Muitos lapões dedicam-se à criação de rendas. Este povo é constituído apenas por cerca de 140 mil pessoas, que habitam nas zonas mais a norte da Suécia, Noruega, Finlândia e Rússia. Para muitos, a criação de renas é um modo de vida – agora, um deles decidiu processar o governo por tentar acabar com o seu meio de sustento.
Jovsset Ante Sara tem 26 anos e defende que uma das coisas mais importantes para a sobrevivência do seu povo é manter as tradições e as suas terras. Por isso mesmo, recusou-se a obedecer à lei norueguesa, implementada há mais de uma década, que limita o tamanho dos rebanhos de renas. O governo explicou na altura que decidiu implementar esta medida como forma de conter o crescimento exagerado da espécie.
De acordo com o New York Times, o rebanho de Sara devia ter, no máximo, 75 renas. Segundo as regras impostas, não pode ultrapassar este número, sendo forçado a ‘livrar-se’ das renas ‘em excesso’. Mas Sara recusou-se a acatar estas ordens: o seu rebanho tem entre 350 e 400 renas. Além disso, decidiu processar o Estado.
“Processei o Estado porque não conseguia suportar a ideia de ver a minha cultura morrer”, explicou ao jornal canadiano The Star.
As coisas não correram bem para este pastor, que perdeu o caso no Supremo Tribunal e acabou por acumular multas no valor de cerca de 40 mil euros. Agora, o governo deu-lhe até ao final deste ano para pagar o valor em atraso ou arrisca-se a perder as suas renas e os seus terrenos da Lapónia.
“O problema é que o Estado não diz quem tem de matar as renas. Deixa as famílias com esse problema nas mãos”, diz ao jornal Star Elle Márjá Eira, cantora, realizadora, mãe de duas crianças e criadora de renas. “Até a minha filha de 15 anos tem a sua rena. Todos nós temos”, acrescenta a mulher de 34 anos, residente na comuna de Kautokeino, aquela que é considerada o coração do povo lapão.
Para além disso, existe a questão financeira: se obedecesse à lei em vigor – que, em 2007, impôs um corte de 30% nos rebanhos – Sara diz que conseguiria lucrar apenas entre 3000 e 4000 euros num ano. “Iria perder tudo pelo qual os meus antepassados tanto lutaram – esta criação, estas terras”, defende.
Sara não desiste deste caso e vai recorrer para o Tribunal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
“Quando matamos uma rena, usamos todas as suas partes”
Há vários anos que este povo – um dos maiores grupos indígenas da Europa – enfrenta batalhas judiciais contra o Estado, com o objetivo de preservar as suas tradições e a sua cultura. Os lapões foram colonizados pelos missionários cristãos e obrigados a abandonar os seus rituais ligados ao Xamanismo.
Agora, o governo norueguês tenta compensar a forma como este povo foi tratado, através da criação de uma universidade Sami, o ensino da sua língua materna nas escolas locais e até o seu próprio parlamento – que tem apenas um valor simbólico.
Aliás, o Estado norueguês estabeleceu que a criação de renas é uma atividade exclusiva do povo lapão, concedendo licenças para o efeito apenas a quem tem ligações a esta cultura ancestral.
Hoje em dia, dos 55 mil lapões que vivem na Noruega, 10% dedica-se à criação de renas. Estima-se que existam cerca de 220 mil renas naquele país. Estes animais são depois mortos para que a sua carne seja vendida e consumida. “Quando matamos uma rena, usamos todas as suas partes”, explicou Sara: a pele é transformada em luvas e sapatos específicos para enfrentar as baixas temperaturas do norte da Noruega, a carne é vendida por todo o país e os chifres no mercado chinês.