A história dos coletes amarelos à portuguesa foi das melhores comédias baratas dos últimos anos e revela bem como as redes sociais são um campo onde cabem todas as ilusões, certezas e inseguranças do mundo. Durante vários dias, a comunicação social dava conta da organização de manifestações um pouco por todo o país e as forças de segurança anunciavam que iriam ter o seu dispositivo nas ruas na máxima força – só da PSP seriam 20 mil, não falando da GNR.
O que se terá passado então para a manifestação dos imitadores dos coletes amarelos franceses ter resultado num imenso flop? Dando de barato que os serviços secretos e as forças policiais deram um apertãozinho nos principais organizadores – avisando-os eventualmente das consequências futuras -, a verdade é que em Portugal o povo não tem poder de reivindicação se não tiver uma central sindical por trás, de preferência com o apoio do PCP, ou em que os camionistas se envolvam à séria, já que os camiões podem bloquear portagens ou estradas. O que se viu ontem foi meia dúzia de gatos pingados espalhados pelo país onde havia câmaras de televisão. Se a comunicação social tivesse abandonado mais cedo os locais, quase nem haveria registo da famosa manifestação dos coletes amarelos vendidos nas lojas chinesas.
A Polícia, pelo menos em Lisboa, fez o que lhe competia e cercou a centena de manifestantes, até porque havia mais agentes do que manifestantes. Que, diga-se, nem sabiam muito bem por que estavam ali. Ou melhor, alguns queriam aparecer na televisão para mais tarde recordar.
Se em Portugal existisse uma cultura de reivindicação é óbvio que os sucessivos aumentos dos combustíveis, além de outros impostos indiretos, já teriam levado milhares para as ruas. E o que dizer dos milhares de pessoas que têm de voltar para casa porque as cirurgias que tinham marcadas foram adiadas, às vezes mais do que uma vez, porque alguém está em greve ou porque o Estado não consegue equipar os hospitais de forma adequada? Em França fizeram-no por muito menos, e os saqueadores juntaram-se aos verdadeiros manifestantes provocando o caos no país.
Mas o sucesso do Governo português assenta, sem qualquer dúvida, na ‘geringonça’ que não manda as suas tropas para manifestações que podem descambar em violência e que podem ser aproveitadas pela extrema-direita ou pela extrema-esquerda.
Percebeu-se desde muito cedo que a manifestação seria um flop total e ao contrário, por exemplo, da greve dos estivadores do Porto de Setúbal, não haveria políticos do BE ou do PCP a juntarem-se aos manifestantes. Depois foram horas de diversão pura e dura com a tal meia dúzia de gatos pingados a entrarem no jogo do gato e do rato com a Polícia. Com o recurso aos drones captaram-se imagens verdadeiramente hilariantes, onde se via os agentes policiais a cantarem a Machadinha.
Brincadeiras à parte, o Governo de António Costa é brilhante; pode não saber atacar fogos, pode não saber onde cai um helicóptero; pode não saber o que se passa nos seus quartéis; pode não conseguir resolver os problemas de quem precisa de cuidados de saúde, pode não conseguir travar a expulsão dos habitantes das grandes cidades para a periferia, mas sabe seguramente como se faz política e como se transforma uma greve de estivadores num encontro social com a Polícia e como se acaba com uma pseudo manifestação antes dela começar. Reconheçamos, Costa é um génio.