Gosto de escrever sobre os meus amigos. Eu, que nasci sem irmãos, percebi com o decorrer da vida que tenho muitos.
Conheço Luiz Felipe Scolari há longos anos. Tive a felicidade de trabalhar a seu lado num dos momentos mais bonitos da história da Seleção nacional durante aqueles que foram alguns dos dias mais alegres deste país geralmente triste.
Une-nos uma amizade fraternal que vai para além da simples cumplicidade. Desde que chegou ao Palmeiras, pegando numa equipa que se arrastava pelo sexto lugar da tabela, não tive dúvidas que iria subir mais esta montanha daquele eterno otimismo que é o seu. E, nesse preciso momento, combinámos a sua primeira entrevista de campeão para estas páginas. Sabia que ela iria ser feita. Foi. Entre ambos cumprimos sempre as promessas que fazemos um ao outro.
Felipão é um homem que tem a capacidade de irradiar alegria. Pode ter aquele ar zangado, como se meio mundo lhe devesse dinheiro, mas é uma alma grande e tem um coração carregado de ternura. A minha missão de jornalista pode exigir objetividade, mas eu não concebo esta profissão sem emoções. Esclarecer e ser útil? Sim. Mas também transmitir, como dizia o Poeta da Montanha, na sua Ode à Poesia, ritmos, imagens, emoções.
Luiz Felipe Scolari é um daqueles irmãos sem os quais nasci. Se calhar, um irmão que aprendi. Ou, vendo bem, aprendemos um com o outro.
E, por isso, lá do lugar de onde vêm as coisas de escrever e de exprimir, com a voz que costuma chamar a estrela, digo que me sinto feliz por ele. Muito!
E, posto isto, vamos à conversa:
Começamos, finalmente, a esquecer aquele maldito sete a com a Alemanha?
Naturalmente. Todos nós sabemos que um tropeço dentro de uma carreira não pode ser o parâmetro de um trabalho muito bom e muito sério. Desde pequeno tenho aprendido a viver com alguma dificuldade e sempre a superei. Faz parte da minha personalidade. Não seria agora que as coisas iriam mudar.
Recuperou crédito no Brasil ou acha que nunca o chegou a perder?
Acredito sinceramente, por tudo que vivi nestes quatro anos, com o relacionamento que fui tendo com as pessoas que, pelo que já fiz na minha vida profissional que nada foi modificado em relação ao tal ‘crédito’.
Que significou este título para si?
Este título serve de lição. Uma lição que tenho para a minha vida: significa que, mais uma vez, trabalharmos com amor e dedicação, conseguirmos junto com os nossos atletas e restante equipa um entendimento de objetivo a ser cumprido, ele acaba por se cumprir. Mais uma vez fomos capazes de unir pessoas pessoas com diversas personalidades mas que seguiram apenas uma. União!
Quando chegou ao Palmeiras, a equipa estava mal. Que teve de fazer?
A equipa estava na sexta posição, o que era pobre. Limitei-me a trazer, com os meus adjuntos, a nossa forma de atuar. Um pouco mais de resguardo defensivo e trabalhos técnicos que modificaram o nosso posicionamento tático. Depois foi fazê-los acreditarem.
Vem aí uma fase nova da sua carreira?
Vem aí é um ano com muito trabalho! Com mudanças na nossa forma de atuar, com novos desafios técnicos e dar sequência ao nosso sistema de rotatividade entre atletas para os jogos. É isso que vem aí!
Que se segue, agora?
A continuidade e sequência de todos os nossos conceitos dentro do futebol. Procurando evoluir e aprendendo sempre.
Pela primeira vez vimo-lo a trabalhar sem o Flávio Murtosa. Foi estranho?
Olha, direi assim: este foi um momento em que o Murtosa precisava cuidar da sua vida particular e de sua saúde. E isso está primeiro. Mas não tenham dúvidas de que sentimos a sua falta.
Está arrependido de não ter chegado a discutir a sua vinda para o Sporting?
Não vou pormenorizar, porque já não faz sentido. Sinceramente, acredito que não era o momento adequado por um série de situações que o Sporting viveu. Assunto encerrado.
Quer continuar a treinar um clube ou voltar a uma Seleção? Falou da possibilidade de ir treinar a Colômbia.
Neste momento tenho contrato com uma grande equipa aqui no Brasil e é nesta equipa que penso. Acabámos de ser campeões. Temos o direito de pensar em nós. Estou focado no meu trabalho aqui no Palmeiras.
Vá lá, não tem saudades de disputar um Campeonato do Mundo?
Olha, tu conheces-me. Preencho sempre minhas necessidades trabalhando com amor onde estou. Deixo as coisas seguirem em frente. Não fico a olhar para trás.
Apesar de tudo, esteve em três Mundiais e, além de ter sido campeão do mundo, nunca fez menos do que uma meia final…
É verdade! Nos Mundiais que disputamos sempre jogamos as 7 partidas: atingimos uma final, que ganhámos, no Japão, e duas semi-finais, uma delas com Portugal, o que só tinha acontecido em 1966. E isto deixou-me, como técnico, verdadeiramente feliz
Ainda tem espírito de emigrante depois destes anos todos?
Sempre. Tenho espírito de emigrante mas, atenção, com a companhia da família. É algo de fundamental para o meu bem estar.
Já fez as pazes com os brasileiros?
Acho que não é preciso. Eu sempre fui muito querido pelo povo brasileiro. Sabe porquê? Porque respeitei muito o meu trabalho, as minhas equipas e as equipes adversárias. Eles conhecem-me bem.
Pode dizer se que depois de tudo o passou no Palmeiras é esse o clube mais importante da sua vida?
O Palmeiras é um clube de origem italiana, tal como eu, que tive um avô do Venetto. Aqui sinto-me em casa. Por ter cá trabalhado noutras ocasiões e conhecer as pessoas, os seus torcedores e ter u conhecimento profundo de todas as áreas do clube.Isso faz com que seja mais fácil trabalhar e viver com tranquilidade. Respondi?
Serve. E se lhe perguntar pelos três momentos mais bonitos da sua carreira, que responde?
De caras: Campeonato do Mundo de 2002, com a vitória doBrasil. Euro 2004, aí em Portugal, algo de absolutamente incrível! Inesquecível! E, agora, o Campeonato Brasileiro de 2018!
É um homem de afetos – que ambiente mais carinhoso teve nos clubes e seleções que treinou?
Acho que sou uma boa pessoa…
É sim!
Em todas as ocasiões, procurei trabalhar com base no carinho e amor. Não vou falar em nenhum sítio especial. Seria injusto. Todos os lugares em que trabalhei tiveram momentos maravilhosos.
Sente se feliz?
Não sinto. Sou muito feliz! Tenho uma família maravilhosa, tenho amigos maravilhosos, gosto muito do que faço, e mais. Pode pôr em letra grande: TENHO SAÚDE.
O que é que ainda lhe falta na vida?
Continuar a ter vontade de viver e ser útil, a amar a todos os que me rodeiam e me ajudam a tentar ser melhor como homem e profissional. Que posso querer mais?
Sente que cumpriu aquilo que sonhou quando quis ser treinador?
Não imaginei nunca que chegaria até onde cheguei . Mas, perante cada nova situação, ia aumentando minhas metas e conseguindo superá-las. Trabalhei para isso.
Acha que vai continuar a trabalhar por mais quantos anos?
Olha, neste momento não tenho qualquer decisão tomada em relação a isso. Verdade!
A reforma não o assusta ?
Não! Como pode? Terei outras prioridades na minha vida. Sem dramas.
Que vai fazer quando se reformar?
Muitas coisas! A principal, passar mais tem aí, em Lisboa, com meu filho Leonardo, a minha nora e meus netos. Dar mais de mim à minha esposa, conviver mais com meu filho Fabrício. E cuidar um pouco dos meus negócios. Ah! E nunca e não me afastar totalmente do futebol!
Recebeu mensagens de Portugal de felicitações por este titulo?
Muitas! A última chegou hoje mesmo: do meu grande amigo Sr. Carlos Godinho. Com um convite para ir ver jogos de Portugal na metade do próximo ano. Portugal é parte de minha vida! Ocupa um lugar enorme no meu coração!
Com quem continua a manter contactos frequentes em Portugal?
Com muita gente. Mas com uma pessoa em especial: você!
Fico sensibilizado. Quando vai voltar a Lisboa?
A qualquer hora, por qualquer motivo. Volto sempre! Portugal é especial. Abraço a todos!