São conhecidas as polémicas em torno dos donativos feitos para ajudar as vítimas dos incêndios de junho de 2017, em Pedrógão Grande. Depois da tragédia, o país assistiu a uma onda solidariedade que surpreendeu pela dimensão e abrangência, mas que também levantou suspeitas – ao ponto de o Ministério Público (MP) ter mesmo aberto um inquérito para investigar as doações e averiguar quem doou o quê e a que entidade. Em causa estão mais de 12 milhões de euros.
No caso dos incêndios de outubro, por sua vez, foram levantadas suspeitas específicas quanto a uma associação de apoio às vítimas e ao seu presidente – o Movimento Associativo de Apoio às Vítimas de Incêndios de Midões (MAAVIM) e o empresário Fernando Tavares Pereira -, que resultaram numa denúncia ao MP, que acabou dar origem à abertura de um inquérito. A investigação, contudo, e ao contrário de Pedrógão, chegou à conclusão que não há base para prosseguir a acusação e arquivou o processo.
No despacho de arquivamento, ao qual o SOL teve acesso, escreve a procuradora que o inquérito teve por base uma «carta remetida à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros», remetida por um tal de António José Campos, com morada em Santa Comba Dão. Na carta, o remetente apontava alguns episódios em particular. Fernando Tavares Pereira teria, por exemplo, sido beneficiado pelos Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha, que teriam deslocado vários meios para as suas propriedades na noite do incêndio, não protegendo a população de Midões. O remetente acusa também o empresário de ter criado a associação MAAVIM com a finalidade da «sua promoção pessoal» e para obter «dinheiro através dos incêndios, fosse através da apropriação de bens entregues para apoio de vítimas, fosse através de candidaturas a fundos comunitários e nacionais». O empresário teria, por exemplo, «guardado várias dezenas de árvores» doadas às vítimas, para as «plantar em propriedades privadas». Além disso, na associação só eram admitidos como sócios os seus «familiares, amigos e funcionários». E o empresário, segundo o denunciante, desviava também «bens doados ao MAAVIM e não permitia a entrega de bens e ajuda a pessoas que não pertencessem ao seu partido político». E ter-se-ia até apropriado de um donativo feito numa conta do MAAVIM que se destinava na verdade a uma associação de vítimas de Pedrógão. O autor da carta dizia ainda que Fernando Tavares Pereira quereria «obter o estatuto de utilidade pública para a MAAVIM para poder beneficiar de uma isenção de IMI relativamente aos pavilhões de que é proprietário, mas onde está instalada a sede do MAAVIM».
Uma das acusações feitas ao empresário e à sua conduta, de resto, é a mesma que, mais tarde, consta de uma outra carta, que, como se lê no despacho de arquivamento, foi recebida na Polícia Judiciária de Coimbra, remetida por Carlos António Silva Duarte, habitante de Oliveira do Hospital. Na carta, o queixoso diz que Fernando Tavares Pereira teria um palacete antigo em Midões que ardeu no incêndio de 15 de outubro de 2017 e para o qual, no dia seguinte, o empresário teria pago a um agente de seguros para fazer um seguro para o imóvel «com data anterior à do incêndio, por via do qual veio a receber 800 mil euros».
Analisando em concreto as situações levantadas por ambas as cartas – uma remetida de uma morada que não existe e outra da autoria de pessoa desconhecida na morada referida -, a procuradora acaba por concluir que «não existem nos autos elementos que indiciem a prática de crime por parte das pessoas denunciadas, nomeadamente por parte de Fernando Tavares Pereira». Pelo contrário, a procuradora assinala que «antes se extrai da prova coligida que o MAAVIM teve uma atuação efetiva no auxílio das vítimas dos incêndios». Para o MP, o presidente da associação, Fernando Tavares Pereira, é «uma pessoa com um papel muito relevante na atividade da associação, desde logo porque tem disponibilizado meios para que a atividade social se possa desenvolver com sucesso». Esse facto, continua a procuradora, «não é suficiente para que se possa concluir que a associação foi criada com o objetivo de o favorecer. Muito menos se extrai da prova coligida que ele se tenha apropriado de bens do MAAVIM», escreve, determinando então «o arquivamento dos autos», uma vez que não existem «indícios suficientes da prática de qualquer ilícito criminal».
Mais de 400 famílias sem casa
Acusações à parte, esta semana, quando passaram 415 dias da tragédia de outubro, o MAAVIM entregou um documento na Comissão de Agricultura e do Mar da Assembleia da República – que tutela os incêndios de 2017 – para alertar para o facto de as populações afetadas continuarem a precisar «de ajuda urgente do país e dos apoios aprovados em Assembleia da República» e assinalando que é urgente «a sua aplicação».
Além de denunciar que existem mais de 400 famílias sem casa, das mais de 2000 habitações permanentes ardidas, a associação dá também conta de que há casas de segunda e terceira habitação que estão a ser reconstruídas como se se tratassem de primeira habitação.
Além das habitações, a associação lamenta também que outras infraestruturas e património ainda não tenham sido «alvo de preocupação» e que a região pareça «acabada de sair de uma guerra», existindo estradas, pontes e edifícios «em derrocada e total abandono, colocando em causa a segurança pública».
O documento assinala ainda as dificuldades com que a indústria, a agricultura e a floresta se debatem – as pragas, por exemplo, «estão a matar a pouca fauna e floresta» que foi poupada ao fogo. Por fim, o presidente da MAAVIM queixa-se de que, ao contrário das vítimas de Pedrógão, que têm até 2 de janeiro para fazer o pedido de condição de vítima, os pedidos das vítimas dos incêndios de outubro não estão a ser aceites pela Comissão para Avaliação dos Pedidos de Indemnização (CPAPI).
De resto, a associação revela que, segundo dados da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro de 29 de novembro, a entidade tinha recebido 1311 pedidos de apoio, 834 dos quais foram enquadrados no Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente. Desses, apenas 377 habitações já foram reconstruídas.