Não exigiria muita capacidade de invenção adivinhar o que iria um primeiro-ministro dizer, nestas circunstâncias, na mensagem de Natal.
O geral do povo está feliz e, todavia, faz greve.
Os enfermeiros adiam as cirurgias, os guardas prisionais fazem a vida difícil aos presos, os ferroviários deixam as pessoas nas estações e as famílias à espera no tempo da sua festa.
Sobra o povo que não está feliz e não faz greve.
E, pensando bem, quase se não nota tudo isto.
À exceção do insuspeito líder da Intersindical, que avança a explicação de vivermos todos dentro de uma panela de pressão e ter-se soltado a tampa, a maioria sente estar a ser cozido mas acha natural.
A Quadra tudo desculpa, tudo justifica, tudo aliena.
À margem dos acontecimentos sobem as transações no multibanco, excedem-se as expectativas do consumo, fazem os portugueses que podem, e até os que não podem, figura de ricos.
Compreensivo, o Primeiro dos Ministros concede que nem tudo está bem, que a pobreza ainda nos subverte e continua a crescer.
Ele sabe que muitos olham para o lado e não se revêm na facilidade reinante.
E, apesar de tudo e de a verdade oficial ser a de que o país está muito melhor e mais sólido, confessa não se iludir com os números.
Ele sabe, melhor que ninguém, como esta prosa tida sobra a dívida e a sua subida ou descida não resiste a uma essencial verdade.
Pagamos, de facto, a dívida contraída a juros muito elevados, mas substituímo-la por mais dívida contraída a juros mais baixos.
Ou seja, não a eliminamos, não pedimos o seu perdão, reconfiguramo-la.
Ele sabe, melhor que ninguém, que a sua afirmação anterior da primazia do recurso aos imigrantes esquecia a preocupação essencial com aqueles que querem, na sua própria terra, ter melhores oportunidades.
Por isso a corrigiu.
E não ignora como lhe é necessário construir uma nova narrativa do equilíbrio do desenvolvimento e do progresso que inverta a suicidária política da concentração em Lisboa e Porto.
Sim, porque esta ideia de ter os grandes investimentos tecnológicos ou as facilidades do preço dos transportes sempre nos mesmos locais não pára.
Uma no cravo, outra na ferradura.
Dias antes, o Presidente da República lembrou isso.
Como recordou a dificuldade em entender esta competição antecipada, esta desfilada de exigências.
Há dias, embora pedindo licença ao PAN, vi um espetáculo do circo de Monte Carlo no qual continuam a participar animais.
Com uma perna em cada lombo, um pobre mortal segurava as rédeas de dois elefantes e corria pela pista. Às tantas, um camelo surge entre ambos os paquidermes e o ‘cavaleiro’ deixa-se cair em cima dele para logo recuperar a posição inicial.
O autor do veto vê sinais de separação entre os elefantes e de hesitação no camelo.
Tanto bastou para, com um sorriso melífluo, o Primeiro dos Ministros salientar, em tom menor, a necessidade de não exagerar, de não deitar tudo a perder, de não estragar.
Teria, certamente, adivinhado o veto ao diploma dos professores. Tentava reproduzir o acionamento do airbag. Agora, depois do mal feito e da superação da fase de angústia que o fez comprometer-se com quanto não podia.
Pão e circo.