«As fronteiras foram as piores invenções dos políticos».
Jean-Claude Junker
A Perestroika, a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, a hecatombe do Pacto de Varsóvia aceleraram a criação de novos países, de novos Estados. Aquilo a que se tem chamado a emancipação, a ‘libertação’ de muitas segundas pátrias.
A esse propósito, não é despiciendo termos presente que, em 1900, existiam pouco mais de 50 países; em 1950 não existiam mais de 100 países; e atualmente existem quase 200 países no mundo.
Poder-se-á perguntar: o que tem isso a ver com o Brexit? Muita coisa. Para além da variável interna – onde poderemos vir a ter o Reino Unido, a Grã-Bretanha, a ‘Inglaterra’ clássica a caminhar para algo que se pareça com uma espécie de Estado Federal – poderemos também estar a tirar a tampa da panela de outras segundas e até terceiras pátrias dentro do território europeu.
Normalmente os territórios e as regiões com maiores índices separatistas são, por regra, regiões e territórios mais ricos comparativamente com os seus Estados centrais (e, nalguns casos, de pendor unitário).
Não é o caso do atual processo inglês, relacionado com o Brexit. Com a sua quase cidade-Estado (Londres) a ser o grande baluarte da defesa da continuação no projeto europeu.
Mas foi ou não um erro, uma precipitação, David Cameron ter assumido o compromisso de realizar o referendo? Não é verdade que os referendos são muitas vezes os instrumentos de Governos fracos e, em simultâneo, de populismos fortes?
Nas últimas semanas tem sido muito recordada a carta de despedida do ex-embaixador britânico na União Europeia, Ivan Rogers, quando se demitiu em 2017 com críticas cirúrgicas à gestão da saída inglesa por parte de Theresa May.
É que o seu vaticínio, em parte, confirma-se. Com o Brexit a assumir-se como uma espécie de regresso do isolacionismo da nação ‘inglesa’. Não faltam argumentos. E exemplos. Apesar de, dos dois lados (UE e GB), existirem formulações simplistas e posições primárias e radicais.
Curioso, por exemplo, é o número de funcionários britânicos na UE que têm vindo a pedir a nacionalidade belga. Desde a votação da saída têm sido diversas as iniciativas em território britânico para travar o Brexit: Gina Miller é promotora de uma luta judiciária para que o Parlamento fosse obrigado a pronunciar-se sobre o artigo 50º. Mas são muitas as vozes conhecedoras da Inglaterra real que se vão questionando sobre se essa Inglaterra profunda será assim tão xenófoba, isolacionista e independentista.
A esse propósito, o escritor Antony Miall define a xenofobia como «o desporto nacional inglês». A somar a tudo isto, temos a forte comunicação social inglesa, como o The Sun, o Daily Mail e o Daily Express, a fustigar com muita crueldade a UE, como sendo a mãe de todos os problemas da Grã Bretanha.
A problemática política e jurídica da saída do Reino Unido da UE não pode ser vista apenas no plano económico. Aliás, no mundo contemporâneo existem muitos exemplos de que a memória dos povos vale mais do que muitos tratados.
O vetor económico é importante? Sem dúvida. E será relevante saber quanto custa o Brexit para os ingleses. Os números não são todos iguais, bem como o seu impacto na economia mundial. Tudo depende de várias variáveis e fatores, como: vamos ressuscitar ou não os controladores alfandegários e das fronteiras? E o regresso das taxas aduaneiras? Seja qual for o modelo do Brexit (o norueguês?), tudo parece indicar que os efeitos serão negativos para as duas partes. Com impactos na economia, soberania, segurança, migrações, etc. Com muita burocratização de permeio.
Vejam-se as armadilhas no processo de legalização dos titulares de autorização de residência permanente no que respeita aos cidadãos ‘originais’ da UE (com 85 folhas de papel). Mas não existem só divergências do lado dos ingleses. Também as há do lado da Europa. Que quer fazer do Brexit um exemplo, para que qualquer outro país da UE que pretenda sair não tenha essa tentação…
A saída do Reino Unido da UE vai provocar uma perda financeira significativa no orçamento comunitário, já que é um contribuinte líquido – e a sua contribuição não tem sido pouca ao longo das últimas décadas.
Como nos divórcios, fazer as contas, apurar quem fica com o quê e/ou paga o quê, é uma das tarefas mais difíceis; e aqui foi uma relação de quase 46 anos! Na UE fala-se entre 60 mil e quase 100 mil milhões a receber do Reino Unido.
Um estudo do Instituto Europeu Bruegel refere 54,2 mil milhões de euros.
O número de 60 mil milhões de euros a cobrar ao Reino Unido devido à sua saída foi durante muito tempo uma exigência dos burocratas de Bruxelas.
E as negociações em inglês? Ou em francês? Só faltavam ser em alemão!
Com a saída do Reino Unido, o inglês mantém-se língua oficial da UE? É um exemplo da complexidade deste processo, a par de muitos outros.
Porque uma coisa é o Reino Unido, outra é Londres. Que é quase como um país à parte. Aquilo a que poderemos chamar uma cidade-Estado. Mas sobre isso nos pronunciaremos brevemente.
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