A colaboração de João Paulino – cabecilha do grupo de assaltantes a Tancos – com a Polícia Judiciária (PJ), permitiu às autoridades ligar todas as peças do puzzle. Juntando a versão do assaltante às escutas foi possível realizar novas buscas na última segunda feira e, consequentemente, deter novos suspeitos no caso do furto de Tancos.
Desde que se apercebeu que estava a ser investigado pela PJ e, com receio de vir a ser preso, Paulino decidiu começar a colaborar com a PJ Militar, entregando inclusivamente parte do material com o acordo de que o seu nome nunca seria passado à judiciária civil. Mas desde que o esquema montado com a PJM foi desmascarado e o líder do grupo foi detido, este tem denunciado os seus cúmplices, revelando os contactos telefónicos, o que permitiu à polícia identificá-los e detê-los.
No início da semana passada, foram detidos oito suspeitos no caso do roubo de Tancos, no âmbito de uma operação conduzida pela Unidade Nacional Contra o Terrorismo da PJ e pelo DCIAP. De acordo com o jornal i, na terça-feira foi detido um outro suspeito, que é militar.
Após o assalto a Tancos, a Polícia Judiciária Militar (PJM), que considerava que a resolução do crime era da sua responsabilidade, por despacho da Procuradoria-Geral da República, ficou a coadjuvar a Unidade Nacional Contra o Terrorismo da PJ. Contudo, logo começaram a surgir algumas barreiras entre as duas autoridades. A PJ decide deslocar-se até ao Algarve – sítio onde morava o informador Paulo Lemos, que terá sido contactado pelo grupo para ajudar no assalto. A PJM considerou que deveria estar presente na diligência, mas a PJ civil recusou, alegando que a presença de muitos homens na operação iria assustar Paulo Lemos.
Em contrapartida, o então diretor da PJM, coronel Luís Vieira – que foi entretanto detido – decidiu abrir uma investigação paralela. É aqui que a PJM decide contactar a GNR de Loulé para tentar descobrir informações sobre Paulo Lemos. Um dos elementos daquela autoridade, Bruno Ataíde, conhecia o líder do grupo que realizou o assalto nos paióis de Tancos, tendo-lhe ligado para saber mais detalhes sobre Lemos.
Contudo, João Paulino, sem noção dos contornos que o caso iria tomar e com medo de ser descoberto, acabou por denunciar o local onde as munições estavam escondidas, através de um acordo celebrado com a PJM e a GNR: as armas só seriam entregues, se estas duas entidades não revelassem o seu nome à PJ, que já o estava a investigar.
Mas as suspeitas da PJ sobre o aparecimento das armas na Chamusca nunca se dissiparam, tendo esta descoberto a farsa montada, através de um inquérito aberto para apurar como é que o material militar apareceu. E as escutas acabaram por confirmar as suspeitas.
Segundo o jornal i noticiou na semana passada, numa conversa entre João Paulino e um dos outros membros do gangue, António Laranjinha – um dos detidos na operação desencadeada na passada segunda-feira –, é referido o acordo feito com a PJM para ocultar os nomes destes assaltantes. «Eles passaram… a história que passou foi que eles encontraram aquilo numa investigação que tem ligação a outras coisas, completamente… um processo de uns ciganos do Porto», disse Paulino a Laranjinha, que mostrou saber do que estava a falar: «Sem querer apanharam aquilo…». Questionando Paulino sobre o facto de não terem revelado nomes, a resposta foi clara: «Zero… zero…».
Ligações às Glock desaparecidas
O roubo das armas da PSP – que já estava a ser investigado há cerca de dois anos e sofreu novos desenvolvimentos esta passada, com a detenção de nove pessoas, dois dos quais agentes da PSP – poderá estar relacionado com o caso do roubo das armas em Tancos. Um magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) é o responsável pelas duas investigações. Apesar de parecer uma coincidência, os dois casos poderão estar ligados. É que parte das munições roubadas dos paióis de Tancos podem ser usadas nas armas que foram roubadas em janeiro do ano passado.
Os investigadores acreditam que o furto de armas em Tancos aconteceu com ajuda do militar que foi detido na passada terça-feira. Terá sido este militar que terá passado informação privilegiada sobre o interior da base – como o facto de o sistema de videovigilância não estar a funcionar na altura em que ocorreu o assalto.
Segundo o DN, o arguido do caso Tancos, António Laranjinha, terá sido o intermediário entre a venda destas armas Glock a organizações criminosas – quatro das quais foram apreendidas em Espanha em ações policiais de combate ao tráfico de estupefacientes.
Desaparecimento das Glock
Foi no início de 2017 que desapareceram 57 armas Glock, que estavam guardadas numa arrecadação da Direção Nacional da PSP, desapareceram. Contudo, os responsáveis só se aperceberam do que tinha acontecido quando uma dessas armas foi apreendida a um jovem de 21 anos, suspeito de tráfico de droga, no Porto. A arma apreendida estava identificada com o dístico da PSP. Nesse sentido, foi feito um levantamento do material da PSP, concluindo-se que tinha desaparecido 57 armas. O MP decidiu, na altura, abrir um inquérito para apurar responsabilidades.
Foi durante a última passada que o caso sofreu novos desenvolvimentos: na passada quarta-feira, foram detidas nove pessoas suspeitas pelo desaparecimento das Glock. Foram realizadas 14 buscas domiciliárias e quatro buscas não domiciliárias que envolveram 150 polícias, em vários pontos do país. Fonte oficial da PSP esclareceu mesmo que a operação foi «apoiada pela Unidade Especial de Polícia, Comando Metropolitano do Porto e Comando Distrital de Faro» e que abrangeu «os concelhos de Vila Nova de Gaia, Gondomar, Mafra, Abrantes, Alvaiázere, Sintra, Cascais, Oeiras, Lisboa, Almada e Albufeira».
Dos detidos, dois são agentes PSP, que na altura da abertura da investigação já eram suspeitos do roubo. Os dois trabalhavam no depósito de armas da PSP, sendo responsáveis pela arrecadação onde se encontrava o material. Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna na altura, já tinha feito saber que as conclusões preliminares apontavam para falhas na supervisão do depósito das armas. Mas como não existiam provas concretas de que os dois agentes tinham alguma culpa no desaparecimento, não foram constituídos arguidos. Contudo, a PSP decidiu aplicar-lhes uma suspensão disciplinar de funções pelo motivo de negligência na guarda das Glock – ficaram a exercer funções administrativas.