Numa rara admissão de fraqueza, a primeira-ministra britânica, Theresa May, decidiu adiar a votação do acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia por saber que iria ser recusado por uma “margem significativa” de votos no parlamento. Por agora, garantiu a líder britânica, o acordo não será apresentado hoje à votação, como previsto, não adiantando May quando tal acontecerá – a primeira-ministra tem até 21 de janeiro do próximo ano para o fazer. A oposição ao acordo ganhou ontem uma força renovada com a decisão do Tribunal de Justiça Europeu, deliberando que Londres pode abandonar unilateralmente o Brexit, suspendendo a aplicação do artigo 50 sem consultar as instâncias europeias. “Revogar o artigo 50 significaria voltar atrás na votação do referendo e permanecer na UE”, disse May.
Para suster as críticas dos deputados, quer de dentro do Partido Conservador quer da oposição, a primeira-ministra anunciou que iria ter reuniões de emergência com os líderes europeus para conseguir “novas garantias” sobre a cláusula de segurança para se evitar a reposição de fronteiras na Irlanda do Norte.
O anúncio estava a ser analisado pelos deputados britânicos quando o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, garantiu que as negociações entre Londres e Bruxelas não serão reabertas. “Não vamos renegociar o acordo, incluindo as garantias [da fronteira], mas estamos disponíveis para discutir como facilitar a ratificação do Reino Unido”, escreveu Tusk no Twitter. May recusou comentar a resposta.
Tusk não esteve sozinho na recusa de mais negociações, com a Comissão Europeia a partilhar da sua posição: “Não vamos renegociar o acordo que está em cima da mesa e que foi apoiado pelo Conselho Europeu a 25 de novembro. É muito claro, e o presidente [da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker] já o disse, este é o acordo e o único acordo possível”. Também o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, disse que não permitirá a Londres reabrir as negociações sobre a fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda.
O anúncio do adiamento da votação do acordo não caiu bem entre os deputados. “Em qualquer ambiente cortês, respeitoso e maduro, permitir que o parlamento tenha uma palavra a dizer sobre o assunto seria o caminho certo e óbvio”, criticou o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow. “Toda a a câmara queria ter este debate, queríamos votar o acordo, as pessoas esperavam que o votássemos. E o governo foi-se embora e escondeu-se na casa de banho”, acrescentou o deputado conservador Mark Francois.
A primeira-ministra escocesa e líder do Partido Nacional Escocês, Nicola Sturgeon, desafiou a oposição a avançar com uma moção de censura: “Se o Partido Trabalhista, como líder da oposição, apresentar uma moção de censura contra este governo incompetente amanhã [hoje], o SNP [Partido Nacional Escocês] irá apoiá-la e podemos trabalhar em conjunto para dar ao povo uma oportunidade de travar o Brexit com outro referendo”.
Mas os trabalhistas afastaram essa possibilidade até May apresentar o acordo no parlamento. “Vamos apresentar uma moção de censura quando acreditarmos que será bem-sucedida”, disse um porta-voz do partido aos jornalistas. Para que o governo de May caia é preciso que o seu parceiro de coligação minoritário, o Partido Unionista Democrático, vote a favor ou se abstenha, e que os Democratas Liberais se juntem a Corbyn e Sturgeon. Pelo menos 50 deputados escreveram ao líder, Jeremy Corbyn, a pedir a moção.
Corbyn, explica o “Guardian”, sabe que a oferta de apoio de Sturgeon é um presente envenenado. O Partido Trabalhista deseja eleições antecipadas, onde o mais provável é que até venha a sair vencedor. No entanto, sabe que se as ganhar precisará de vencer uma moção de confiança. Num panorama político tão fragmentado, e com a data para o Brexit – 29 de março – a pouco menos de cinco meses, assumir a liderança do governo britânico neste momento pode ser uma jogada demasiado arriscada para que Corbyn ponha em cheque o seu capital político, até porque, dentro do seu partido, há quem esteja à espera de um deslize para o desafiar.
Arlene Foster, líder do DUP, avisou a primeira-ministra que deve abandonar a garantia das fronteiras “por não ser necessária”, assegurando que “ninguém vai construir uma fronteira rígida entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda”. O DUP já tinha avisado que votaria contra o acordo por dividir a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido, ao dar à primeira um estatuto aduaneiro especial.