Quem acredita no repatriamento de capitais em Angola?

Findo o período de graça para os angolanos repatriarem as suas fortunas, o Banco Nacional de Angola continua sem divulgar quanto dinheiro regressou ao país. Mas as expectativas não são muitas. Agora começa a perseguição.

O prazo de 180 dias para o repatriamento voluntário de capitais para Angola esgotou-se no dia 26 e inicia-se agora um caminho imprevisível, ao qual não se parece augurar grande êxito. O próprio Presidente João Lourenço já baixou as expectativas, dizendo que passarão 10, 20 anos, nem será para o seu tempo, até que se consiga ver o dinheiro em Angola.

Se em sistemas judiciais «mais desenvolvidos que em Angola, com muito mais meios, com muito mais especialistas, com muito mais expertise», o repatriamento coercivo de capitais é muito difícil e moroso, imagine-se em Angola, onde os primeiros passos estão a ser dados. Como refere Carlos Rosado de Carvalho, diretor do jornal económico angolano Expansão, «se o repatriamento voluntário não deu nada, o coercivo menos vai dar».

A Procuradoria-Geral da República (PGR)de Angola anunciou na quinta-feira a criação de um gabinete específico para acompanhar o processo de repatriamento coercivo de capitais e de recuperação de ativos do Estado: «A partir de janeiro e fevereiro já teremos trabalho para ser realizado, que já começou a ser preparado há alguns meses», como afirmou o procurador, Hélder Pitta Grós. Porém, não basta criar um gabinete: é preciso dotá-lo de meios.

Embora 2019 seja ano de capacitação de magistrados, com «formações específicas» em matéria de combate à corrupção, como adiantou Pitta Grós, a verdade é que o Estado possui meios insuficientes para lidar com um problema desta dimensão. A Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção da PGR emprega apenas seis magistrados e seis técnicos.

«Neste Orçamento de 2019, estou a citar de cor, os tribunais têm orçamentados 35 mil milhões de kwanzas, o sistema judicial como um todo tem à volta de 50 mil milhões de kwanzas, que é um bocadinho menos de 150 milhões de euros. A Casa de Segurança do Presidente da República tem 80 mil milhões, à volta de 240 milhões de euros. Há aqui qualquer coisa que não está bem, o Presidente João Lourenço, pelo menos este ano, não deu mais meios ao sistema judicial para combater a corrupção», explica Carlos Rosado de Carvalho.

Como refere ao SOL uma fonte conhecedora, não parece que o país tenha capacidade para ter uma equipa gigante, de centenas de pessoas, dedicadas a rever todas as contas e movimentos bancários. Primeiro porque não tem recursos financeiros, segundo porque tão-pouco possuiria recursos humanos com formação para preencher os lugares se estes fossem mesmo criados.

Ninguém parece, por isso, acreditar que o repatriamento voluntário de capitais que terminou no dia 26 tenha sido um êxito, porque a espada de Dâmocles que pendia sobre quem tem dinheiro em bancos fora de Angola parece ser de papelão. É tão difícil ao Estado angolano conseguir fazer o repatriamento coercivo que a ameaça se atenua ao ponto de ser de questionável eficácia.

Para já ainda não há dados para aferir do fracasso ou do sucesso da operação. «Estamos todos às escuras, ninguém sabe de nada», refere Rosado de Carvalho. O Banco Nacional de Angola, como o próprio Presidente João Lourenço salientou na sua recente entrevista coletiva, a seu tempo apresentará os números da operação. Mas se o banco central angolano tem esses números informatizados disponíveis – porque os bancos são obrigados a informar a autoridade central sobre o dinheiro que entra ao abrigo desse repatriamento – porque não os divulgou ainda?

Havia notícias de que Manuel Vicente, Álvaro Sobrinho, Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ e Leopoldino Nascimento (’general Dino’) teriam acordado repatriar o seu dinheiro ao abrigo desta política de ‘não fazer perguntas sobre origem do dinheiro’. No entanto, isso é algo que dificilmente se confirmará porque a questão é sigilosa.

A empresária Isabel dos Santos, por seu lado, terá descartado qualquer possibilidade de repatriar o seu dinheiro por considerar que isso seria admitir a origem ilícita do mesmo, algo que a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos recusa.

Aliás, o facto de a Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros partir do pressuposto que o dinheiro tem origem ilícita terá entravado o processo. A assunção de que o dinheiro é ilegítimo terá travado mais do que um, por mais que o Estado garantisse que ninguém seria processado por isso. Quando Portugal criou o Regime Excecional de Regularização Tributária, no tempo do Governo de José Sócrates, legislação que serviu agora de inspiração a Angola, a ideia era repatriar capitais, ponto final. «Em Angola assumiu-se a ilegalidade e isso é desincentivador», refere uma fonte empresarial ao SOL.

O tiro parece ter saído pela culatra, contraproducente para os fins pretendidos pelo Governo angolano, que seria conseguir captar uns milhões que fossem para injetar numa economia que sofre de enorme anemia de capital. «É preciso muita vontade política para se conseguir arranjar um milhão de dólares para investir numa fábrica em Angola», refere ao SOL alguém que conhece bem o mercado angolano. Quaisquer 100, 200, 300 milhões de dólares que fossem seriam muito bem-vindos à economia.

«As únicas pessoas que vão trazer dinheiro para cá são aquelas que estão a ser perseguidas e que não podem ter o dinheiro no estrangeiro. Que estão a ser enxotadas do estrangeiro. São as únicas. Porque o repatriamento coercivo é uma coisa muito difícil. Qual é a vantagem de trazer o dinheiro para Angola se o repatriamento coercivo vai ser muito complicado?».

Tudo o que envolve tribunais, Ministério Público é lento. A Justiça tem os seus prazos, os seus recursos que não se podem acelerar. É preciso provar por a+b a ilicitude, quantificar o dinheiro subtraído à economia angolana e garantir que no fim do processo o dinheiro regressa mesmo ao país.

Para Carlos Rosado de Carvalho, a lei nem sequer é eficaz no combate à corrupção, sendo preferível obrigar os ministros e gestores públicos a declararem os seus rendimentos: «É muito mais eficaz tornar públicas as declarações de rendimento dos gestores públicos do que andar com as leis do repatriamento voluntário, do repatriamento coercivo e da perda de bens». Se isso acontecesse, diz, começaria «a acreditar no combate à corrupção».