É muitas vezes apontado como o rosto da oposição interna a Assunção Cristas. Assume esse papel?
Até ao momento nunca fui verdadeiramente oposição interna. Assumi diferentes funções dentro do CDS e sempre estive no partido de forma completamente livre. Tento ter uma intervenção construtiva. Não me vejo como oposição a Assunção Cristas. Vejo-me como alguém que é do CDS e gostava que o CDS fosse mais forte do que verdadeiramente é.
Mais forte em que aspeto?
O centro-direita ainda não conseguiu ultrapassar o que aconteceu em 2015. Nós temos um país que parece, infelizmente, estar em derrocada e não existe uma oposição tão forte quanto se exigiria. Isso não é uma responsabilidade apenas do CDS. No centro-direita ainda não se ultrapassou o trauma de 2015 e é preciso que se ultrapasse muito rapidamente, porque é possível vencer as próximas eleições legislativas. Isso só depende dos lideres de centro-direita. Nós podemos ficar muito contentes por termos um excelente resultado nas autárquicas em Lisboa – e o CDS conseguiu um resultado muito bom -, mas o resultado final não deixou de ser o Partido Socialista continuar a governar Lisboa.
Julga que o CDS está mais preocupado em aproveitar a fragilidade do PSD para ter um bom resultado do que em constituir uma alternativa para vencer a esquerda?
O CDS está preocupado em afirmar-se e faz bem, mas mais importante do que o partido é o país. E tendo um primeiro-ministro como António Costa, apoiado pelos partidos da extrema-esquerda, exigia-se ao centro-direita que se entendesse num projeto para o país. Aquilo que sentimos é que no centro-direita começamos a ficar habituados a ser chamados para remediar situações de falência socialista. A verdade é que isso não é suficiente. Os partidos de centro-direita têm de conseguir explicar o que é que querem fazer e qual é o seu projeto em áreas fundamentais da governação. Começa a ficar à vista de todos que a ilusão que António Costa conseguiu vender ao longo destes anos não corresponde à realidade.
O PS continua com bons resultados nas sondagens.
Por isso é que acho que tem de haver um sinal de grande preocupação em relação ao estado do país, mas também em relação ao estado da oposição. Aquilo que se exigia, depois do que se passou em 2015, era que existisse um projeto alternativo que conseguisse agregar todos os partidos e todos os movimentos que não apoiam este Governo. Um projeto sólido e vencedor e isso é possível.
Está a falar de uma coligação pré-eleitoral entre o PSD e o CDS?
Neste momento não há, infelizmente, a possibilidade de qualquer entendimento, mas acho que era exigível aos lideres dos partidos do centro-direita que se entendessem para apresentar um projeto para o país. Isso pode ser feito de diferentes formas, mas para conseguir vencer António Costa vai ser preciso ter uma maioria absoluta de deputados e está comprovado que é mais fácil obtê-la se existir uma coligação pré-eleitoral entre os dois partidos. Não defendo uma coligação pré-eleitoral apenas aritmética. Não interessa rigorosamente nada ter uma coligação entre dois líderes que estão de costas voltadas. Aquilo que é essencial é construir um projeto alternativo e verdadeiro. Como já houve vários ao longo da história.
As divergências internas no PSD, que fragilizam a liderança, não travam esse projeto alternativo?
Neste momento há uma fragilização geral das instituições ligadas à política e dos próprios políticos. Isto é uma reflexão que estes partidos deveriam fazer internamente.
Como vê o aparecimento de um novo partido de direita liderado por Santana Lopes?
Percebo perfeitamente aquilo que leva ao surgimento deste partido. Vejo esse partido com grande naturalidade. Não o vejo como um partido que visa disputar o mesmo espaço. Olhando para experiências de outros países, nomeadamente para Espanha, percebemos que há dinâmicas fora dos partidos tradicionais que podem resultar. Conheço algumas das pessoas que estão nesse partido. Tenho pena é que não seja possível conseguirmos fazer uma refundação do centro-direita em vez de fragmentarmos o centro-direita. Devíamos aproveitar a oportunidade de pela primeira vez na história termos um Governo de esquerda, apoiado por marxistas e comunistas, e a verdade é que o centro-direita não se consegue entender. Aquilo a que assistimos é a uma espécie de fragmentação à direita e isso vejo com alguma tristeza.
Essa lógica de um entendimento à direita para vencer António Costa faz sentido na cabeça de Rui Rio?
Acho que na cabeça dele não faz sentido. Ele está mais próximo deste partido socialista do que propriamente de um bloco de centro-direita. Aquilo a que temos assistido. Rui Rio prefere perder as eleições apoiando António Costa do que estar num bloco de centro-direita procurando ganhar as eleições ao PS. Espero que não seja esse o caminho, mas a verdade é que os sinais são esses. Isso não é bom e não representa o eleitorado típico do direita que neste momento anseia por ter um projeto e uma liderança em quem votar. O caminho seguido por António Costa está a levar-nos para uma situação preocupante. Nunca vi tantas situações, sucessivas, de tragédias, desastres ou de falhas de socorro e, simultaneamente, assistimos a uma gestão política desastrosa destes casos. Nada disto tem consequências.
Ficou surpreendido por este Governo ter conseguido uma solução estável com o apoio da esquerda?
No primeiro ano havia uma certa expectativa de quanto tempo é que o Governo conseguiria sobreviver, mas a partir do momento em que ultrapassou o primeiro ano percebeu-se que poderia chegar até ao fim. Aquilo que é evidente é que não é possível continuar com esta política que temos seguido sem que sejam feitas reformas estruturais.
Porquê?
Portugal não fez o seu trabalho de casa e estamos numa situação mais vulnerável ou com maior risco do que deveríamos estar. Portugal passou por um período de austeridade muito forte perante uma situação dramática de resgate. Há muitas reformas que estão por fazer e a verdade é que todo o mundo político continua um pouco a assobiar para o lado. Nós temos problemas estruturais muito sérios que deveríamos enfrentar.
Revê-se na forma como o CDS faz oposição a António Costa?
O CDS tem conseguido marcar a agenda em determinados assuntos. Foi o CDS a chamar a atenção para a situação dos transportes. O CDS teve um papel decisivo em matérias como a natalidade ou as políticas de envelhecimento ativo. São propostas interessantes e boas e o CDS conseguiu marcar alguns pontinhos. Mas gostava de perceber qual é o projeto para o país. Gostava que existisse um caminho que agrega várias sensibilidades. Gostava que o meu partido tivesse um projeto que respondesse a questões essenciais e em muitas dessas questões parece que o CDS não se quer comprometer. O que é que o CDS pensa, por exemplo, sobre a reforma do sistema político?
Gostava que Assunção Cristas dialogasse mais com as várias sensibilidades que existem no CDS?
Acredito num CDS unido, mas que seja um partido plural.
Isso não acontece?
Aquilo que sinto, neste momento, é que ainda não houve esforço por parte da direção do partido para conseguir unir todo o CDS. Aquilo que se pretende, muitas vezes, é que todos estejam de acordo com a linha oficial e se há uma voz que está em dessintonia isso é um problema. Era importante que o CDS conseguisse unir todas as sensibilidades internas.
A quem é que cabe fazer esse esforço de união?
Esse esforço só compete a Assunção Cristas. Seria muito interessante que o CDS desse o exemplo permitindo que muitas destas sensibilidades pudessem estar representadas nas listas de deputados. Não se trata de estar a pedir ou a exigir lugares. Eu deixei o Parlamento e, portanto, não tenho como objetivo de vida imediato lá voltar, mas era muito interessante que a presidente do partido olhasse para o CDS de forma plural e reconhecesse que há diferentes linhas de pensamento e diferentes tendências internas. Era muito bom que desse voz a essas tendências de modo a que elas também possam ter participação no Parlamento. Não estou a falar do meu caso, mas o grupo que represento, que teve 20% em dois congressos, tem muita gente que gosta do CDS e que está no partido para servir no caso da presidente do partido entender fazer esse esforço de unidade. Estamos disponíveis para esse esforço de unidade. Há no CDS um caminho que é um caminho em que poucos acabam por fazer tudo.
Acha que há algum fechamento?
Não acho, tenho a certeza. Em três anos de liderança de Assunção Cristas, eu falei com a presidente do partido uma vez e meia e sou alguém que representei nos dois congressos, em que Assunção Cristas foi claramente vencedora, uma pequena parte (de 20%) de cada um desses congressos. Falei uma vez e meia com Assunção Cristas – a meia foi cinco minutos antes de fazer uma intervenção no último congresso a dizer que ia sair do Parlamento.
O que é que o levou a abandonar, no início do ano, o lugar de deputado?
Eu decidi sair do Parlamento porque entendi que não era útil naquele momento ao partido. O partido não me deu oportunidade de poder representar o partido em diferentes comissões estando no combate politico. Como não gosto de estar de corpo presente em funções públicas, que são funções por natureza provisórias e transitórias, decidi sair. Continuo dentro do partido e considero importante que seja dado um sinal de unidade. Se queremos fazer entendimentos com outros de fora temos de começar por pacificar internamente o partido e saber unir. Esse desafio ainda não foi ultrapassado por Assunção Cristas.
Exigia-se ao centro--direita que se entendesse num projeto para o país
Portugal não fez o trabalho de casa e estamos numa situação mais vulnerável do que devíamos
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‘Nestes três anos falei uma vez
e meia com Assunção Cristas’
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Luís Claro
luis.claro@sol.pt
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Não houve um esforço por parte da direção do partido para conseguir unir todo o CDS
Deixei o Parlamento porque não gosto de estar de corpo presente em funções públicas