim, porque os únicos verdadeiros problemas advieram da adversidade dos elementos, da natureza, do acidente.
Não tendo sido o único, o dr. António Costa estava talhado para conseguir passar incólume pela estreita vereda entre as pedreiras.
Outros perderam vidas e bens.
Por essas e por outras ensaia a comemoração dos cinco anos com a naturalidade de quem conclui que mais vale não complicar o que está a dar resultado.
Em época de especial atenção ao Brasil, vem-lhe à memória a célebre máxima de Tiririca: «Pior que está não fica!».
Sim, porque sem regressar aos fantasmas a que a inabilidade argumentativa recorreu há algum tempo, há verdadeiro perigo e existem sinais claros disso mesmo.
Não é certamente por acaso que o crescimento europeu está a encolher e que todos percebem como nos pode afetar.
E a pior preocupação reside na inversão das expectativas e na insustentabilidade do regresso à crise.
Mas disso não fala, porque não precisa de falar o Governo. Outros se encarregarão de ser tidos como arautos da desgraça, ou, na versão mais soft, do coelho preocupado com as horas no mundo de Alice.
A esta, bastará comer os biscoitos indicados para crescer ou encolher de modo a poder abrir a porta.
De resto, vem sempre a propósito comentar com ar contemplativo as desgraças da saída da Europa para os britânicos, a revolução pretendida para os preços dos combustíveis por Macron, o finca-pé dos populistas italianos, a retirada em boa ordem da chanceler, o equilibrismo de Suarez e os conselhos de Tsipras para que a Itália concorde agora antes que seja tarde.
Alice, no Eurofin, fará esgares de sofrimento pelas cabeças ameaçadas.
Aqui, no país das maravilhas, o PS dirá a quem o queira acompanhar no Governo que não consumará, que só o quer para o sonho.