O que surgiu mais cedo na sua vida, a enfermagem ou a política?
Deve ter sido as duas coisas. Quando era pequenina fazia um auditório com os bonecos todos e falava para eles. Fazia receções, servia-lhes chá. A minha avó dizia que tinha de fazer alguma coisa com isso, com o falar em público. Depois, desde muito cedo que tenho também o sentimento do cuidar. Provavelmente tem a ver com a minha mãe ter ficado doente quando eu nasci, com uma depressão pós-parto. Ficou sempre muito debilitada. Desde criança tive a perceção que era eu que tinha de cuidar dela e não o contrário. Fui criada pelos meus avós.
Tem memória de ter essas primeiras conversas sobre saúde?
Sim, de conversar com os psiquiatras. Já na altura comecei a perceber que, por vezes, quem trabalha na Saúde fica tão doente como os doentes.
Nunca quis ser médica?
Era o sonho da minha avó. Noutro dia o José Eduardo Martins teve um erro de simpatia quando disse que a minha avó era enfermeira: queria ter sido mas não chegou a ser. Os meus avós eram comerciantes. O meu avô era ourives joalheiro e tinham lojas. A minha avó queria muito que eu fosse médica, tem uma outra neta que seguiu Medicina. Mas eu queria ser enfermeira. Tive de concorrer às escondidas porque ela e a minha professora de inglês tinham-me feito a candidatura para admissão em Medicina em Oxford. Entrei, tinha muito boas notas, mas queria enfermagem.
Não foi por falta de notas? Por vezes há essa ideia de que a enfermagem é uma segunda escolha.
Não. Tinha média 19 no 12.º e de 18 no 10.º e no 11.º mas queria ser enfermeira. Quando entrei na Escola Superior de Enfermagem de Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a minha avó não me falou durante seis meses, pensava que eu ia estudar para Inglaterra.
Nunca se arrependeu da escolha?
Não. Tem a ver com o que somos e sentimos. Os médicos tratam e os enfermeiros cuidam e é substancialmente diferente. Há um conjunto de pessoas que vivem com doenças crónicas e problemas que não têm solução e essas pessoas precisam que cuidemos delas, precisam do enfermeiro.
Que memórias guarda da infância em Almada?
Estudei num colégio diocesano dos 3 aos 18 anos. Os meus amigos costumam dizer que serviu de muito pouco, porque sou muito rebelde. Sempre tive muita fé e estar ali ajudou-me a perceber a fé. A minha avó queria que eu tivesse mundo e estar no colégio deu-me oportunidades que se calhar não teria tido noutro lado.
O bichinho da política mais a sério aparece quando?
No colégio fundámos uma associação de estudantes. Os diretores eram padres e era uma grande dor de cabeça. A casa do caseiro da escola estava abandonada e decidimos que íamos ocupá- la para fazer a sede da associação. Tinha uma infestação de pulgas, saímos de lá todos picados. Tive desde cedo essa vontade de fazer coisas novas, de mudar. Curiosamente – e não votei nele nas diversas eleições – a maioria das pessoas da minha geração foi para a JSD por causa de Cavaco Silva. Tenho memória de vê-lo numa das primeiras campanhas, numa carrinha de caixa aberta. Hoje parece que ele não fez isto mas Cavaco Silva era muito novo, ali de pé na carrinha, todas as pessoas à volta. Tinha uma luz diferente, uma energia diferente.
Não via o mesmo em Mário Soares, Álvaro Cunhal?
Eram pessoas com carisma. Gostava muito de ouvir o Álvaro Cunhal. Acho que as pessoas não têm de ficar acantonadas. Podemos pertencer a um partido e reconhecer valores em pessoas de outros partidos. Tinha uma profunda admiração e amizade pelo João Semedo, tenho uma grande amizade, que vem dos tempos de estudante, pelo Bernardino Soares.
Fotografia de Mafalda Gomes
Não tem sido fácil chegar a um pacto no setor, algo que Marcelo tornou a pedir nos últimos dias.
E é uma pena. Tudo o que envolve a Saúde e a relação do SNS com o setor privado e social exige que as pessoas tenham uma grande maturidade na discussão e se dispam de todos os preconceitos que têm e é isso que tarda em acontecer. Nós fazemos uma denúncia, ou dizemos que algo está mal, e lá vem a conversa da cassete partidária e isto na Saúde assim não funciona. Basta ver que no meu mandato juntámos nos órgãos da Ordem pessoas filiadas noutros partidos, do PCP, do BE.
Nos anos da crise não era tão audível como tem sido nos últimos anos.
É natural que não fosse porque não estava bastonária. E acho que hoje em dia o PSD dá graças a Deus por eu não estar bastonária nessa altura porque sabem que teria feito a mesma coisa. Tomei posse em fevereiro de 2016, já não estava o PSD no Governo. Estando eu hoje a representar uma classe, tenho muito mais pressão pública, embora na altura tenha provocado alguns estragos ao PSD.
Era conselheira nacional.
E não deixava de dizer o que tinha para dizer. Trabalhava no centro de saúde da Graça. A unidade era muito velha e a diretora do ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) dizia uma coisa com piada: que tinha feito obras porque já não aguentava mais que sempre que tinham de falar de algum problema na Saúde lá fossem filmar. Ao menos filmavam uma coisa nova. Era uma mulher do PS mas lá está, com o mesmo sentido de que, na Saúde, não pode haver partidos. Quando tive um problema na Saúde 24, onde fui supervisora [denunciou condições de trabalho], foi uma mulher que me apoiou muito mesmo não sendo do meu partido.
Como se dá a entrada na JSD?
Depois dessa imagem de Cavaco, eu e três amigos resolvemos ir à secção do PSD de Almada e pedimos uma ficha.
Que idade tinha?
Devia ter 14 anos mas mentimos na idade, só nos deixavam entrar aos 16. Filiei-me e, como era muito interventiva, acabei por ir logo para a estrutura distrital de Setúbal. Fiz muitos amigos nessa altura, incluindo o José Eduardo Martins, o Bruno Vitorino, pessoas que ainda hoje estão no PSD e de que gosto muito. Algumas estão em fações díspares dentro do PSD mas para mim não há fações, acredito em valores e continuo a ter os mesmos amigos mesmo que não apoiemos os mesmos líderes.
Ir para as juventudes partidárias é visto como uma forma de garantir emprego?
Isso existe mas não é só na JSD, existe no associativismo estudantil no geral. Mas se sabemos exatamente o que queremos, aprendemos a ver o que está errado e não seguimos esse caminho. Há pessoas que vão com aquele objetivo de ter emprego e infelizmente os governos fazem nomeações por cartão partidário. Quando fui adjunta do secretário de Estado da Saúde…
Essa não foi uma nomeação por cartão partidário?
Não, eu era enfermeira. Procuravam uma pessoa com o meu perfil. Falo de uma coisa diferente. Durante essa minha estadia [no Governo de Durão Barroso] tinham sido criados os hospitais SA e era preciso serem nomeados conselhos de administração. Pediram-me se olhava para os currículos das pessoas. Comecei a olhar para aquilo e recusei-me a participar na seleção.
Teve pedidos para escolher esta ou aquela pessoa?
Nem comecei. Olhei para os currículos e disse que não queria participar naquilo porque as pessoas não serviam. Havia um jovem, que já não me recordo quem era, mas que a única experiência que tinha era ter sido de todos os órgãos sociais do clube de petanca. Tive de ir ver o que era a petanca porque nem conhecia o jogo. Todo os partidos do arco governativo fazem este tipo de nomeações. Às vezes acertam, porque há pessoas que são competentes – não pode ser tudo mau – mas noto muito mais isso com governos de esquerda. O PSD quando faz governo não substitui toda a gente. O PS é uma razia. Às vezes dentro do mesmo Governo. Assistiu-se agora à mudança da ministra da Saúde e mudaram os gabinetes, há trabalho que se perde.
Dá-se com Rui Rio?
Não tenho qualquer relação nem de amizade nem de proximidade. Não o apoiei nas eleições para o PSD.
Como viu o primeiro ano de liderança Rio?
Um horror, um desastre, mas isto é a minha opinião. Continuo a ser militante de base do PSD mas no último congresso não quis concorrer a nenhum órgão nacional porque não me revejo no que está a ser feito.
Faz parte da resistência interna?
Não porque não tenho tempo. Estou dedicada à Ordem. Vou acompanhando, vou lendo algumas coisas mas, francamente, os enfermeiros neste momento precisam muito mais de mim do que o PSD.
José Eduardo Martins dizia que pessoas como vocês não ‘sobem’ dentro do PSD.
Percebo o que ele quis dizer, somos muito críticos. As pessoas sempre me perguntaram: ‘Porque é que queres ser conselheira nacional do PSD?’ Fui muito tempo e nunca eleita em listas oficiais, nas listas do líder. Respondi sempre que queria lá estar porque tinha uma palavra a dizer, mesmo que não seja aquilo que o partido quer ouvir. Há um episódio caricato. O presidente da mesa do conselho nacional era o Ângelo Correia. O presidente do partido era o Luís Filipe Menezes, eu faço uma intervenção a propósito da importância do SNS. Na altura o Hospital Amadora-Sintra era PPP, com imensos problemas à volta disso, e eu lá fui com os meus números. De repente o Ângelo Correia começa aos gritos a mandar-me para o PCP e para o Bloco.
O que fez?
Deixei-o gritar. Levanta-se o Pedro Santana Lopes a mandá-lo calar, o Jorge Roque da Cunha, que é o presidente do Sindicato Independente dos Médicos, a dizer que era uma vergonha. Fiquei à espera que toda a gente parasse. Disse-lhe que o respeitava apenas pela idade que tinha mas tinha sido eleita para estar ali e iria sempre dizer aquilo que entendia. No conselho nacional seguinte pediu-me desculpa. Tive esta situação com ele, tive com o Fernando Seara numa vez que também falei do Amadora-Sintra. Se fosse para discutir Educação, não me metia. Mas de Saúde percebo eu.
Mas gostava de ‘subir’ no PSD?
Não, gostava que o meu país mudasse em termos de democracia. Vou-lhe contar uma coisa que uma parte é pública e outra não é e acho que mostra como não vivemos bem em democracia, ou pelo menos, vivemos num sistema podre em que as pessoas pensam que vivem em democracia mas de democrático tem muito pouco. Toda a gente fala da greve dos enfermeiros.
Que cancelou mais de 7 mil cirurgias.
E que tem crodwfunding que é uma forma criativa mas não ilegal de apoiar o projeto.
Mas é transparente? Não se sabe quem fez os donativos.
A PPL [plataforma de crowdfunding] tem os dados todos, mesmo os donativos anónimos só são anónimos para os organizadores. Se o objetivo não for atingido, a PPL devolve o dinheiro. Os jovens que organizaram a greve cirúrgica ficaram muito contentes porque receberam um contacto para reunir com a ministra da Saúde. Lá vieram para Lisboa, com grande esforço porque trabalhavam no dia a seguir. Vieram às suas expensas, puseram-se os quatro num carro, pensando que iam reunir com a ministra da Saúde. O que de facto aconteceu, o problema é as condições em que aconteceu. Afinal a reunião era com três deputados do PS na Assembleia da República, o deputado António Sales, o deputado Luís Simões e o deputado Joaquim Seabra, para fazer perguntas que sinceramente… perguntar quais são as condições dos enfermeiros é gozar um bocadinho com a cara deles. A Ordem envia tudo para a AR e com certeza que eles leem notícias como toda a gente. Chamar quatro enfermeiros que já trabalham 50 ou 60 horas por semana para fazer esta mise-en-scène, mais valia estarem quietos.
Mas não reuniram com a ministra?
A reunião foi com a senhora ministra, mais estes deputados na AR. E eu pergunto onde fica aqui a separação de poderes. A Assembleia supostamente fiscaliza a ação do Executivo. Alguma coisa não está bem. Mais: queriam saber se a bastonária estava por detrás do movimento.
É uma questão que tem sido levantada. Está? Os dois sindicatos foram criados há pouco mais de um ano com pessoas ligadas à Ordem.
Os dois sindicatos têm pessoas que foram opositoras à minha candidatura. As perguntas eram se eu estava por trás da greve cirúrgica e se eu fazia trabalho sindical. Isto é de uma perseguição… Se têm duvidas, perguntem-me. Fazer isto a enfermeiros que não têm ligação nenhuma a partidos, estrutura da ordem ou sindicato… parece que o que importa não é resolver os problemas. Importa é perseguir a bastonária.
Tem tido intervenções que podem ser entendidas como dinamizadoras do protesto.
Os bastonários têm de servir para fazer a defesa da dignidade da profissão e dos enfermeiros e dos cuidados que são prestados às pessoas.
Nunca sentiu que estava a ultrapassar as suas competências?
Não. Uma ordem profissional, tendo essas atribuições, o que é que é suposto? Eu saber das coisas e fazer como os outros?
Fotografia de Mafalda Gomes
Podia usar os canais institucionais.
Usamos e não adianta de nada. O problema é que há aqui um pacto de regime de silêncio e toda a gente anda feliz da vida. Têm os seus lugares, uns vão para deputados, outros vão para presidentes dos conselhos de administração e depois são todos amigos.
Inclui nessa análise o PSD?
Toda a gente. Toda a gente em Portugal habituou-se, desde que vivemos em democracia, a fazer o jeitinho. A pedir o favorzinho ao amigo, ‘eu não vou falar disto porque posso ser prejudicado’. As pessoas têm de perceber uma coisa em relação a mim: quando eu amanhã sair daqui, se tiver que ir lavar escadas, vou. A minha postura tem a ver com aquilo em que acredito. Não estou a pensar no dia de amanhã e para onde vou. Se eu estivesse, estava calada.
Já recebeu esse aviso?
Muitas vezes através de amigos. Que, se eu fosse uma pessoa mais flexível, mais tolerante e com mais propensão para poder fazer acordos, os chamados pactos de silêncio, estava muito melhor na vida e ganharia muito mais dinheiro. Aquilo que eu tenho chega-me muito bem para viver.
Vai recandidatar-se?
Não sei. Não é um lugar difícil se eu o exercesse como os meus antecessores. Se fosse seria um walk in the park. As ordens que têm mais projeção são as da Saúde, são os problemas que dizem mais às pessoas e muitas vezes não estão no centro… Noutro dia ouvi um comentador dizer que é evidente que a ministra do Mar tinha de reunir com os estivadores em greve, era um problema gravíssimo para o país. E os enfermeiros não… Os problemas económicos do país são mais importantes que a vida das pessoas. A ministra Ana Paula Vitorino esteve lindamente.
Defendeu a mesma abordagem negocial na Saúde.
A greve dos enfermeiros não é uma greve comum, que vem nos livros. Se não vem nos livros não podemos aplicar a receita que vem nos livros.
Mas não reconhece que é uma greve com consequências cruéis para os doentes?
O que acho neste momento cruel para todos é ter um enfermeiro para 40 doentes. Isto não vigia nada nem ninguém. Acho cruel que, por cada doente a mais que um enfermeiro tem a seu cargo, a taxa de mortalidade suba 7% dentro dos hospitais. Isto são dados de estudos científicos feitos em várias partes do mundo e também em Portugal. Acho cruel que os enfermeiros trabalhem sem ter tempo de ir à casa de banho ou para comer. Acontece todos os dias.
Chegou a denunciar que havia doentes sem comer e sem medicação num hospital por falta de pessoal mas a Inspeção da Saúde chegou à conclusão de que não havia indícios disso.
Não chegou a conclusão nenhuma. Disse, na altura, para irem ouvir a equipa toda de enfermeiros. Ouviram? Não. E portanto arquivaram. Este país é assim. As coisas acontecem mas depois há sempre quem esteja disposto a fazer ali um arranjinho para que as coisas não se saibam. Eu sei que aconteceu e os enfermeiros que estavam naquele serviço também sabem e essa razão nunca ninguém nos há de tirar. Portanto o que eu acho cruel é que existam estas coisas todas e pior. Que antes da greve cirúrgica, houvesse, como ainda há, blocos e salas operatórias encerradas no SNS por falta de enfermeiros. O que acho cruel é ter uma média nos países da OCDE de 9,3 enfermeiros por mil habitantes e o SNS português ter 4,2. Será que acham que os enfermeiros têm olhos nas costas? Quatro braços?
O preço que a população paga não é demasiado alto?
Já é. Por falta de enfermeiros e por falta de condições morrem pessoas todos os dias dentro do SNS. Pela greve não morrem.
Tem a certeza de que não houve nenhum doente a ser afetado de forma irreversível pela greve?
Tenho a certeza. Em termos de perder a vida não. Embora eles vejam isso acontecer por falta de condições no SNS.
Está a falar de que situações?
Algumas que têm desde logo a ver com o mau funcionamento do INEM. Em questões de emergência, um minuto ou segundos fazem a diferença. E ainda que não recebesse as denúncias que encaminho para o Ministério, basta andar um bocadinho atento na rua. Regra geral quando vê uma Ambulância de Suporte Básico de Vida (SBV) ou uma Ambulância de Suporte Imediato de Vida (SIV), amarela, vão a andar e de repente param, invertem a marcha. Estão a tentar encontrar o sítio para onde têm de ir porque o sistema de georreferenciação do INEM não funciona. Há aquele exemplo dos jovens no incêndio que ligaram para o CODU e que o operador o que fez foi desejar boa sorte. O que é isto? Em que país é que vivemos?
A questão das comunicações foi de novo questionada com o acidente do helicóptero do INEM.
Infelizmente as pessoas não tinham hipótese de sobrevivência. Mas devemos pensar: temos hoje na estrada VMERs (Viaturas Médica de Emergência e Reanimação) com mais de 400 mil quilómetros, temos helicópteros que não estão adaptados para voarem em condições de segurança. Foi tornado público [foi noticiado esta semana que dois dos quatro helis do INEM não estarão a cumprir os requisitos previstos] e eu não ia falar sobre isso porque não é em cima de uma tragédia que vamos falar, até por respeito pelas famílias, que neste caso sabem que não havia nada a fazer pela forma como aconteceu o acidente. Mas se amanhã uma VMER cair numa ribanceira durante a noite ao voltar de um serviço, sabe quando é que vão a descobrir? Quando a tiverem de ativar outra vez.
A equipa não comunica onde anda?
Aquilo é um turno. Sou ativado, vou à emergência, tenho um acidente. Tenho muitas horas até ao fim do turno. A equipa está no acidente. A família só dá por falta quando acabar o turno. Na base da VMER também ninguém vai estranhar. O sistema de comunicação está todo errado, o SIRESP é uma porcaria e ninguém consegue fazer nada para que as coisas funcionem.
Porquê?
Porque não querem. Na Madeira e nos Açores, o sistema de emergência não está baseado no SIRESP e funciona. E têm enfermeiros nos CODUs (Centros de Orientação de Doentes Urgentes, centrais de atendimento das chamadas para o 112 relacionadas com emergências de saúde). Coisa que no continente, para se poupar uns trocos, tirou-se os enfermeiros e deixou-se lá pessoas que têm o 12.º ano ou que têm outras profissões e que trabalham com algoritmos completamente desadequados. Estes algoritmos, se for preciso, ativam uma VMER para uma unha encravada mas para um ataque cardíaco ativam uma ambulância de suporte básico de vida. Toda a gente está farta de se queixar. O INEM tem uma gestão profundamente incompetente.
Um artigo há uns meses dizia que, no Ministério Público, é conhecida como a queixinhas.
Adoro ser queixinhas. Todas as semanas me queixo.
Ao MP?
Não, às várias entidades. Tenho a certeza de que o epíteto de queixinhas não é da parte do Ministério Público. Todas as semanas recebemos pedidos de ajuda do MP para processos em que temos de nomear peritos e colaboramos sempre. Agora todas as semanas, se não quase todos os dias, envio denúncias ao ministério da Saúde, à AR, à Inspeção. Se mais instituições no país agissem assim, provavelmente já tínhamos conseguido corrigir mais problemas.
As queixas foram aumentando ao longo do mandato?
Neste momento é dez vezes mais do que quando chegámos à Ordem. As pessoas veem que tentamos resolver as situações.
Que relato mais a impressionou?
Há muitos problemas que resolvemos aqui que podiam ser resolvidos se as pessoas se ouvissem. Lembro-me de uma enfermeira que estava em casa. Tinha tido um acidente de serviço e não tinha os dentes da frente. Competia ao serviço, neste caso à Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte), pagar os pivôs. Aquilo arrastava-se há três anos. Liguei ao presidente e perguntei-lhe como é que aquilo era possível, com tanta falta de enfermeiros, tem uma enfermeira que quer trabalhar… O assunto ficou resolvido. O presidente da ARS do Norte e outros têm, em conjunto com connosco, conseguido resolver um conjunto de coisas que não mudam o mundo, mas mudam o mundo daquelas pessoas. Em relação ao SNS é todos os dias: falta de material, falta de meios.
Que casos a preocuparam mais?
Lembro-me de duas situações que me chocaram muito este ano. Uma foi em dois serviços um ao lado do outro em Gaia. Tinham um enfermeiro para aqueles doentes todos, creio que 25 de cada lado. Era o ministro Adalberto e eu já tinha enviado um report da situação e recebo uma segunda comunicação a dizer que tinha havido uma paragem cardiorespiratória de um dos doentes e que não se tinha conseguido chegar a tempo. Outra foi no serviço de cardiologia de S. João que também tem cerca de 20 doentes, mas neste caso todos muito instáveis, a precisar de monitorização permanente. Tinham um ou dois enfermeiros por turno, não conseguiam ir à casa de banho, almoçavam quando podiam, quando não podiam não almoçavam. Uma das pessoas da equipa tinha tido uma baixa por burnout, estava a regressar ao trabalho a recuperar de um quadro de exaustão e a lidar com isto. E depois oiço os comentadores da treta dizer que eu digo as coisas porque sou do PSD. Apetece-me enfiar-lhes os papéis pela goela abaixo que é para perceberem que estamos a falar de pessoas, não de partidos.
Acha que há falta de contacto com a realidade do SNS?
Alguns vivem na estratosfera. Faço um convite a todos: vamos a um hospital. Não fazem ideia o que é a vida dos enfermeiros, o que é a vida das pessoas que dependem do SNS. E provavelmente quando precisam de ir ao SNS ainda estão no caminho e já estão a ligar a pedir alguma coisa. Digo isso porque há muitos amigos que fazem isso. E conhecidos.
Uma das controvérsias do seu mandato foi ter levado material do Hospital de Santa Maria para ajudar a mulher de Pedro Passos Coelho.
Sou muito amiga do Pedro e da Laura mas isso nunca aconteceu e já o disse várias vezes.
Não é verdade que teve um processo disciplinar?
Não, eu tive um processo disciplinar por ter denunciado no conselho nacional que o então presidente da ARSLVT, Cunha Ribeiro, vivia numa casa que pertencia à Octopharma. Não tem nada a ver. Eu falo de coisas diferentes, estou a falar de pessoas que, já sendo eu bastonária, ainda não chegaram ao hospital e já me estão a ligar a perguntar se está lá alguém conhecido, se eu sei quem está de turno. No seu íntimo eu acho que as pessoas têm medo do Serviço Nacional de Saúde.
O seu mandato foi marcado por polémicas internas. A vice-presidente da Ordem acusou-a de apresentar quilómetros fictícios para ter mais ajudas de custo.
Quando chegámos deparámo-nos com uma situação difícil na Ordem que tinha a ver com a ausência de regras contabilísticas e relatório de contas. A Ordem tinha imparidades de milhões.
Dívidas de quê?
Sobretudo a ver com quotas em atraso. Não havia procedimentos de autoria interna e externa, não havia justificação para uma série de despesas e havia essa prática de que essa senhora nos acusa mas de mandatos anteriores. Entregámos emails que comprovam isso na altura em que esteve cá a PJ a fazer buscas [em 2017].
Fotografia de Mafalda Gomes
É arguida?
Não, pelo menos ao que sabemos. Estiveram cá e levaram as coisas. Havia denúncias, uma queixa anónima que tinha sido apresentada em dezembro de 2015. Quando chegámos já tínhamos intenção de mandar este senhor [diretor financeiro] embora. Quando chego este senhor está suspenso num processo decidido pelo bastonário, o que não é uma situação regular porque há órgãos próprios. O que fiz foi revogar e durante seis meses investiguei-o para poder fazer o processo disciplinar. No decurso desta investigação apanhámos esta senhora [vice-presidente], que é público que vive com ele. Com a ajuda dele praticou uma série de coisas de que depois nos acusou. Nomeadamente o uso indevido de dinheiro da Ordem. Perdeu o cargo aqui dentro, recorreu para tribunal e perdeu. Acusou-me de difamação e perdeu. E agora foi-lhe enviada uma sanção que a suspende por cinco anos do exercício de enfermagem. São coisas que acontecem, ficámos surpresos quando percebemos que estavam juntos. Estou de consciência absolutamente tranquila.
Já este verão vieram a público críticas ao facto de ter aprovado um subsídio de função numa reunião na Madeira com poucos enfermeiros.
O subsídio de função é o que outras ordens têm e não estava regulamentado. Vou fazer assembleias em todos os pontos do país. A da Madeira foi tão participada como as outras todas e os críticos podem começar a afiar os dentes. O subsídio de função é igual ao que foi criado para outras ordens.
Temos o nosso vencimento e é um complemento pelas funções que temos nos órgãos executivos. Imagine que eu queria exercer outra atividade: estou impedida.
Sente-se apoiada pelos enfermeiros?
Há vozes críticas mas não tenho dúvidas que hoje a grande maioria dos enfermeiros está ao lado da sua ordem profissional.
Nunca se falou tanto de enfermeiros, são candidatos a ‘palavra do ano’. Gostava que esse fosse o legado do seu mandato?
Gostava e sobretudo sei que nunca se sentiram tão acompanhados. E ser transparente faz parte dessa relação. Antigamente as pessoas que estavam aqui levavam dinheiro e nem impostos pagavam. Agora não, é tudo tributado, só é 12 meses e se há um dia em que apresento, por exemplo, uma fatura de alimentação, é-me descontado o subsídio de alimentação do meu vencimento. Há cruzamento de informação, há auditorias e isto vem tudo mencionado no relatório de contas, que apresentamos ao TdC.
Nos últimos tempos circularam na internet algumas imagens sobre si, numa era chamada de anjo da morte. Como lida com estas críticas?
As pessoas que não gostam de mim têm muito pouca sorte. Estou muito habituada e tenho uma capacidade de me rir de mim própria. Tenho a perfeita noção de que nascemos, vivemos de uma determinada maneira. Essas pessoas que fazem essas montagens nunca me deram um prato de sopa por isso não me diz nada. Lá põem as asas e os sticks pretos, mas vão sempre buscar fotografias onde estou gira.
Sempre bronzeada.
Gosto muito de usar base, não gosto de andar branca.
Não é de ir passar ferias à praia?
Fiz duas viagens desde que estou bastonária. Mas antes fui, fui umas dez vezes ao Brasil, ao México.
Tem filhos?
Não tenho. Mas não vão as pessoas que não gostam de mim achar que sou uma egoísta e não quero pôr criancinhas no mundo… não tive filhos porque não pude. Tenho uma doença crónica grave relacionada com isso e não pude. Mas como sou crente e tenho fé, acho que não tive porque estava destinada a fazer outras coisas, Deus lá sabe o que faz. Se tivesse filhos se calhar não me podia dedicar tanto à Ordem. E tenho um filho de quatro patinhas.
O Pop, que anda por aqui.
Sim, os funcionários sabem que podem trazer cães e gatos, temos jardim. De vez em quando resgatamos uns gatinhos.
É viciada no trabalho?
Não é que seja mas não gosto de demorar muito tempo a responder às pessoas. Às vezes respondo à 1 da manha, quando tenho um bocadinho. E acontece uma coisa gira quando vou sair à noite: regra geral encontro muitos enfermeiros, as pessoas abordam-me, tiramos muitas fotografias.
É o Marcelo no feminino.
(risos) Não…
É amiga do Presidente da República?
Sou, gosto muito dele, independentemente de concordarmos ou não com o que cada um faz.
Marcelo já pediu ponderação aos enfermeiros.
Já. Mas é uma pessoa a quem eu vou ser grata para o resto da minha vida. Sempre acreditou em mim e nas minhas capacidades. Já era candidato a Presidente da República, havia seis ou sete candidatos à Ordem, e gravou um testemunho dizendo que eu seria a melhor bastonária que os enfermeiros podiam ter. E na primeira candidatura à Ordem [que não foi admitida por ter sido considerado que não tinha os 15 anos de serviço exigidos], foi o primeiro a quem pedi parecer para contestar a decisão, o que me levou a recorrer até ao Supremo. Há um valor que sempre me transmitiram que é o da gratidão.
Marcelo já lhe ligou a pedir para ser mais contida?
Não. Seria incapaz de fazer isso. Primeiro porque não faz o estilo dele e depois porque sabe que não ia adiantar nada.
Vai para o seu último ano de mandato em ano eleitoral. Também vai estar em campanha?
Campanha para o Governo, cada um que faça a sua. Como disse, ainda não tomei a decisão de me recandidatar porque preciso de ouvir a minha família e os meus amigos. Não ligo ao que se diz e ao que se escreve mas eles revoltam-se. É uma decisão que tenho de ponderar muito. Parece que passaram dez anos. Envelhecemos muito. Era uma casa que precisava de ser posta em ordem, custou-nos muito. Criámos um novo site, um balcão único, temos a Ordem com contratação pública, novas cédulas profissionais, novas competências. Em 21 anos tínhamos seis especialidades reconhecidas, neste momento temos doze.
O que está por fazer?
Falta consolidar o balcão único, criar mais competências, eventualmente conseguir negociar o internato da especialidade com o Governo. Estando o país em ano eleitoral, não vamos fazer nem mais nem menos. Vai haver uma campanha eleitoral, os partidos que se matem uns aos outros que nós não temos nada a ver com isso, precisamos é dos problemas do SNS resolvidos.
Quando ouve o primeiro-ministro dizer que Fernando Negrão é o seu porta-voz, não há o risco de acabar por aparecer no debate?
Não tenho pretensão nenhuma de ensinar nada ao senhor primeiro-ministro, mas quem sou eu para o senhor primeiro-ministro falar de mim?
É próxima de Fernando Negrão?
Nem conheço o senhor. É absurdo. Tenho muitos amigos no PSD mas o Fernando Negrão não é um deles. Não é uma pessoa com quem alguma vez eu me tenha sentado a tomar um café. Percebo o desespero, percebo que a greve é difícil de gerir, que estão muitas cirurgias adiadas, mas acho que em vez de se preocuparem comigo devia haver aproximação. Já disse à senhora ministra o que os sindicatos aceitam para parar o protesto. Não é assim tanta coisa. É a idade da reforma reduzida, já não sei se é para 58 ou 57 anos porque isso é matéria sindical…
Chegou a dizer-se que a Ordem era uma ‘espécie de sindicato’.
Não é, é um regulador, mas temos olhos na cara e ouvimos os sindicatos. Sabemos o que estão dispostos a aceitar. E há coisas da carreira que nos dizem respeito desde logo a categoria de especialista, somos nós que emitimos o título. Mais: a Ordem, a pedido do ministro Adalberto, fez um estudo com uma universidade para demonstrar a mais-valia dos cuidados especializados. Conclusão: cuidados especializados permitem menor taxa de mortalidade, menos infeções hospitalares. Só em infeções hospitalares poupamos 58 milhões de euros por ano. Para ser criada a categoria de enfermeiro especialista estamos a falar de um impacto orçamental de 40 milhões de euros. É muito menos do que já se injetou nos bancos.
Pareceu haver nas últimas semanas alguma abertura, mas os sindicatos mantiveram a segunda greve.
Pareceu, não sei o que vai acontecer. Provavelmente não houve abertura para resolver tudo. A idade da reforma é um custo indireto que não vai cair no défice.
Mas implica contratar mais enfermeiros.
Mas isso já era preciso se queremos salvaguardar a vida das pessoas. Se não, podemos continuar assim e assistir a mortes evitáveis de doentes por falta de enfermeiros. Porque isto acontece no SNS e há estudos que o comprovam.
São estudos, faltará estabelecer essa relação causal em casos reais.
Os estudos são conduzidos por universidades e dizem que, por cada doente a mais a cargo dos enfermeiros, a taxa de mortalidade aumenta e isto baseia-se em casos reais estudados. Vamos ter em março uma conferência com ministros da Saúde de todo mundo para falar de patient safety.
Mais estudos desse género vão levar a um retrato diferente do SNS?
Acho que quando a classe política tiver maturidade para deixar a partidarite de lado, vamos. Não é por dizer que a bastonária é mentirosa que os problemas desaparecem. A forma como financiamos o SNS é do mais rudimentar que existe. Financia-se à quantidade: isto já não se usa em lado nenhum. Vai haver agora projetos-piloto, falamos disto há três anos… Em Portugal é tudo pensado ao dia, não há um planeamento estratégico. Não há ninguém que diga vamos fazer isto hoje porque daqui a dez ou 20 anos vai ter este impacto. E sobretudo parece que não há ninguém a olhar para os dados: se olharmos para as projeções do FMI e do Banco Mundial sobre o que vai ser a Saúde em 2030 em Portugal fico assustadíssima.
Pelo reforço de investimento que será necessário?
Sim. Temos uma população super envelhecida. As pessoas vivem mais tempo mas com mais doenças associadas, também porque ainda não se investiu o suficiente em prevenção e faltam meios nos cuidados primários. Os enfermeiros no Algarve para irem ver os doentes a casa têm de levar os carros deles, os carros da ARS passam a vida na oficina. Isto é de um país desenvolvido? E o problema é a bastonária ser do PSD? Tenham vergonha na cara. Têm de resolver os problemas em vez de arranjar subterfúgios. Relativamente à greve cirúrgica, os enfermeiros estão a pedir pouca coisa.
Mas gostava que não chegasse a haver a greve 2?
Eu gostava que não houvesse, mas se houver eu sei que é porque o Governo não se aproximou um milímetro daquilo que os enfermeiros estão dispostos a pedir. E o Governo não cedeu em nada.
Porquê?
O Dr. Adalberto apresentou uma proposta ao ministro das Finanças que os enfermeiros aceitavam. Isto eu sei. Se o primeiro-ministro quer ser justo e cumprir aquilo que prometeu aos enfermeiros, está no vídeo que fez [divulgado durante a campanha eleitoral], tem de agir. Há um mínimo que tem de ser dado ao SNS. Querem recusar-se a dar-nos uma categoria que existiu até 2009. Eu tenho 21 anos de profissão. Eu, um enfermeiro com 30 anos e outro com 15 dias temos o mesmo salário base de 1201 euros brutos. Dá 980 euros líquidos. Nas Misericórdias é uma vergonha. Chegam a levar 800 líquidos para casa.
A ministra tem uma tese sobre maior partilha de tarefas entre profissionais. O caminho é por aí?
Não concordamos com a delegação de competências, a ideia de task shifting, mas sim com o skill mix (combinação de competências).
Implica os enfermeiros passarem a fazer prescrições?
De medicamentos não, mas podia fazer sentido prescreverem coisas que hoje já fazem, como ajudas técnicas, material de ostomia, coisas sobre as quais objetivamente já são os enfermeiros que falam com os doentes mas depois têm de ir com o papel para o médico assinar. O mesmo com os meios contracetivos, a pílula.
Mantém-se o diferendo sobre se devem ser os enfermeiros obstetras a seguir as gravidezes normais.
Na prática já são mas depois não podem prescrever os exames da gravidez normal e os medicamentos como o ferro, o ácido fólico.
É resistência dos médicos?
É. Mas se nas outras coisas há uma questão objetiva de que seria preciso operacionalizar essa mudança, aqui há uma diretiva comunitária que não foi transposta em Portugal. Como não conseguimos chegar a acordo com o Governo vamos para tribunal.
No capítulo da Lei de Bases da Saúde, como vê a discussão de um SNS mais à esquerda ou à direita?
Gosto muito de Maria de Belém, é outra pessoa com quem tenho um sentimento de gratidão até ao resto da vida e que esteve do meu lado na questão da Saúde 24.
Concorda com uma visão mais estatizada no SNS?
Não nos aquece nem arrefece. Tivemos anos uma Lei de Bases que tem princípios lá plasmados que ninguém cumpriu. Aliás, Portugal, desse ponto de vista, é dos países mais regulados na área da Saúde mas ninguém cumpre nada. De maneira, se estou preocupada que a lei saia assim ou assado, não. Nós pronunciamo-nos, como as diferentes ordens profissionais, mas se não passar de um texto publicado, vai ser igual.
José Eduardo Martins diz que gosta muito de receitar. O que é que ‘receitava’ para o aniversário dos 40 anos do SNS em 2019?
Sobretudo boa gestão, bom senso, muita inteligência emocional para lidar com as pessoas dentro das instituições. E uma carreira para os enfermeiros, para que encontrem alguma paz para poderem fazer o seu trabalho. Um em cada cinco enfermeiros trabalha em exaustão, dois terços num nível de stress muito elevado. Quem trabalha assim não está na posse de todas as suas faculdades e vai forçosamente cometer mais erros. E isto prejudica as pessoas, diria que prejudica muito mais do que a greve cirúrgica. Temos tido conhecimento de colegas que abandonam o turno a chorar. As pessoas chegam a um ponto em que só de pensar que têm de ir para o centro de saúde ou para o hospital entram em pânico.
Quando passar o tempo da Ordem, imagina-se a voltar para a enfermagem ou a seguir para a política?
Como enfermeira vejo-me sempre. Se é isso que vai acontecer, não sei.
Na política, gostava de ter outros cargos, ser ministra um dia?
Nem ministra nem deputada. Disciplina de voto não é comigo. Ia votar naquilo que acreditava.
Santana Lopes não a convidou para a Aliança?
Não me convidou, outros amigos que estão com ele convidaram mas eu neste momento tenho outra missão. O PSL é uma pessoa que admiro, tenho pena que não tenha ganho as eleições. Acho que foi uma perda irreparável para o PSD, mas a vida é assim e as pessoas fazem os seus caminhos. Mas não, pelo menos em 2019 não me vejo a fazer política. Um dia ser ministra também seria impossível, não sou permeável a pedidos. Há sempre um desfasamento entre aquilo que pensamos que vamos fazer e aquilo que conseguimos fazer.
Quando pensa na miúda de 14 anos pespineta, mudou muito?
Refinei com a idade. Era mais agressiva fisicamente e agora sou mais agressiva do ponto de vista intelectual. Como não tenho medos, os únicos que tenho são perder as pessoas que amo, aquelas pessoas que atestam aquilo que nós somos, às vezes não gostam muito de mim porque não tenho muito controle. Nos partidos há muito isto: liga lá a não sei quem para ela se calar. Isso comigo não é possível. Uma vez num determinado sitio onde trabalhava, alguém disse liga ao chefe dela que se ela fizer assim vamos mandá-la em embora. A pessoa que me chefiava disse: até posso dizer, que ela sai e continua a fazer. A sociedade, como está estruturada em termos partidários tem medo a tudo aquilo que lhe foge ao controlo.